sexta-feira, 26 de julho de 2024

Entrevista com Pedro, o pescador

   Pedro. Pedro, não é? Simão. Mais propriamente Simão. Pedro foi o apelido com que ele me batizou, falou, ele mesmo rindo do trocadilho ocasional.

   Jesus? Sim, o Nazareno, como também foi conhecido, entre muitos outros nomes. Sei, sim. Mas, por favor, fale resumidamente, como você o chamaria, mais especificamente?

  Autor da vida. Riu, novamente. Eu o chamaria, definitivamente, Autor da vida. Ele mudou minha vida. Aliás, com ele, o lago de Genesaré nunca mais foi o mesmo.

  Enfim, a Galileia toda. A gente passou a entender por que Isaías, o profeta, a ela assim se referia:

¹ "Mas para a terra que estava aflita não continuará a obscuridade. Deus, nos primeiros tempos, tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios. ² O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz."

   Desculpe a citação assim demorada. Esse texto eu decorei. Riu, novamente. Lindo texto. Muito lindo. Como se, de novo, como diz o Gênesis "Haja luz", então houvesse luz.

   Exatamente assim, confirmou Pedro. Diga como foi o seu encontro com ele? Inesquecível. A gente era pescador. A vida toda. Por isso que digo que ele é o Autor da vida.

   Mudou a nossa e a vida de muitos, em nossa colônia de pescadores. Quer dizer, quem dera fossem todos assim atingidos. Mas quantos quiseram, assim o foi.

   Ele apareceu um dia, numa manhã, mais cedo do que esperado, mais cedo do que ninguém que não fosse pescador estivesse por aqui. A gente estava exausto. Exaurido, completamente.

   João estava conosco. Aliás, era o barco do pai dele, Zebedeu. Ele era o dono da embarcação e da própria licença de pesca. Eu e meu irmão André, a gente trabalhava com eles.

   Quem é aquele estranho, a essa hora, pela praia? Olhei. Ele vinha andando, pela beirada, e já estava divisando a gente. Foi quando de lá, gritou: Ei! Aí vocês, no barco: como foi a pesca?

  Péssima, eu gritei. E olhei para João, como meio que contrariado, dizendo com o olhar, "Ora, bolas, afinal, o que que esse estranho tem a ver com isso? Mas João nada falou.

   Nesse meio tempo, encostamos, já empunhando as redes, para descer do barco e lavar. Mas ele veio ao nosso encontro, descalço, com as sandálias nas mãos, fazendo menção de entrar no barco.

   A gente se olhou. Tiago, o irmão de João, reconheceu-o e disse para nós, Gente, esse é Jesus, o filho do carpinteiro José, de Nazaré. Todos nos entreolhanos e olhamos todos para ele. Ele sorria. Eu nunca havia visto um sorriso daqueles.

   Aqui Pedro se emocionou, ao recordar aquele sorriso. Quer dizer, isso agora. Porque no dia, eu já estava ficando nervoso com aquela intromissão. Foi quando a cousa piorou.

  Ele disse, Gente, vamos dar meia volta. Todo mundo parou o que estava fazendo, mais uma vez nos entreolhamos e João, que já me conhecia, de velho, com os olhos, como que me dizendo: "Pedro, se segura".

   Quase que eu dizia, com todo o respeito, Mas, Mestre, para que isso? Estamos chegando. Passamos a noite inteirinha no lago. Não pegamos nada. Será que o Senhor quer passear, a essa hora do dia?

   Mas o que saiu, foi:
⁵ "Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a tua palavra lançarei as redes." Lc 5

  Ele disse assim, Isso, podem jogar assim, para aquele lado. Caramba! Pedro agora sorri, mas misturando emoção, riso e lágrimas quando se lembra. Porque no dia, eu olhei de novo, para João, como que a dizer:

   João, cara, o que esse estranho, esse carpinteiro sabe de jogar redes. E depois de uma noite insana dessas? João como que, com gestos, sem palavra nenhuma, fez cena, como que dizendo, numa careta que fez, Joga, Pedro: ele não está mandando?

   Eu me ergui, empunhando as redes com que eu já estava, desde que pensei que iria descer, escorei-me, um pé de apoio no soalho do barco, outro pé na amurada, ladeei os braços para um lado, completei um meio giro e lancei, para o alto, as redes.

   Elas rodopiaram no ar, a bombordo, para o lado bom, como se diz, arquearam-se e caíram circulares, bem do melhor modo, eu acompanhava. Então, olhei para ele, com cara de velho Pedro. Rabugento e incrédulo.

   Até hoje, quando lembram, riem de mim. Oh sujeito bom pra bullying que nem eu, não há outro. Depois eu te conto a noite do fantasma, como a gente diz, quando quase me afoguei. Mas isso é outra história, ele disse, fazendo com a mão sinal de espera.

   A corda guia estava no meu braço. Eu nunca mais vou esquecer. Senti um empuxo. Arregalei olhos, cambaleei, aloprei, se não fosse André, eu me bandeava dentro d'água. Ele me amparou. Escorou o cotovelo em meu peito, para eu me equilibrar, e já distendeu a guia, nós dois juntos, aferrados nela. 

    Começamos eu e ele a puxar. Ajuda todo mundo, eu gritei. E todos eram só todas as mãos. João e Tiago já estavam agachados no barco. E já amarravam as cordas nos grampos da amurada.

   Alguém, acho até que foi Tiago mesmo, ou Natanael, que estava conosco, Ajuda, Ajuda, acode, rápido, acenando para quem estava na praia. Eles avistaram, Natanael acenava, com ênfase, Vamos, vamos, porque o barco pendia, tanta era a força de tanto peixe.

   Vieram logo duas embarcações, ao nosso encontro. Em nossa direção, assim, mostrava Pedro, gesticulando, com as duas mãos em paralelo, revendo a cena.

   Nesa hora eu olhei para Jesus. Ele riu para mim. Levantou-se da amurada, amparou ao nosso lado, no soalho do barco. Então enlaçou, com aquele braço dele, de carpinteiro, o grosso de nossa corda.

   Também tinha mãos grandes e calejadas. Empunhou a corda. Fez como que uma alavanca, com seu próprio corpo, sorriu. Eu sentia um misto de, sei lá, alívio, com ele ali, prazer, mas um certo incômodo, porque eu havia sido contrariado, ora.

   Mas o que me inundava era uma paz, só dele estar ali, no barco, sorrindo para mim. Não era ironia. Ele ampliou o sorriso. Agora todos os olhos estavam nele. Então, ele disse: Vou fazer de todos vocês pescadores de homens.

   Eu senti como se me fosse afrouxar, naquela hora. Tremi e me assustei tanto, que enlacei, com os dois braços, aquela corda. Segura, Pedro, ele disse. Quem riu, meio que sem graça, naquela hora, fui eu.

   Nessa hora os barcos já encostavam. E Pedro, nessa hora, agora, nessa altura de seu depoimento, estava era emocionado, passando pelo rosto e pelos olhos as mãos de pescador.

   Minha vida nunca mais foi a mesma. Autor da vida, Pedro, como você o chamou. Sim, Autor da vida.

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