sexta-feira, 3 de maio de 2024

A primeira oração de Paulo aos Efésios

 ¹⁵ Por isso, também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos, ¹⁶ não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, ¹⁷ para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, ¹⁸ iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos ¹⁹ e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; ²⁰ o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, ²¹ acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. ²² E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, ²³ a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas. Efésios 1.

    John Stott (1921-2011), pastor anglicano, igreja oficial inglesa, é um dos mais importantes teólogos de nossa época.

     Em seu comentário sobre a carta de Paulo aos Efésios, de modo magistral, ele subdivide a parte inicial do capítulo 1 em duas partes de sentido geral: benção, em 1,3-14, e intercessão, 1,15-23.

   Nesta segunda parte, Paulo explícita as razões por que, uma vez tendo recebido notícias da fé daqueles irmãos, no Senhor Jesus Cristo, e de seu amor para com os demais crentes, então expõe em que termos intercede por eles.

   Começa por dizer que pede a Deus, a favor deles, "espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento de Deus". Este é o ponto de partida para as demais implicações mencionadas pelo apóstolo nesta oração.

   Em sua carta 1 aos Coríntios, Paulo explicita que é o Espírito quem nos revela o que Deus tem, para nós, preparado:

  ⁹ "... mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. ¹⁰ Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus." 1 Co 2.

   E nesta mesma carta, adiante, Paulo indica que conhecer Deus é fundamental para se vivenciar o Seu amor, para assim o crente, na expressão de Paulo, ser "tomado de toda a plenitude de Deus", Ef 3,19.

   Portanto, o começo da vida cristã, na perspectiva de Paulo, significa receber de Deus, concedido pelo Espírito, esse espírito de sabedoria, que seria uma disposição para reunir todo o intelecto e sentimento, o ser inteiro posto nesse propósito.

   Por isso Paulo menciona os "olhos do coração". Esta expressão significa não somente e meramente enxergar algo, mas pôr toda a atenção e com todo o ser, significa o compromisso inteiro e o sentido pleno da conversão a Cristo no específico que diz respeito à fé.

   Iluminar é o termo bíblico-teológico por excelência da ação do Espírito no crente, ou seja, naquele que tem fé. Desde a compreensão primeira do evangelho, quando se diz "sim" a Jesus, passando pela compreensão primeira das Escrituras e avançando em direção à plenitude desse mesmo Espírito, em tudo somos por Ele iluminados.

   Então, Paulo está instruindo aqueles crentes a aspirar, de modo permanente, a que conheçam Deus, dEle recebam sabedoria e sejam plena e constantemente iluminados pelo Espírito nesse propósito.

   E então Paulo passa a enumerar o que é essencial que eles saibam. Primeiramente, "qual é a esperança do seu chamamento". O chamado de Deus é a primeira vez que ouvimos sua voz. Mais do que audição, no sentido físico, é um chamado interior, a todo o intelecto e ao coração.

   E a esperança desse chamamento diz respeito às garantias, a plena consciência de verdade, o laço da comunhão, que implica nova raiz para a vida, e a realização plena futura de toda a expectativa da fé.

   Esse primeiro rogo de Paulo em sua oração tem a ver com o primeiro passo da conversão. O segundo é "qual a riqueza da glória da sua herança nos santos". Este segundo rogo de Paulo diz respeito à continuidade da ação de Deus na vida da igreja.

   Quando Jesus, em sua oração, em João 17, menciona a glória que, com o Pai, pela eternidade afora sempre teve, agora, diante da cruz, pede restituição dela tendo, no mundo, com plena realização, compartilhado dela aos homens e mulheres, em seu ministério.

    É sobre a riqueza, o valor dessa glória que Paulo está falando. Seja no Antigo, quanto no Novo Testamento, a glória de Deus fala de sua identidade. E Ele a compartilha conosco, sendo a igreja, em sua plenitude em Cristo, a face dessa glória no mundo.

   Essa é nossa herança. É o "Deus conosco", Mt 1,23, como foi dito a Maria. E o andar com Deus, Gn 6,9, em Enoque, é Cristo em nós, a esperança da glória, como menciona Paulo em Cl 1,27-29.

  E Paulo encerra descrevendo o que, como crentes, supre-nos dia a dia: o poder de Deus. A concessão desse poder tem relação direta com a identidade da igreja: ela é testemunha de Jesus. Em At 1,8 está escrito que recebemos poder do e pelo Espírito para ser testemunhas de Jesus.

   E em At 5,32, está escrito: "...somos testemunhas, bem assim o Espírito Santo". A natureza desse poder, exclusivo e concedido à igreja, não representa a ânsia e loucura inebriantes, pela simples menção da palavra "poder", no mundo de hoje.

   Mas o específico da missão da igreja, sua autoridade e identidade no mundo, dar testemunho de Jesus. Por isso, em sua despedida dos apóstolos, na última Páscoa, em Jo 14,12, Jesus indica que a igreja, no mundo, dá continuidade à Sua obra, assim como opera mais obras do que Ele próprio.

   Portanto, nesta oração Paulo se ocupa em afirmar que Deus concede toda a convicção da amplitude de nosso chamado para a fé, a glória que Jesus sempre dela privou e o poder que confere à igreja sua identidade e autoridade.

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