O Professor e Pastor paraquedista
Aviões mencionados pelo Prof e Pr Henry Bacon: sem cor, Withley, do treinamento e, em cores, o Stirling, que os levou à Normandia, no Dia D, 6 de junho de 1944.
"Sou pacifista não para continuar vivo, mas para não matar"
Se o leitor quiser conversar em português mesmo com um dos
pára-quedistas britânicos que desceu na Normandia no Dia D, vá até a praia de
Meaípe, no litoral do Espírito Santo, pela manhã. Você verá um homem magro de
84 anos nadando os seus 800 metros diários. Não o interrompa, por favor.
Imagine-se, então, num campo a uns 3 quilômetros da praia no litoral francês, e
no dia 6 de junho de 1944. Você verá na sombra da noite alguns homens descendo
de pára-quedas a 100 metros do solo. Entre eles está o veterano de Meaípe,
Henry Bacon, nascido em Londres no dia 18 de maio de 1920, casado, cinco filhos
(todos residentes no Brasil), bacharel em letras pelo Queen Mary College
(Universidade de Londres) e em teologia pelo St. Luke’s College, em Londres,
missionário aposentado da Latin Link no Brasil desde 1952, ex-professor de
teologia e arqueologia em seminários evangélicos de São Paulo, Belo Horizonte e
Vitória, especialista em Euclides da Cunha e atual pastor da Igreja Batista de
Meaípe.
Por Henry Bacon
Cedo na Segunda Guerra Mundial, fui alistado para servir no exército britânico.
Registrei-me como pacifista, e fui colocado num “corpo não-combatente”. Porém,
foi feito apelo a voluntários para desarmar bombas lançadas pelos aviões
alemães que não explodiram. Eu me ofereci. O secretário que recebeu o meu
registro disse: “Olha, Bacon, se os riscos fossem razoáveis, eu aceitaria seu
nome sem dizer nada. Mas os acidentes são tantos, com tantas mortes... Você
realmente quer se registrar?” Respondi: “Não sou pacifista para não morrer, mas
para não matar outros”.
Fui colocado numa seção de dezoito homens. Nos dois anos de trabalho, desarmamos centenas de bombas, e não perdemos um só homem por acidente.
Fomos tirados daquele trabalho, mas outra possibilidade se abriu. Estavam sendo
preparadas brigadas de paraquedistas para descer no litoral da França, ocupado
pelos alemães, para proteger o desembarque de tropas que vinham pelo mar. Não
podiam mandar pára-quedistas sem ambulâncias de campo para acompanhar. Apelaram
para os “não-combatentes” para se oferecer como enfermeiros. Então fui com
muitos outros.
Tivemos de fazer oito saltos de treinamento. Antes de fazer o primeiro, vimos
um soldado que não conseguiu se livrar da correia com que saltou ser arrastado
no ar atrás do avião, até que morreu. Trata-se de um acidente raro, mas
desanimador! No treinamento, o avião do qual saltamos foi o Whitley, conhecido
como “caixão voador”. A abertura para saltar era pequena. Para o dia D, tivemos
o Stirling para nos levar a França. Podíamos ficar de pé, e a abertura para o
salto daria para jogar um jipe.
Soubemos quando o dia D estava perto. Toda permissão para viagens de licença
foi cancelada, e fomos para um acampamento ao lado do rio Tâmisa. Fomos levados
para dentro de uma barraca, muito bem guardada, onde havia fotografias e lentes
estereoscópicas para examiná-las. Era exatamente o terreno onde íamos descer e
ocupar na França. Pouco depois, fomos ao aeródromo para embarcar. Lá havia
filas e filas de grandes aviões, os Stirlings, prontos para levar duas brigadas
de pára-quedistas e soltá-las em território francês, onde o inimigo esperava
para repulsá-las. Era 11h30 da noite, mas durante a guerra a Inglaterra
observava horário de verão dobrado, de maneira que ainda não estava escuro.
Havia chá quente para nós, bem adoçado e à vontade. O nosso comandante andava
para lá e para cá com a mão cheia de rosas vermelhas, dando uma para cada um
dos seus oficiais. Eu me aproximei de meu amigo e disse: “John, se eu voltar
são e salvo desta, saberei que minha vida pertence a Deus”. Nenhum de nós sabia
o que estava à nossa espera quando chegássemos à terra, mas podíamos imaginar.
Embarcamos, e o nosso avião decolou. Uma hora depois, sobrevoamos a França. Um
amigo da onça na minha frente, que olhava pelo buraco para baixo, nos informou:
“Há bastante fogo antiaéreo subindo contra nós”. (Para o salto ser eficiente, o
vôo deveria ser não muito alto, nem muito rasante, mas justamente dentro do
alcance da artilharia antiaérea.) Então veio o momento do salto. Eu aterrissei
num campo arado. Livrei-me do pára-quedas e peguei meu equipamento. Então uma
figura apareceu da escuridão. Pensei: “Se esse é um alemão, já sou prisioneiro
de guerra”. Mas falou em inglês: “Oi, amigo, sabe onde o 13º batalhão está
reunindo?” Olhei ao redor. Aquele batalhão tinha uma luz por sinal visível e um
chifre de caça por sinal audível. Mas havia luzes de vários pára-quedas de carga
pelo campo e barulho de muitos aviões e do fogo das metralhadoras. Não pude
ajudá-lo, e ele foi embora em busca da sua unidade. Minutos depois, o cirurgião
e mais um da nossa equipe apareceram. O cirurgião começou a nos guiar para o
ponto de concentração. De repente, uma faixa de metralha luminosa passou pela
nossa frente. Esperamos um pouco; o cirurgião disse: “Acho que estamos seguros
agora”, e atravessamos o campo em direção ao lugar onde o resto da nossa
unidade estava reunida, numa vala ao lado de uma estrada. Ouvimos o barulho de
uma moto, depois um tiro, e apareceu um preso, ferido numa perna, um jovem
alemão mensageiro, que nem imaginava que havia ingleses por perto. A essa
altura, havia bastante barulho. Então, vi uma coisa que nunca vou esquecer: um
planador, alto no céu, inteiramente envolto em chamas. (Uma brigada de tropas
em planadores completava a divisão. Um planador levava um pelotão de homens, ou
um tanque leve, ou uma peça de artilharia.) Quantos homens pereceram naquele
planador, não sei.
Para um colega, cristão, o pára-quedas foi uma armadilha, pois pegou numa
árvore. Ele ficou suspenso no ar e morreu furado por balas. Outro desceu num
quintal onde havia tanques alemães estacionados e luzes na casa. Era o
quartel-general de uma divisão de tanques. Ele escalou o muro o mais depressa
possível, mas lembrou que havia deixado o saco de equipamento médico no
quintal. Voltou pelo muro, pegou o equipamento, saiu outra vez e atravessou os
campos para se juntar a nós.
Outro, ainda, era padioleiro com um pelotão de infantaria. O avião deles os
deixou fora da “nossa” área. Quando se reuniram, o líder se declarou incapaz de
achar um caminho para se juntar à nossa divisão. O padioleiro então os guiou
através das linhas inimigas até encontrar a massa dos companheiros. (Perto do
fim da guerra, esse mesmo padioleiro morreu em ação na Alemanha. Seu irmão mais
novo que estava servindo junto teve de enterrá-lo às pressas, para continuar a
marcha.)
Naquela primeira noite, esperamos na vala, até que a infantaria tirou os
alemães do lugarejo mais perto, Ramville. Perto da alvorada, nós os seguimos e
ocupamos o chateau escolhido para o nosso centro cirúrgico. Fomos avisados de
que havia franco-atiradores alemães no sótão por cima de nós, mas estávamos
ocupados demais para ligar para isso. O cirurgião indicou um quarto para nosso
teatro cirúrgico. Conformando-me com o meu treinamento, lavei e escovei tudo
naquele cômodo. Então, fui para o quarto contíguo para comer um lanche. Ouvimos
o barulho de morteiros perto. Foi quando o inimigo chegou quase a tomar o
chateau onde estávamos. Depois do lanche, fui ver como estava o meu trabalho. O
nosso “teatro” era um montão de entulho; a poeira enchia o ar.
Os feridos dos nossos rapazes começaram a entrar. O dia inteiro trabalhamos no
que restava do chateau. Os dois cirurgiões faziam operações continuamente.
Perto da noite, fui ver os meus pertences, que tinha deixado ao pé de uma
árvore. A capa antigás e a mochila haviam sido perfuradas por uma bala. Aquele
franco-atirador havia tido um dia ativo! Apressamo-nos em cavar trincheiras
onde pudéssemos descansar. O meu couro cabeludo nunca se recuperou bem depois
que fiquei três meses dormindo na terra.
No primeiro dia, estávamos isolados das forças que vinham pelo mar. Somente um
corpo de elite, dos Comandos, chegou até nós. O líder deles, Lord Lovat, chegou
ao nosso centro com um corte profundo em uma nádega. Colocamos-lhe uma atadura,
e ele voltou para liderar a sua turma. No segundo dia, as outras forças nos
alcançaram, e os feridos que estávamos atendendo foram evacuados.
Mudamos da casa, por ser um alvo perigoso, para o fundo de uma pedreira. Lá, um
avião do Luftwaffe resolveu nos atacar. Quando vi as faíscas do seu canhão
brilhando em todas as direções, sabia que eu era o alvo. Joguei-me dentro de
uma vala, do esgoto das nossas pias. Momentos depois, levantei-me, encharcado
de água ensaboada, mas são e salvo.
Dias depois, tive de acompanhar numa ambulância dois cadáveres para a praia. Lá
estavam ainda os detritos do desembarque, mas também vi o porto improvisado,
construído seguindo uma sugestão de Churchill: imensos cascos de concreto
tinham sido rebocados através do mar e assentados sobre o fundo ainda em água
bastante, para formar um molhe e cais onde navios de grande porte pudessem
atracar e descarregar. Somente assim o suprimento de munições e provisões de
todo tipo pôde ser mantido.
Da nossa pedreira, fomos espectadores da sucessão de tanques, artilharia,
tropas motorizadas e tudo mais que Montgomery levou avante no seu ataque contra
Caen. Também vimos o terrível bombardeio noturno de mil aviões sobre Caen, que
iluminou o céu inteiro com uma triste luz vermelha. Depois, avançando, passamos
no meio de Caen, entre altos barrancos de entulho.
Horas antes do embarque para o salto no campo de batalha, eu estava orando com
dois companheiros numa barraca de lona, ao lado do rio Tâmisa. Quarenta e oito
horas depois, eu e os mesmos dois fizemos oração numa trincheira na França.
Creio que tivemos a proteção de Deus nos perigos daqueles dias. Mas hoje não
penso que tivemos razão em ser “não-combatentes”. Depois da guerra veio à tona
a verdade a respeito do esforço nazista de extinguir totalmente a nação judaica
e dos horrores dos campos de concentração. O domínio do regime nazista seria um
mal pior que a guerra.
Este texto está em Ultimato:
Veja também sobre a comemoração dos 60 anos do desembarque na Normandia:
O Regime Nazista iria deixar o mundo muito pior do que está hj. Essas vidas corajosas e com propósitos nos livraram de um horror muito grande. Homens de Deus, com suas convicções, adentraram campos de morte para que hj tivéssemos a chance de ter uma vida. A esses minha reverência e gratidão.
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