sexta-feira, 6 de janeiro de 2017


   Orações à parte (clima de virada)

   É o recurso mais chão da teologia. Sem ela, desista-se. Sim, porque admitir um Deus que não ouve, é melhor desistir. Discorrer sobre Deus, panos pra manga. Dizer que Ele fala, que resta-nos (e é sábio) ouvi-Lo, ok, durma-se com um barulho desses.

  Mas não ter certeza de que Ele nos ouve (e responde, é claro), não vale a pena: se o Altíssimo não ouve, ou não responde ou é surdo a orações, perdeu sua utilidade. Podemos ou, mesmo que não, vivemos sem ele, por nossa própria conta e risco.

  Oração é o mínimo. Que oração? Bem, varia de freguês a freguês. A mulher sírio-fenícia pediu a Jesus pela filha. Se podemos considerar oração, Jesus foi grosso com ela: não se tira o pão da boca dos meninos, para dá-lo a cães. Então, replicou a mulher, me dê migalhas.

  Migalhas. E os exegetas, magos da verdade, salvadores da pátria (alemã) e dos textos, costumam dizer que a regra é se houver grosseria, há prova de autenticidade. Então, essa tradição da siro-fenícia está correta. Migalhas.

  Para a fé, bastam migalhas. E, mesmo se houver grosseria, haverá resposta. O caso é insistir. Mas há dose nessa insistência. Já outra tradição, agora não garanto se é autêntica, do sermão do monte, diz para não insistir se for pedido em vão: pelo muito falar, não vai ser atendido.

  Não diga que, outra vez, é grosseria. É porque oração tem que ser inteligente. Aqui dividem-se fariseus e gente rasteira, no Reino: aqueles, vício muito frequente entre nós, humanos, falamos para ser ouvidos (e elogiados, pura vaidade); estes, exatamente por serem faltos de razão, isso na abalizada avaliação dos outros, sempre é assim, têm mais chance ser ouvidos.

  Vide a viúva insistente da parábola. Mas com muita ou pouca argúcia no falar ou no pedir, na oração, brilhante dedução ou informação aos navegantes: o Espírito intercede por nós, sobremaneira, com gemidos inexprimiveis. Motivo: definitivamente, não sabemos orar como convém.

 Pois é, já que ninguém acerta com a receita da oração, vem auxílio do Alto. E, segundo o texto, adjetivado em intensidade e, quanto ao conteúdo, criptografado: não dá pra saber o que, a nosso favor, Ele diz ao Pai. Também, interessa saber que, com a ajuda do Espírito, basta boa intenção e sinceridade, que o resto vai, Ele ajuda.

  Oração é também uma questão de coerência. Se não fosse por isso, ponto de partida, acho que nem o Espírito ajudaria. Por exemplo, a primeira oração de um mortal a ser atendida, tem de estar coerente com o seguinte axioma: sem fé, é impossível agradar a Deus. É necessário que o que se aproxima, creia que ele existe. E, entre outras coisas, atende às orações.

  Pronto. Primeiro ponto de coerência. Ainda assim não é tão simples assim. Mas é o primeiro esboço de fé. Daí, procedem todas as demais orações, com todas as falhas de coerência possíveis, tão afeitas a nós. Entenderam, porque é necessário que o Espírito seja como que "muleta de orações"?

 Valeu, Espírito, muito grato. Mais um ponto para Você. Se não fosse por isso, venceria o farisaísmo, com o pessoal se exibindo até, vejam só, em oração. Assim, venta, Espírito. Para quem não gosta, bem-feito: mais um expediente para nos tornar a todos iguais, nivelados por baixo, ao mesmo nível. Tem gente (e não são poucos) que odeia isso.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Crônicas do Cântico da Vinha - Isaías 5:1-7 - (1)

"Agora, cantarei ao meu amado o cântico do meu amado a respeito da sua vinha."

   Pede que cante? Quem é o que canta e quem é o amado? E dizer da autoria do cântico: o autor é quem canta ou canta ao amado o cântico que este compôs?

  Pois, se o amado já conhece o cântico, por que cantá-lo? Que efeito faz nele ouvir o cântico que ele mesmo compôs? Poderá ser que, quem dedica já chama pelo nome "cântico de meu amado" o cântico que para ele compôs.

   Pois o que inspirou o cântico foi notável e o próprio conteúdo será determinante para que se conheça a urgência em compor, ainda que seja, conhecer os motivos da inspiração em compor.

   Passa a historiar, o meu amado teve uma vinha num outeiro fertilíssimo. Notável o suficiente para despertar dotes num menestrel. O ato de compor, em si, e de cantar constituem-se numa marca de perenidade, enunciação e detalhamento.

   O que o menestrel divulga com seu canto se espalha, encanta e cativa. A marca do que narra pela história de sua música traslada o tempo e permanece tatuado no senso e sentido de quem ouve. Este carregará consigo, por seus dias a fio, a memória do canto que ouviu.

   Como diz a canção do amigo, mas quem ficou, no pensamento voou, com seu canto que o outro lembrou. E quem voou no pensamento ficou, com a lembrança que o outro cantou.

  Nunca mais será esquecido. Permanece a história gravada na retina do tempo. O grau do que motivou funde-se de uma vez no canto que, em si mesmo, carrega num novo viés o ocorrido. A ênfase que, por si, tem o fato agora ganha relevo na feição do canto.

  Aliás, o canto realça o relevo que, por si, o fato traz. Por ser o ser humano distraído com o fato, esquecediço, principalmente por distração intencional, o canto com suas notas fere o espírito e deixa nele cravada a cicatriz.

  Não se poderá dizer, jamais, que não se soube, que não se ouviu aquele canto daquele menestrel, como o mais que lírico silvo de um trinado. Para sempre gravado na memoria, cumpre-se a intenção do menestrel, que passa com sua música e, como o Flautista de Hamelin, obrigatoriamente, atrai após si seu séquito.