terça-feira, 1 de julho de 2025

Afinal, que Deus queremos?

 O grau de credibilidade conferida ao texto biblico define a personalidade do Deus que adotamos. Se for distorcida, não  será novidade, porém uma forma a mais de idolatria.

  É irremediável. Tenha Deus participação no que vai escrito ou apenas piedosos autores tenham imaginado assim, o Deus que se desenha se prende a toda a tecitura do texto, fatos, diálogos e milagres.

   Se não pôde, enfim, abrir o Mar Vermelho ou guiar os nômades no deserto, tudo se reduz a uma espécie de mitologia, por meio da qual se deseja conduzir à fé, ou se validar uma opção preferencial pelo povo judeu.

   O pai que conta histórias bíblicas ao filho, exercitando sua imaginação, ilude a criança. Não  se deseja,  por esse argumento, prova comprobatória. Apenas supor que os textos devem servir somente para isso, fáceis de se entender, ao alcance de crianças.

  Porém o Deus revelado não será objetivamente o personagem por detrás delas. Há uma necessária depuração de especialistas, sem a qual nunca se conhecerá, verdadeiramente, a excelsa e divina personalidade. 

   Que feitos ou fatos narrados se sugere ter esse Deus, efetivamente, realizado? Serão esses que os textos descrevem? E os declarados milagres, desacreditados ou não, seriam meramente admitidos como ficcionais?

   Por exemplo, como seria Abraão confirmado "pai da fé", sem essa saga geográfica e historicamente reconhecida? Os diálogos de Deus com seu amigo, apenas contêm beleza e maestria, porém as personagens são ficcionais (bem, pelo menos Deus, espera-se, não seja)?

  Seriam as Escrituras apenas uma obra ficcional de grande envergadura, à espera de mentes lúcidas em alto grau que decifrem o enigma por detrás desses ensaios literários?

   Trata-se de genial tecitura literária humana, sem nada de inspirado, revelando a identidade de que Deus, mesmo porque até os diálogos são fictícios?

   Nada é direto. Quando lido "No princípio criou Deus", trata-se de um narrador expressando sua fé, detalhando como a personagem divina de sua ilustre ficção cumpre sua agenda criadora.

   E quando a personagem diz a Abrão "Sai da tua terra e da tua parentela", trata-se de uma nova personagem, agora movida por uma intenção divina de fazê-lo migrar e se tornar peregrino.

   Se é personagem histórica, quase nada dele sabemos, porque terá sido envolvido como que num glacê cultural judaico de uma saga que confere personalidade a esse povo. 

   Não sendo uma personagem histórica, trabalhe-se toda a ficção, apenas como peça literária. Define-se, evidente, um perfil de Deus, a quem crer e adorar. Um Deus ficcional, ora, para uma fé idem.

   Que Deus queremos? Pode ser uma pergunta. Há uma presença autoral, subjacente, porém desconhecida. Aumentou-se, aqui e ali, com tradição oral, noutras vezes escrita, com registros em material da época. Mas que época?

   Épocas o quanto próximas dos fatos narrados? Ou distantes em que contexto mais recente? Há intenção divina a lhes inspirar? Afinal, seria possível Deus assim proceder? Afinal, o que seria possível para Deus?

   Há, no ser humano,  uma luta íntima em reconhecer a fronteira do que está para além dele. Uma vez diante de sua própria razão, avaliar o agir de Deus. Seria o homem diante da sua razão e Deus diante da dEle.

   Que milagres? O perigo sempre será a vocação idolátrica do ser humano, qual seja, ao final das contas, o que ele mesmo avalia como permitido ao Deus que supõe existir fazer, ser, realizar.

  É tão óbvia a potência de Deus em falar ao homem, amá-lo intensamente, dirigir-lhe a vida, porpor-lhe escolhas, enfim, entregar-se, como homem, numa cruz, depois de encarnar-se num corpo de mulher que, até para quem se aventura a crer, a fé se revela hesitante.

   Que limites impor a Deus? Se Ele entra na história, digam então o que pode e não pode, o que, enfim, ser-lHe-á permitido ou não realizar? Poderá falar com ou ao homem ou mulher que criou? Poderá agir, a Seu modo, de modo que classifiquemos isso como milagre?

   Que Deus queremos? Afinal, a iniciativa é dEle? Sabemos, porque Se revelou? Ou constru(ímos)(íram) esse Deus? Vai se saber. Por isso prefiro o Deus das Escrituras, tais quais se me apresentam.

 Esse menino que ouviu do pai as histórias sou eu. Certa vez, um professor, ironizando sobre tradições orais que conferissem, às Escrituras, essa sua sequência de narrativas, perguntou se eu achava mesmo ter Isaque sentado ao colo de Abraão para ouvi-lo falar de Deus.

  Está aí minha resposta. Deus pode. Somos nós esses meninos. 

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