sexta-feira, 26 de julho de 2024

Entrevista com Pedro, o pescador

   Pedro. Pedro, não é? Simão. Mais propriamente Simão. Pedro foi o apelido com que ele me batizou, falou, ele mesmo rindo do trocadilho ocasional.

   Jesus? Sim, o Nazareno, como também foi conhecido, entre muitos outros nomes. Sei, sim. Mas, por favor, fale resumidamente, como você o chamaria, mais especificamente?

  Autor da vida. Riu, novamente. Eu o chamaria, definitivamente, Autor da vida. Ele mudou minha vida. Aliás, com ele, o lago de Genesaré nunca mais foi o mesmo.

  Enfim, a Galileia toda. A gente passou a entender por que Isaías, o profeta, a ela assim se referia:

¹ "Mas para a terra que estava aflita não continuará a obscuridade. Deus, nos primeiros tempos, tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios. ² O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz."

   Desculpe a citação assim demorada. Esse texto eu decorei. Riu, novamente. Lindo texto. Muito lindo. Como se, de novo, como diz o Gênesis "Haja luz", então houvesse luz.

   Exatamente assim, confirmou Pedro. Diga como foi o seu encontro com ele? Inesquecível. A gente era pescador. A vida toda. Por isso que digo que ele é o Autor da vida.

   Mudou a nossa e a vida de muitos, em nossa colônia de pescadores. Quer dizer, quem dera fossem todos assim atingidos. Mas quantos quiseram, assim o foi.

   Ele apareceu um dia, numa manhã, mais cedo do que esperado, mais cedo do que ninguém que não fosse pescador estivesse por aqui. A gente estava exausto. Exaurido, completamente.

   João estava conosco. Aliás, era o barco do pai dele, Zebedeu. Ele era o dono da embarcação e da própria licença de pesca. Eu e meu irmão André, a gente trabalhava com eles.

   Quem é aquele estranho, a essa hora, pela praia? Olhei. Ele vinha andando, pela beirada, e já estava divisando a gente. Foi quando de lá, gritou: Ei! Aí vocês, no barco: como foi a pesca?

  Péssima, eu gritei. E olhei para João, como meio que contrariado, dizendo com o olhar, "Ora, bolas, afinal, o que que esse estranho tem a ver com isso? Mas João nada falou.

   Nesse meio tempo, encostamos, já empunhando as redes, para descer do barco e lavar. Mas ele veio ao nosso encontro, descalço, com as sandálias nas mãos, fazendo menção de entrar no barco.

   A gente se olhou. Tiago, o irmão de João, reconheceu-o e disse para nós, Gente, esse é Jesus, o filho do carpinteiro José, de Nazaré. Todos nos entreolhanos e olhamos todos para ele. Ele sorria. Eu nunca havia visto um sorriso daqueles.

   Aqui Pedro se emocionou, ao recordar aquele sorriso. Quer dizer, isso agora. Porque no dia, eu já estava ficando nervoso com aquela intromissão. Foi quando a cousa piorou.

  Ele disse, Gente, vamos dar meia volta. Todo mundo parou o que estava fazendo, mais uma vez nos entreolhamos e João, que já me conhecia, de velho, com os olhos, como que me dizendo: "Pedro, se segura".

   Quase que eu dizia, com todo o respeito, Mas, Mestre, para que isso? Estamos chegando. Passamos a noite inteirinha no lago. Não pegamos nada. Será que o Senhor quer passear, a essa hora do dia?

   Mas o que saiu, foi:
⁵ "Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a tua palavra lançarei as redes." Lc 5

  Ele disse assim, Isso, podem jogar assim, para aquele lado. Caramba! Pedro agora sorri, mas misturando emoção, riso e lágrimas quando se lembra. Porque no dia, eu olhei de novo, para João, como que a dizer:

   João, cara, o que esse estranho, esse carpinteiro sabe de jogar redes. E depois de uma noite insana dessas? João como que, com gestos, sem palavra nenhuma, fez cena, como que dizendo, numa careta que fez, Joga, Pedro: ele não está mandando?

   Eu me ergui, empunhando as redes com que eu já estava, desde que pensei que iria descer, escorei-me, um pé de apoio no soalho do barco, outro pé na amurada, ladeei os braços para um lado, completei um meio giro e lancei, para o alto, as redes.

   Elas rodopiaram no ar, a bombordo, para o lado bom, como se diz, arquearam-se e caíram circulares, bem do melhor modo, eu acompanhava. Então, olhei para ele, com cara de velho Pedro. Rabugento e incrédulo.

   Até hoje, quando lembram, riem de mim. Oh sujeito bom pra bullying que nem eu, não há outro. Depois eu te conto a noite do fantasma, como a gente diz, quando quase me afoguei. Mas isso é outra história, ele disse, fazendo com a mão sinal de espera.

   A corda guia estava no meu braço. Eu nunca mais vou esquecer. Senti um empuxo. Arregalei olhos, cambaleei, aloprei, se não fosse André, eu me bandeava dentro d'água. Ele me amparou. Escorou o cotovelo em meu peito, para eu me equilibrar, e já distendeu a guia, nós dois juntos, aferrados nela. 

    Começamos eu e ele a puxar. Ajuda todo mundo, eu gritei. E todos eram só todas as mãos. João e Tiago já estavam agachados no barco. E já amarravam as cordas nos grampos da amurada.

   Alguém, acho até que foi Tiago mesmo, ou Natanael, que estava conosco, Ajuda, Ajuda, acode, rápido, acenando para quem estava na praia. Eles avistaram, Natanael acenava, com ênfase, Vamos, vamos, porque o barco pendia, tanta era a força de tanto peixe.

   Vieram logo duas embarcações, ao nosso encontro. Em nossa direção, assim, mostrava Pedro, gesticulando, com as duas mãos em paralelo, revendo a cena.

   Nesa hora eu olhei para Jesus. Ele riu para mim. Levantou-se da amurada, amparou ao nosso lado, no soalho do barco. Então enlaçou, com aquele braço dele, de carpinteiro, o grosso de nossa corda.

   Também tinha mãos grandes e calejadas. Empunhou a corda. Fez como que uma alavanca, com seu próprio corpo, sorriu. Eu sentia um misto de, sei lá, alívio, com ele ali, prazer, mas um certo incômodo, porque eu havia sido contrariado, ora.

   Mas o que me inundava era uma paz, só dele estar ali, no barco, sorrindo para mim. Não era ironia. Ele ampliou o sorriso. Agora todos os olhos estavam nele. Então, ele disse: Vou fazer de todos vocês pescadores de homens.

   Eu senti como se me fosse afrouxar, naquela hora. Tremi e me assustei tanto, que enlacei, com os dois braços, aquela corda. Segura, Pedro, ele disse. Quem riu, meio que sem graça, naquela hora, fui eu.

   Nessa hora os barcos já encostavam. E Pedro, nessa hora, agora, nessa altura de seu depoimento, estava era emocionado, passando pelo rosto e pelos olhos as mãos de pescador.

   Minha vida nunca mais foi a mesma. Autor da vida, Pedro, como você o chamou. Sim, Autor da vida.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Ao entardecer, um convite

 ⁵ "Houve tarde e manhã, o primeiro dia." Gn 1.

   Interessante pensar, mesmo sem entender, como Deus, um ser eterno, agenda os dias da criação. E, artesanalmente, compõe tudo o que, a cada dia, criou, avaliando, ao final, como muito bom.

   Pensar como Deus instaura a história, para que nela a existência humana possa se desenrolar, e o modo como Ele mesmo planeja entrar nessa história, limitar-Se na sequência do tempo, entre outras limitações, tornando-se homem.

  Bem, já que estamos olhando para essa cena daqui, projetando nossa visão a partir da narrativa bíblica do Gênesis, já sabemos que a ideia surpreendente de Deus se fazer homem em Jesus Cristo é que assinala essa entrada na história, na existência e no tempo.

   Aqui somos nós pensando. No Gênesis, trata-se da narrativa de Deus pensando. Deus reflete, planeja e executa. Ele planeja a história, estabelece o tempo, reflete sobre a criação e a executa. E a cada dia, a cada tarde que declina, Deus pensa.

   Ora, mas será que Deus pensa? Como se daria que um Ser eterno, Onisciente, ou seja, que tudo sempre sabe, detenha-se no pensar? Haveria, então, para ele, essa pausa do entardecer? Para Deus, haveria "tarde, manhã, o primeiro dia", isto é, o decorrer dos dias?

   Deus pensa conosco? E nós, por acaso, pensamos com Deus? Há um mediador desse pensamento, para que possamos conhecer o que Deus pensa e para que o próprio Deus conheça a expressividade do que pensamos.

   A Bíblia diz que esse "parácleto", o que caminha junto, ao lado, intermedeia, exerce mentoria, aconselha tem nome. Há um poema, em Provérbios, no qual a Sabedoria insinua-se como essencial para que Deus se conduzisse, em sua criação, com efeito positivo e perfeito.

    E o poema faz este apelo:

³² "Agora, pois, filhos, ouvi-me,  porque felizes serão os que guardarem os meus caminhos. ³³ Ouvi o ensino, sede sábios e não o rejeiteis. ³⁴ Feliz o homem que me dá ouvidos, velando dia a dia às minhas portas, esperando às ombreiras da minha entrada. ³⁵ Porque o que me acha acha a vida e alcança favor do Senhor. ³⁶ Mas o que peca contra mim violenta a própria alma. Todos os que me aborrecem amam a morte." Pv 8 

   Assim, percebemos como somos convidados a refletir sobre o que Deus pensa, do mesmo modo que interessa a Deus pensar sobre como nos sentimos como seres humanos. Ora, então, Deus se autoconvida a ser homem, enquanto nos convida a ser com Ele.

   Deus pensa. Enquanto a tarde declina, a cada dia que se encerra, como se Deus se despedisse com gratidão desse dia ido, consciente de que Sua obra feita, dia a dia, conduziu-se a bom termo, e decorre o tempo, necessário para que Ele conduza a termo sua obra. 

   Como o próprio Jesus afirma:

17 "

E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também." Jo 5.

  E o autor de Hebreus aborda essa obra de Deus. Ele afirma como Deus a conduz e como nela Se conduz. Destaca que somos dela participantes e, de certa forma, isso nos traz descanso.

³ "Nós, porém, que cremos, entramos no descanso [...] Embora, certamente, as obras estivessem concluídas desde a fundação do mundo. [...] ⁷ de novo, determina certo dia [...] Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração." Hb 4.

   Eu lembro, nas várias viagens feitas entre Rio Branco, Acre, e o outro, o Rio de Janeiro, cerca de 4100 km, o entardecer na estrada. Era sempre um momento de alerta e reflexão. Porque, não mais totalmente dia e bem plenamente noite, os faróis devem ser acendidos, mas não vão iluminar o suficiente.

   Há beleza no céu, quanto à despedida do sol, que declina em mais um dia. Mesmo ao volante, alerta e mais atento, ainda porque todo o cansaço do dia se acumula, tudo então convidava à reflexão. Sempre havia esse momento, nem luz plena, nem trevas advindas, um átimo de reflexão.

    Lembrei Immanuel Kant, um filósofo, não porque o conheça tanto, mas porque ele procura, em sua tarefa, depurar a razão, propor lucidez ao pensar. E coloquei seu nome completo porque, ironicamente, seu nome, segundo menciona Isaías, o profeta, signfica "Deus conosco".

   Paulo afirma que, pelo Espírito Santo, temos a "mente de Cristo". Tudo pelo esforço de pensar como Deus pensa. Pensar junto com Deus, em comunhão com Deus. Enquanto não termina o nosso dia. 

terça-feira, 23 de julho de 2024

Faça a Prova Real

  Tempos idos. Lá na década de 60, do século passado, eu cursei o Primário. E isso me persegue até hoje. Porque me tornou um desajustado no contexto atual da educação.

   A professorinha da 1ª série, ainda no Instituto Filgueiras, ensinava a Prova dos 9 e a Prova Real. Ambas no contexto da matemática, ensinando o aluno a conferir resultados de contas nas quatro operações.

   A Prova dos 9 era falha. Dave certo num montão de tentativas, mas a professorinha sempre mostrava a contraprova: havia pelo menos um exemplo em que falhava.

   Então, a famosa prova dos "nove fora, nada" pelo menos naquele exemplo, falhava. Portanto, não servia para garantir que as operações matemáticas estivessem corretas. E, em matemática, se falha numa, não serve mais para nenhuma.

   Então vinha a Prova Real. Nunca falhava. Porque baseava-se num outro princípio matemático. Para cada operação, havia o seu inverso exato. Bastava, então, inverter a operação e zerar o resultado.

    Sempre equivalia. 2 + 2 = 4, porque 4 - 2 é igual a 2. 4 ÷ 2 = 2, porque sempre 2 X 2 = 4. A Prova Real nos salva. Não sejamos cristãos Prova do Nove. Porque, como dizia meu pai, usando uma sua expressão: sem ir pela vida afora fazendo a Prova dos Nove.

   Numa hora dessas, "noves fora, nada". Vamos duvidar até da nossa "fé". Então, não use a sua "fé". É Fake. Use, como diz Judas, a fé que é de Jesus:

³  "... exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos." Jd 1.

     Uma vez entregue aos santos, aqui referidos os que creem, trata-se da fé autêntica, da qual Jesus é autor e Consumador:

² "...olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus". Hb 12.

   Trata-se da fé genuína. Caso tenha ocorrido ouvir a palavra de Deus, nela crendo, essa fé autêntica faz efeito:

¹³ "...em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa". Ef 1.

   Caso não tenha atendido å palavra de Deus:

² "...mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram." Hb 4.

   A fé autêntica, promovida pela pregação do evangelho, uma vez acolhida, converte. Prova Real. Paulo adverte aos Coríntios:

⁵ "Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados." 2 Co 13.

   Não faça a Prova dos 9, porque não autentica: noves fora, nada. Faça a Prova Real. Como na matemática do curso Primário, nunca falha.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Coisas em Pedro - Virtude - Parte 4

 ⁵ "...por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude". 2 Pe 1.

   Virtude, "toda a essência como pessoa", significa o arrimo moral completo, no contexto bíblico, de quem foi resgatado da condição do pecado, proveniente de uma vida sem Cristo.  

   Mas caso ainda não tenha experimentado essa condição, Paulo, aos Efésios, descreve 4 (quatro) características de alguém não convertido: (1) sem Cristo; (2) separado, afastado da comunhão como igreja; (3) estranho às promessas da palavra de Deus, a Bíblia; (4) sem nenhuma esperança, ou seja, sem raízes em Cristo; (5) sem Deus no mundo. Ef 2,11-12.

   Diligência (σπουδην - no grego spuden), neste texto de 2 Pedro, está intensificada por (παρεισενεγκαντες - pareissenegatês) trazida consigo e (επιχορηγησατε - epirrorigssatê) ricamente suprida.

  Portanto, na tradução, o termo diligência (interesse ou cuidado aplicado na execução de uma tarefa) está modificado pela indicação de reunindo (ricamente suprida) toda a vossa (trazida consigo) virtude.

  Há duas preposições παρα (ao lado de) e επι (por cima de), na formação desses vocábulos agregados a "diligência". Portanto, será algo sempre paralelo, permanente, e acima, ou seja, que supre, sobrevem de cima.

   Verifica-se, além de ser concedida, uma iniciativa de quem a recebe. Essa diligência passa a existir nessa vida de fé. Por isso, Pedro coloca a fé como primeiro passo, esclarecendo que a virtude vem com ela, como continuidade e a ela agregada, associada agora na vida do novo convertido.

   Virtude (αρετην, areten, no grego) vai gerar virtus (latim) e virtude (em português). Em sentido geral, signfica força viril (do ser), porém num sentido amplo, que envolve força moral, social e intelectual.

   Portanto, aplicado ao princípio cristão, a nova (καινη, kainê) criatura (κτισις, ktissis), ou seja, o novo convertido tem, como fruto da conversão, a concreta possibilidade de agir por plena virtude moral em suas escolhas.

   Uma nova moral tem lugar na vida daquele verdadeiramente convertido, agora (re)educado e predisposto a rejeitar tudo da antiga vida:

¹¹ "Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, ¹² educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente". Tito 2

   E ainda, esse mesmo Espírito regenera (gera uma nova vida) e renova (torna nova) a existência:

⁴ "Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, ⁵ não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo". Tito 4.

   Haverá outros textos bíblicos que mencionam demais aspectos da modificação do caráter, na ascensão moral a que o novo convertido é chamado.

   E o que lhe dá origem é uma educação para se renegar a herança anterior à conversão, que não sai instantaneamente de nossa vida, porque há vícios e maus hábitos entranhados carentes de enfrentamento. 

   E tal procedência e proceder virtuoso é por ação do Espírito Santo, aqui indicado como quem proporciona ao cristão um lavar regenerador e renovador. Signficam dois aspectos:

1. Ser regenerado é ter nascido de novo;
2. Ser renovado é ser tornado novo.

   Somente válido para quem experimenta verdadeira conversão e tem em si, atuante, o poder do Espírito Santo.

    E Paulo, aos Efésios, indica a medida como, no contexto da igreja, uma vez bem articulada e consolidada, promove o crescimento de si mesma e de cada membro, per si, na comunhão do corpo de Cristo:

   ¹³ "...até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo". Ef 4.

  As medidas são: (1) unidade da fé: efeitos somente agregados em comunhão; (2) pleno conhecimento: concedido pelo Espírito desde a conversão; (3) perfeita varonilidade: resgate da condição pervertida do pecado para a imagem e semelhança originais de Deus; (4) medida: perfeição de Jesus, plenificados no Espírito Santo.

   Pela fé, inicia-se uma vida plena em Jesus, gerada e aperfeiçoada no Espírito, razão por que, associada à fé, floresce, no crente, a virtude desse mesmo Espírito. Por meio dela, efetua-se, como afirma o mesmo apóstolo Paulo, seu próprio crescimento em amor:

¹⁵ "Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, ¹⁶ de quem todo o corpo, bem-ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor." Ef 4.

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Coisas em Pedro - Fé - Parte 3

 ⁵ "... por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude". 2 Pe 1.


   Pedro inicia com a fé. Aliás, tudo inicia pela fé. É o autor da carta aos Hebreus que ensina:

⁶ "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam." Hb 11.

  E é pela fé, e somente por fé que somos justificados:

¹ "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo". Rm 5.

   E o próprio Abraão foi justificado por fé:

³ "Pois que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça." Rm 4.

   E essa fé é dom de Deus: ⁸ "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus", Ef 2, tendo o próprio Jesus como Autor e Consumador: ² "...olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus". Hb 12.

   E o veículo da fé é a palavra de Deus:

¹⁷ "E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo." Rm 10.

   Porém, mesmo a prontidão dessa pregação pode não fazer efeito em quem ouve, não pela palavra em si, mas pela ausência ou anulação dos efeitos da fé em quem ouve:

²  "...mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram." Hb 4.

  E pela fé andamos, passo a passo, de fé em fé, como menciona Habacuque: (citado por Paulo):

   ¹⁷ "...visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá por fé." Rm 1.

   E de novo Paulo, aos Gálatas, esclarece como andar por fé:

²⁰ "...logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim." Gl 2.

   E tão lúcida e refinada é essa opção de viver por fé, que Paulo define como pecado tudo o que não provém de fé:

²³ "...e tudo o que não provém de fé é pecado." Rm 4.

  E na parábola, o próprio Jesus ensina que a fé não tem tamanho porque, se for, comparativamente, do tamanho do grão de mostarda, o menor entre as hortaliças, tudo vai poder:

  ⁵ "Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: Arranca-te e transplanta-te no mar; e ela vos obedecerá." Lc 17.

  Essa é a primeira coisa de Pedro. Por ela temos acesso à graça de Deus:

² "...por intermédio de quem (Jesus) obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus." Rm 5.

  Quem primeiro prega o evangelho é o próprio Jesus, afirmando ser necessário exercer fé:

   ¹⁴ "Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, ¹⁵ dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho." Mc 1.

   E é o apóstolo Paulo quem também indica essa mesma necessidade:

¹³ "...em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa". Ef 1.

   Pois siga o itinerário acima que esclarece sobre a autenticidade, origem, autoria e função da fé. Porta de entrada, por meio do conteúdo do evangelho, na vida em Jesus.

   Fiel é a palavra de Deus, acerca do evangelho de Jesus, consumado na cruz, ao alcance por meio da fé nessa mesma palavra: porque a fé nos vem pela palavra de Cristo.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Coisas em Pedro - Parte 2

   Coparticipação signfica "o que ter em comum com Deus". Essa relação de coisas, primeiramente tem, em comum, ser todas elas concedidas por Deus.

   Em segundo lugar, complementares, ou seja, sequenciais e cumulativas. Caso não identificada uma delas, todas as outras não existem ou são pura simulação.

  E terceiro, não são opcionais. Fazem parte da identidade cristã. Por isso Pedro diz algumas coisas (para usar a palavra) sobre elas:

1. ⁴ "livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo" 2 Pe 1 - somente agindo em conjunto, livram das paixões mundanas. Ei, preste atenção: cuidado para não pensar que o mundo está "lá fora". Pode estar mais dentro de nós do que pensamos...

2. ⁸ "Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo." 2 Pe 1 - conscientemente, acho que são duas coisas (de novo) que não queremos: não inativo e não ser infrutuoso. Não confunda "ativismo" como alternativa, que é quando consideramos uma vida cristã omissa e meia-sola como bastante.

3. ⁹ "Pois aquele a quem estas coisas não estão presentes é cego, vendo só o que está perto, esquecido da purificação dos seus pecados de outrora." 2 Pe 1 - mais um efeito da ausência dessas coisas de Pedro é que, sem elas, cheiramos a cadáver, ao invés de ter o perfume de Cristo (ver 2 Co 2,14-16), ou seja, mantemos em nós "pecados de estimação".

4. ¹⁰ "Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum." 2 Pe 1 - essa associação processual, a que Pedro denomina "coisas" confirmam, autenticam nossa vocação e eleição cristãs. E previnem tropeços, ou seja, recaídas.

5. ¹¹ "Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo." 2 Pe 1 - Puxa, quem não deseja isso? Lembra a fala de Jesus: "Bem está, servo bom e fiel" (Mt 25,21). Ampla entrada no reino e plenamente suprida. Não existe realização maior. (SEGUE)

Coisas em Pedro - Parte 1

 ³ "...todas as coisas que conduzem à vida e à piedade". 2 Pe 1.

  A palavra "coisa" significa qualquer coisa. Caramba, nada (ou tudo) mais indefinido. Aliás, nada e tudo são pronomes indefinidos, ou seja, nada (ou tudo) mais genéricos ainda.

  Aliás, no original grego, não aparece "todas as coisas", porém tudo. Seria, então, "tudo o que conduz à vida e à piedade".

  Sim, Pedro está sendo genérico nesse início de sua argumentação. Também vai dizer que essas coisas inscrevem-se no rol das:

⁴ "... suas (de Deus) preciosas e mui grandes promessas" 2 Pe 1.

   Cujo alvo é que:

⁴ "...para que por elas (pelas promessas) vos torneis coparticipantes da natureza divina". 2 Pe 1.

   Deus nos surprende, não é mesmo? Sim, estou considerando que Pedro, nessa sua carta, esteja falando em nome de Deus, ou seja, quem deseja tudo o que nela está expresso é o próprio Deus.

   Então, Pedro lista o que vai, numa sequência de associações, num empenho cumulativo, resultar no que foi exposto, ou seja, essa "coparticipação da natureza divina".

   Ele vai exortar a que "reunamos toda a nossa diligência". Esta palavra significa "ter pressa em estabelecer na vida as prioridades de Deus". Temos as nossas próprias.

   Não basta apenas negar que sejamos idólatras. Há que desbancar nosso ego do altar em que costumamos cultuá-lo, sem o que a prioridade de Deus nunca será a nossa.

  E aí começam as "coisas de Pedro", todas elas, que devem, uma a uma, ser associadas para que, segundo ele, essa coparticipação da natureza divina ocorra. (SEGUE)

domingo, 14 de julho de 2024

Pedro e Paulo e a imitação de Deus

 Pedro, em sua segunda carta, menciona, de modo semelhante a Paulo na carta aos Efésios. Paulo:

¹ "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados". Ef 5.

  E Pedro:

⁴ "... para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo". 2 Pe 1.

  Aos Efésios é uma exortação, expressa pelo imperativo "Sede". Na 2ª carta de Pedro, segue a expressão "Visto como".

  De modo que não se trata de opções, porém características definidoras do caráter cristão. Trata-se de "ser imitador de Deus" e "tornar-se co-participante da natureza divina".

  Em Pedro, partilhar em comum, com Deus, a natureza dEle. Em Paulo, emulação, quer dizer, aspirar a ser igual. Nada de errado, biblicamente, em ser em comum com Deus ou aspirar a ser igual a Deus.

   Não somos semideuses e nem demiurgos. Nem seres mistos, uma mistura de deuses com homens, como na mitologia grega, nem deuses expulsos de sua morada, pervertidos com essa mudança

   Não. Seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus que, em Cristo, recuperam sua essência. Não existe mistura, no sentido de aberrações. Não nos tornamos deuses.

   Não deixamos de ser homens, como imitadores de Cristo, segundo Paulo também afirma:

¹ "Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo." 1 Co 11.

  Nesses três textos aparecem no grego o verbo "tornar-se". Portanto, ser um imitador de Cristo, para o ser também de Deus, assim como tornar-se co-participante da natureza divina implica desejo e esforço pessoal.

   Pedro indica uma relação de atitudes. Traga consigo, empenhe-se com toda sua energia pessoal, então aproprie-se com intensidade de sua: (1) fé (persuasão divina); (2) virtude (toda a sua excelência como pessoa); (3) conhecimento (sabedoria vivencial aplicada); (4) domínio próprio (fruto do Espírito); (5) perseverança (resistência moral); (6) piedade (expressão natural de reverência a Deus); (7) fraternidade (franco amor ao irmão); (8) amor.

   Entre parênteses, ao lado de amor, pudéssemos escrever Deus. Porque Deus é amor. Portanto, imitar Deus, tornar-se participante de Sua natureza, constitui-se em amor.

   Todas essas 8 características que Pedro elenca como sequenciais, até se alcançar amor, precisam ocorrer todo o tempo na vida cristã e tem origem em Deus. Fé é dom de Deus. Virtude é resultado da construção em nós da personalidade de Cristo.

   Conhecimento é resultado em nós, por meio de Jesus, da sabedoria de Deus. Paulo afirma:

³⁰ "Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria". 1 Co 1.

   Domínio próprio é fruto do Espírito. Perseverança, capacidade de continuidade e firmeza adquirida, a partir de Deus, na nova vida assim formada. Piedade, também concedida a partir da própria virtude de Deus. E, por fim, o amor.

   Ele vem por meio da fé, que desperta em nós o anseio por ele, que me ensina a conhecer e escolher o que, diante de Deus, é certo:

⁹ "E também faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção". Fp 1.

   Domínio próprio como fruto do Espírito, manter e fixar consigo esse propósito, sem dele se desviar, mantendo perseverança e o fazer continuamente nessa escolha.

  A piedade, porque tudo provém e é suprido por Deus, e o efeito da fraternidade, porque o contexto de ocorrência é na igreja. Vale refletir o modo como cada uma dessas características acontece e se desdobram em nossa vida.

   Até resultar em amor. Devem ocorrer juntas, uma associada à outra. Em cadeia, até que resulte no amor. Não se trata de opção, mas de identidade de vida cristã. E vejam por que não podem faltar:

⁸ "Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo." 2 Pe 1.

sábado, 13 de julho de 2024

Pedro e Paulo: diligência e uma possibilidade de amor

  "...assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor ⁵nos predestinou para ele". Ef 1 (Paulo).

¹⁹ "...mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, ²⁰ conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós". 1 Pe 1 (Pedro).

   Os dois mencionam o amor. Os dois falam dessa antecipação divina, antes da história humana começar.

  Deus nunca teve dúvida sobre o que sente a nosso respeito. Agora, quanto a nós, parece que não nos cansamos de ter uma visão opaca de Deus.

 Para não dizer mesquinha. E a culpa, absolutamente, não é dEle. Porque já se revelou plenamente em Jesus. Não falta nada. Não há mais o que mostrar.

   E para voltar a Paulo, nesta altura do texto, ele diz de Deus, com relação a Jesus que 

²²"... para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja". Ef 1. 

    Jesus nos foi dado, antes de ser morto, durante sua morte e agora ressurreto. 

  E Paulo segue dizendo ser a igreja, ou seja, nós sermos a plenitude de Cristo, basta continuar a leitura. É muita coisa. Mas não é blefe. Não é Fake News.

   Deus tem como alvo isso tudo aqui escrito, melhor, nas Escrituras escrito. E diante disso, qual a nossa resposta? Apenas uma "confissão de fé"? Vamos repetir (ou rezar) o credo?

  Ora, nem é nosso uso rezar credos. Pois então vamos exercer o poder, a nós concedido, de criticar a própria fé. A Reforma, ainda que remota em nossa memória, legou-nos essa função.

   Não somos prisioneiros da igreja, sacramento, para nós, não é canal de benção ou da graça de Deus, e temos linha direta com o Pai. Corretíssimo. Mas nada ou tudo isso não evita banalizarmos a fé.

   Volto ao sermão de meu avô, de 1972, ano do casamento de minha sogra: Não tornar Deus comum. Até admite-se, latinos que somos, haver algum aspecto de relaxamento em nossa cultura.

   Mas carrear para o evangelho, é lamentável. Mesmo porque nele há gravidade de conceitos. Nossos inimigos não brincam contra nós. E são três. O mais doméstico deles somos nós mesmos.

   O mais próximo, ao nosso redor e no contexto de nossa vivência, é o mundo. E o mais poderoso, regente de toda a maldade, é Satanás. Pode até ser que você não acredite em nada disso.

   Bem. Há muita coisa que, para existir, não necessita, absolutamente, que conste no rol de nossas crenças. Existem independentemente de nossa agência. Assim é o mal: presente no coração do "príncipe deste mundo", em toda a nossa volta e dentro de nós mesmos.

   Mas caso haja um esboço que seja, mínimo, de desejo de mudança, de alteração desse quadro, ou seja, diante desse amor declarado, da parte de Deus, alterarmos, radicalmente, nossa postura, há instrução clara na Bíblia.

   O próprio Pedro apresenta. Ora, diga-se, de passagem, que Paulo, certamente, também terá uma exortação semelhante, sem dúvida. Deixo a suas expensas verificar, em sua leitura devocional. A de Pedro, segue abaixo:

  ⁵ "... por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência". 2 Pe 1. 

   Começa assim o texto. E também a mudança almejada. Mas reunamos toda a nossa diligência. Diligência, no grego, é zelo, pressa, mover-se com rapidez, prioridade de Deus.

   Leia esse texto todo de Pedro, 1,3-11. Enumere a sequência das virtudes que ele reúne e expõe. Interessante é que, somente no final delas, é que está escrito "amor". O que significa dizer que, somente ao final da sequência, aparecerá, ou não, amor em nós.

E este é o versículo final:

¹¹ "Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo." 2 Pe 1.

   O amor de Deus por nós nunca variou de intensidade. Sempre foi autêntico. A morte de seu filho, Jesus Cristo, na cruz nunca cessou de nos zerar toda a falta, quero dizer, todo o nosso pecado.

  Então, vamos reunir toda a nossa diligência. E toda a sequência a seguir descrita por Pedro. É o jeito dele de demonstrar, para nós, uma possibilidade de amor.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Ha um livro do chamado

   Chamado de Deus incluiu todos. Até Caim foi chamado. E num momento crucial: estava para cometer o primeiro assassinato da existência humana. Por isso, não havia momento mais oportuno do que aquele.

   Não atendeu. Então, deu curso, muito cedo ainda, na vida, a sua falência. É certo que, longe de Deus, pelo pouco que deduzimos pelos dados, nas Escrituras, fundou cidade e teve descendentes famosos, de renome.

   Pois é. Longe de Deus há fama. Má fama, diga-se. Soberba. Mas, como diz Habacuque, a alma do soberbo não é reta nele. Enquanto que o justo, esse vive por fé. Mas preste atenção: é a fé que vem primeiro. Não há justos por si mesmos.

   A Bíblia é o livro do chamado. Está posto, para que seja ouvida a voz de Deus. Basta abrir. E ler. Aliás, quando Deus saiu, em mais aquele dia, para chamar os pais de Caim, no jardim, para eles, era chamado.

   A voz de Deus, dirigida ao homem/mulher, não necessariamente nesta ordem, é sempre chamado. O casal se escondeu. Deus procurou, chamando. Fez a pergunta, o homem acovardou-se, pondo a culpa na esposa, indiretamente no próprio Deus.

   Mania do homem/mulher pôr a culpa, em Deus, por seus infortúnios. Não assumimos. Nus e expulsos do jardim. Não sem antes Deus mandar trocar a roupa: sai a máscara hipócrita, que é uma redundância, entra a roupa nova (que não é a banda).

  Abra a Bíblia. Toda ela é chamado. Ou você acha que teu nome não está incluído? Ah, sim: você não crê na palavra de Deus. Ou não acha que a Bíblia seja a palavra de Deus. Refinamentos.

   Cuidado com a vaidade. Paulo, aos Efésios, define conversão como resgate da "vaidade dos nossos próprios pensamentos". Sim, o chamado é para a conversão. Somente possível por causa da cruz. A partir dela, provém as demais vocações.

   Dos profetas, por exemplo. Todos eles. Cada um. Primeiro, sua conversão. Embutido nela, o chamado. Mais uma vez Paulo esclarece, sobre Jesus e sua cruz:

¹⁴ "Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. ¹⁵ E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou." 2 Co 5.

   Caso atenda ao chamado, será para entregar toda a vida. Evangelho não é mais um acessório da vaidade humana. É libertação da vaidade. Cuidado, vaidade é diabólico.

   Por amor, somos chamados. Jesus, por amor, deu Sua vida. Por amor, não vivamos mais para nós mesmos. Chegar ao cemitério, acostume-se, todos vamos.

   Mas nesse dia, tenha certeza que o teu crédito (Paulo), com Deus, foi máximo nesta vida. Como Abel. Morreu novo. Assassinado. Mas ouviu o chamado. Por isso que, mesmo depois de morto, ainda fala (autor de Hebreus).

¹⁷ "...mas o que realmente me interessa é o fruto que aumente o vosso crédito." Fp 4.

⁴ "Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala." Hb 11.

sábado, 6 de julho de 2024

Salmo 23, um salmo comum

   No livro que escrevi, o único, sobre minha família, há transcrito um sermão do meu avô. Ele intitulou, como aconselha a homilética clássica: Não fazer Deus comum.

  Muito sugestivo. Acho que ele pensou na capacidade humana de reinventar Deus, colocando-o a nossos critérios. Mas eu pensei, nessa ideia de banalização, tornar comum as Escrituras.

   Que seria colocá-la, segundo os nossos critérios, a nosso capricho, a nosso serviço, como mero instrumento de nossa manipulação. Como dizer, já conheço tudo dela.

   Espere, jamais assim falaríamos, alguém vai replicar. Mas veja bem, somente para não queimar nosso filme? Porém, inconscientemente, há trechos dela que não mais nos interessa. Pois sim, porque esgotados o seu significado prático e, no interesse, esquecidos? Leitura batida, por assim dizer.

   Talvez, de tanto se conhecer e repetir, desde criança decorar, o Salmo 23 seja um desses trechos. Mas, como se dizia em todos os seminários e na escola dominical (lembram, quando existiam?), a Bíblia é viva.

   Ora, então retire água dessa pedra. Pode ser chamado de Salmo da intimidade, de tantas vezes em que aparece a primeira pessoa, junto com a segunda, esta, exatamente, referindo-se a Deus.

   Ora, cuidado com a 1ª pessoa, por causa do ego. Quanto a essa 2ª Pessoa, não se preocupe, sabe cuidar de Si e, se deixarmos, vai cuidar de nós. 

   Mas não vá fazer Deus comum, como dizia meu avô materno Baldomero. Sim, chegamos com Ele ao grau da intimidade. Mas com maturidade. Sem banalidade.

   E para logo dizer que, se é nosso Pastor, nada faltará. Interessante que somos supridos pelo que não deve faltar, mas quanta coisa ainda falta.

     Ora, subentenda que, muitas vezes, supridos, não estamos nem aí para o que falta, seja virtude ou mais um apetrecho inútil, que acabamos por valorizar além da conta. Quer dizer, supridos materialmente, porém deficientes espiritualmemte.

   Então, num certo sentido, nada faltará mas, noutro, ainda falta muito. Então, Pai, grato pelo suprimento de tanto, mas me faz anelar o que ainda falta, buscando suprir-me, ou sempre manter, como é o caso da sede de Deus.

   Deitar, sim, me faz em pastos verdejantes, converte a Ti, continuamente, a minha alma, guia-me pela vereda da justiça e, ainda que eu beire a morte, tira meu medo.

   Blindado? Não, necessariamente. Não existem blindagens específicas para o que crê. Vide Jó, entre outros, na Bíblia, por exemplo, Paulo, descrevendo suas vicissitudes, e José, no seu bruto desce degraus, sendo preparado para subir ao máximo possível.

   Vara e cajado, sim, proteção, sem dúvida, condução sob alento divino, o que é incomparável, mas para bordoadas também, o que é também consolo. Como diz o autor de Hebreus, filho que não recebe disciplina, é bastardo e não filho.

   E a mesa perante os inimigos? Regra geral, significa que, mesmo diante de quem nos deseja dilapidar, ou seja, Satanás e seus ministros, no mundo, nosso banquete será servido e nossa segurança jamais abalada.

   Ungir a cabeça com óleo, significa que, uma vez tendo aderido à fé, não mais nos pertencemos. Recebemos o Espírito Santo como selo, como dom e ainda recebemos os dons dEle.

   Então, toda a nossa vida será doação ao Senhor e tudo o que fizermos, todo o tempo, será culto (ou não será? Para isso, temos de vigiar).

     Aí, sim, o cálice transborda. Esqueça a TP - teologia de (falsa) prosperidade. Ora, TFP, seria a sigla correta. Cálice que transborda é a vida na plenitude do Espírito e não mercado de bençãos recebidas.

   Bondade e misericórdia (que no AT é amor) seguem-nos, coladas a nós, benéficas todo o tempo, modelando nosso caráter, todos os dias de nossa vida.

   Bondade e amor são atributos divinos exclusivos dEle. Se não forem, em nossas vidas, os originais, são Fake, aberração inventada por nós. Não acredite nem em você mesmo, se for tentado a imitar.

   Salmo 23. Um salmo comum, numa vida comum, vida cristã, para a qual as Escrituras se mantém vivas, lidas no poder original da palavra de Deus, vivenciadas na plenitude do Espírito. 

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Casal Rosa: 40 anos de Acre

  

1984, esse foi o ano: cartaz da Campanha de Missões do antigo DM - Dpto de Missoes da UIECB: casal Antônio Limeira Neto e Clovelina Ávila Limeira, sua esposa, na extrema esquerda.

   Certo dia Limeira encontrou Nelson Rosa e o desafiou, a ele e a Josilene Rosa, a vir para o Acre. Uma loucura. No bom sentido, é claro. Dessas que Paulo acusa na sua 1ª Carta aos Coríntios, loucura de Deus:

²¹ "Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação." 1 Co 1.

   Isso mesmo, esse filho de Guiricema, MG, Nelson do Belo, pai dele, bombeiro no Rio de Janeiro, modelar no quartel, meio boêmio fora dele, até que Deus o encontrou, no dia aprazado.

   Então Nelson decidiu estudar no Recife, em Tejipió, pediu dispensa ao Comandante da guarnição, assustou o homem, por ser um bombeiro modelo, e, como membro da Congregacional de Brás de Pina, abalou-se para Recife, PE.

               
Seminário Congregacional do Recife, num dia dedicado à Educação Teológica

   Por lá conheceu Josilene, formaram-se, ela pelo Betel Brasileiro, e vieram recém-casados para o Acre, num tempo em que, de Porto Velho até aqui, os 530 km eram no barro tabatinga.

              
               Casal Nelson e Josilene Rosa

   Houve uma vez, pelo menos, que levaram 5  (cinco) dias para cobrir esse percurso, com carreta capotada, ônibus atolado, empurrado pelos passageiros homens, entre outras epopeias.

Aspecto do trecho Porto Velho, RO, até Rio Branco, AC, na época do barro tabatinga


   Hoje, com a ponte sobre o Rio Madeira, no máximo 6h, pela estrada, BR 364. Chegaram em 1984. Lá vão 40 anos. Era um congregacionalismo arrojado, configurado nas ideias desse retirante baiano.

    Chegou ao Rio de Janeiro na década de 40 do século passado, filho de retirantes do sertão baiano, e custeou seu curso no extinto Seminário em Pedra de Guaratiba, o antigo IBP - Instituto Bíblico da Pedra, trabalhando como mestre de obras na construção das instalações de alvenaria.

Casal Limeira, na época próxima de seu casamento, na década de 50, século passado.
  
   Chegado ao Acre, o casal se instalou na COHAB do Bosque, na verdade uma sigla incluída tanto no nome do conjunto, quanto no do bairro.

30 de setembro de 1985, na casa do Bosque: extrema direita, de pé, o Rivelino, hoje pastor em Itaguaí, RJ e, ao lado dele, de costas, Francisco, hoje presbítero na IEC do Tancredo Neves.

   Alugaram essa casa, que pertencia ao hoje senador Sérgio Petecão, onde iniciaram sua atividadede de amplo espectro de contatos, influência e presença missionária.

Em 1986: "A banda da PM do Acre sempre que solicitada vinham abrilhantar com hinos cristãos. Coronel Adelino, comandante da PM, era da Batista do Bosque e nosso amigo irmão", explica o pr Nelson Rosa.

   Nelson era visto, nesse início, transportando crianças em sua bike, naquele tempo sem esse designativo, à varanda da casa, onde sua esposa aguardava para instruir sobre quem é Jesus. 

    Rotina seguida de cultos, intercâmbios com outras igrejas, presença em escolas, como a Samuel Barreira e Humberto Soares, naquela cantando com as crianças, no período do intervalo, e nesta lecionando Ensino Religioso, onde o substituí em 1996.
"Na foto em pé:
eu (Pr Nelson), a Cecília esposa do João Dantas e irmã da Dra Gracinha, ao lado Regiane Freire irmã da Reginalda, ao seu lado irmã Dulce Maria mãe da Daniela que te vendeu a Chácara no Quinarí (a nossa congregação, em 2012), Rosinha filha da Reginalda, Josilene Rosa e Fred Wuylhans."
 
     Em 1987, vão residir no Tancredo Neves, atualmente um bairro, na época um conjunto habitacional da Vila Ivonete. Ali adquirem dois terrenos, onde vão construir o primeiro e mais antigo templo, ainda de madeira, e sua casa.

Outro aspecto dos anos iniciais: culto em 28/10/1986. Explica pr Nelson: "Na COHAB do Bosque, na varanda da nossa casa. Pastor Rui era da Ass. Deus, ministério Madureira, sempre nos apoiava. A senhora de blusa branca e sapato branco é a Dona Generosa, mãe do Pb Francisco Rabicó."

   Alcançamos, na nossa primeira viagem ao Acre, em 1993, esse templo já sendo revestido de alvenaria, com a ajuda dos congregados da Isaura Parente, resultado de um trabalho com pré-adolescentes inciado na Rua Formosa, à época sem asfalto.

   Chegamos, Regina e eu, em janeiro de 1995. Ficaram os dois casais durante o ano de 1996. Ano seguinte, o casal Rosa rumou para Porto Velho, onde iniciaram a igreja hoje já emancipada. 

Os pré-adolescentes do casal Rosa 11 anos após a chegada deles, agora em 1995. Eu, com meu filho Isaac, hoje aos 30 anos. Assentado, ao centro, o pr Rivelino, o menino da foto lá acima.

    O plano original de Limeira era deslocar o casal para essa capital. Não tendo dado certo, em 1984, cumpriram essa vocação 12 anos depois. A congregação da Isaura Parente hoje é a 2ª Igreja Evangélica Congregacional, no bairro Geraldo Fleming. 

   A congregação da Vila Betel hoje também igreja emancipada, cuja origem relaciona-se com uma ajuda da Visão Mundial à Associação de Ministros do Acre - AMEACRE, criada nessa época, com a participação do casal Rosa, é pastoreada pelo pr Jeremias. 

   Houve uma brutal alagação em 1988, sendo os afetados encaminhados a esse bairro, batizado como Vila Betel, onde foram instalados, e cada igreja participante nessa assistência recebeu também seu terreno.

    Hoje somos quatro igrejas, estando o casal Rosa na do bairro Ilson Ribeiro, com o pr Nelson também cuidando da congregação do Eldorado, iniciada pela 2ª igreja em 1996. Há ainda a congregação da Nova Estação, dirigida pelo pr Cid Mauro.

Congregação do Manoel Julião, 
em seu início, ano de 2008.

    O casal Rosa, após um período em Porto Velho, suficiente para consolidar seu trabalho nessa capital, esteve pelo interior de Minas Gerais, por congregações e campos missionários da igreja congregacional de Brás de Pina, onde foi batizado e da qual se tornara membro, a qual o encaminhou ao Seminário do Recife. 

  Louvemos o Senhor por essa fibra. Linda história que sempre acompanhei. Em 1987, na Assembleia Geral, em Sacra Família, RJ, eu vi o casal Rosa, ali presente, expondo fotos de sua jornada aqui no Acre. 

    Eu namorava minha esposa, na época, havia apenas 15 dias, sem sabermos que uma visita ao Acre, eu em agosto de 1993 e, com ela, já casados, em outubro do mesmo ano, consolidaria o nosso chamado.
   
   Passa à Amazônia e ajuda-nos. Visamos Cruzeiro do Sul. Apenas a 680 km de Rio Branco, extremo oeste do Brasil. Mas só para fé do tamanho de grão de mostarda, tipicamente congregacional. Limeira que o diga.
Cruzeiro do Sul:
Catedral Católica e, ao fundo,
o Rio Juruá.

E mais: sempre há mais:

Está foto deve ser do final de 84 a início de 85, são nossas primeiras crianças da Cohab e muitas do Aviário e Independência. Estão nela Cecília, a criança negra da frente é Célio, do Frazão, estudou no Meta, na Epaminondas Jacome, parece que na época do Alex Daniel. Hoje, segundo o Alex, é advogado e agente de policia num município do Acre. Tem Fred Wilham, ao seu lado Luiz Freitas, que chamávamos o ceguinho, de touca Branca, Nena outra ceguinha, Rosinha, ao lado da Josilene e, das outras, só lembro o irmão do Célio. Muitas dessas crianças eu as pegava no Independência e Aviário, área hoje da Igreja Presbiteriana, antes de sua construção, e outeas eu as conduzia no meu colo ou no quadro da bicicleta e garupa. Foto tirada em frente å casa do Nízio, funcionário do INCRA, entre nossa casa de origem do trabalho, do Petecão. Se tiver mais lembranças te informo. Nessa época Rivelino e (Francisco) Rabicó ainda não estavam entre os alunos da EBD, mas só nos cultos vespertinos, quando vez por outra.

Fred, a vó dele Dona Anita, Jorge seu tio ao lado, de cócoras, já de saudosa memória, como também sua avó. A menina à frente da Cecília (com mão sobre o ombro) é Maura, sobrinha da irmã Dulce Maria. Na cadeira de rodas, Francisco, atrás dele Luizinho, o cego, ao lado da sua mãe adotiva, Dona Rita, saudosa memória. Da irmã ao lado não recordo o nome, mas gostava de congregar conosco. Atrás, de óculos, é Hermes, sobrinho do Romildo Magalhães, ex Vice-Prefeito do Gov. Edmundo Pinto, que depois chegou ao cargo de governador. Os dois jovens estavam nos visitando, como o outro ao lado do Hermes, ao meu lado (do Nelson) o nosso grande evangelista e filho na fé, Júnior Sussuarana, a quem, ao regressar ao Acre, em 2010, Deus nos deu o prazer de encontrá-lo vivo e orar por ele no Santa Juliana. Na minha frente, Josilene e, ao lado dela, Regiane e, atrás de Cecília, Rosinha. Da outra menina, não me lembro o nome: mudou-se para Fortaleza, com 2 anos de convivência conosco.
Este era um culto vespertino nos nossos domingos comuns, havendo muito esforço dos membros em trazer visitantes. Júnior Sussuarana e Freddy sempre à frente, levando amigos e parentes para os cultos. Foi nessa leva que Jorge, seu tio, e Dona Anita, sua vovó, partiram no Senhor, bem como sua mãe, recentemente, a irmã Graça Silveira. Cecília foi valente entre nós, porém, afastando-se do nosso convívio. Mas Deus a recompensará. Seu ex-esposo, João Dantas, tb filho na fé de Freddy.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Apenas um dia

"É só o que eu pedia, viu?/Um dia pra aplacar/Minha agonia/Toda a sangria/Todo o veneno/De um pequeno dia". Chico Buarque.

   Em certa proporção, eles acertam. Compositores populares, ou nem tanto, mas sendo inteligentes, o que é o caso deste, acertam.

  Basta um dia. Substantivo comum. Como comuns são os dias. Perdem-se ao longo dos anos. Contam-se aos milhares.

    Eu, por exemplo, caso complete 30 anos de Acre, em janeiro de 2025, serão, por volta, 30 X 365 = 10.950 dias.

  Entre os textos bíblicos que eu não cumpro, rigorosamente, está esse de contar os dias, tendo em vista um coração sábio. Numa versão livre:

¹² "Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria." Salmo 90.

  De cima de meus 67 anos, 24.455 dias, sem contar os bissextos, desperdicei muito nessa conta. O Altíssimo, em sua infinita paciência, longanimidade, misericórdia contemplou-me com muito mais do que o merecido.

  Meu pai era um roceiro, que se rebelou dessa condição. Atiçado pelo tio, irmão e muito amigo do pai dele, encheu os olhos pelo Rio de Janeiro, a cidade grande, isso na década de 30 do século XX.

   Mas trouxe a roça com ele. Contentava-se com pouco. Por isso, olhava em mim grande recompensa divina. Única opção. Quarto parto da esposa.

   Houve dois abortos espontâneos, um deles seria uma menina, que dias! O terceiro nascido, também Cid, como o pai, nascido em ano bissexto, 1956, no último dia de fevereiro, foi sepultado em 12 de março, dia do aniversário da mãe.

   Que dia. Contar os dias. Há os de maior marca. De outra forma, seriam esquecidos. Mas ocorreu nota súbita. Como o parto de meu primeiro dia, cesariana, com hemorragia quase fatal para a parturiente. 6 de maio de 1957.

   Como o dia em que escorreguei do banco de madeira, para mim ainda alto, da Congregacional de Nilópolis, 14 de abril de 1963, me dizendo convertido.

  Na mente daquela criança, estava sendo sincero. Porque me deram, o pastor Ivan Espíndola de Ávila, um cartão, onde veio escrito:

¹⁰ "Seja fiel até a morte, e eu lhe darei a coroa da vida." Apocalipse 2.

  E eu perguntei aos pais se ia conseguir. Pelo menos, eu entendi, achando que, no decorrer dos dias, assim, desperdiçados, eu não seria fiel.

  Pois lá se vão, já, mais de 60 anos, ou seja, mais de 21.900 dias. Pois basta um dia. Num dia, numa cruz, resolveram-se todos e cada dia.

   Se não fosse esse resgate da existência, sim, estariam desperdiçados todos os dias. Como diz um verso seguinte dessa mesma música, gastos na orgia.

   Palavra que, na década de 30, quando Cid, o pai, chegou ao Rio, era sinônimo de boemia. As palavras também se desgastam nos dias. Principalmente as nossas palavras.

   Mas a palavra da cruz não. A ofensa desse dia. Certa vez, um homem chamado Pedro, contrariando ordem de autoridades, continuou a falar desse dia.

   Então o prenderam. Ele rabateu, na audiência, dizendo:

¹⁵ "Vocês mataram o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos. E nós somos testemunhas disso." Atos 3.

   Sim. Mataram o autor da vida. Num dia. Houve esse dia. Assim como, no primeiro dia, Deus disse haja luz. Sobre todo o caos, no início dos dias, Deus disse: "Haja luz". E houve luz.

   A palavra e a luz, aquela ressoa e esta brilha, todos os dias. Isso lembra a palavra de gratidão do rei poeta, Davi, que um dia disse:

²⁸ "Tu, Senhor, manténs acesa a minha lâmpada;
o meu Deus transforma em luz as minhas trevas." Salmo 18.

   Todo dia. Avisem isso ao Chico.