terça-feira, 22 de outubro de 2024

Amós e a autenticidade

 Autenticidade é tudo. Muito provavelmente, caso não houvessem ratas, ou seja, falhas, a marca da autenticidade fosse desnecessária.

  Mas não. E até para o evangelho está valendo. Aliás, evangelho é autenticidade em curso. Por definição. Paulo afirma aos Efésios:

²⁰ "Mas não foi assim que aprendestes a Cristo, ²² no sentido de que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, ²³ e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, ²⁴ e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade." Ef 4.

  Essa dinâmica, aqui descrita pelo apóstolo, confere autenticidade ao evangelho. Ao mesmo tempo que se despoja do velho homem, renova-se no "espírito do entendimento".

   Ou seja, continuamente nos despimos, despojamo-nos do velho homem, sempre corruptível e se corrompendo, viciado nisto, degradando-se continuamente, mas que somente ocorre se e quando nos revestimos desse novo homem, criado segundo Deus.

   Lembremo-nos de que esse velho homem somos nós, cada um, e não uma parte de nós, nus e fora do paraíso, dominados pelo pecado. O novo homem é resultado da conversão, milagre operado por Deus em nós, se e quando cremos.

¹⁷ "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas." 2 Co 5.

   Paulo afirma tratar-se do poder de Deus. Como afirma Marcos, o evangelista, Jesus pregava o evangelho de Deus. Daí sua autenticidade. Não se trata de verniz cultural, religião, recitação de uma ortodoxia. É "poder de Deus para a salvação":

¹⁶ "Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego". Rm 1.

    O profeta Amós enfrentou uma polêmica com Amazias, um profeta profissional, que constava na folha de corrupção do rei Jeroboão II (782-753 a.C.). Ele fala precipuamente:

¹² "Então, Amazias disse a Amós: Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza; ¹³ mas em Betel, daqui por diante, já não profetizarás, porque é o santuário do rei e o templo do reino." Am 7.

   A resposta do profeta atesta autenticidade. Na matemática há uma estratégia de argumentação denominada "redução ao absurdo". Foi exatamente essa que Amos utilizou, começando por dizer: Am 7:

¹⁴ "Respondeu Amós e disse a Amazias: Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boieiro e colhedor de sicômoros. ¹⁵ Mas o Senhor me tirou de após o gado e o Senhor me disse: Vai e profetiza ao meu povo de Israel."

   Se fosse aqui no Acre, ele diria: "Sou boiadeiro e colhedor de castanha". E reforça o argumento do falso profeta: "Não sou e nunca quis ser. Mas o Senhor...". Essa é a suma diferença: a iniciativa é sempre de Deus.

   Desde as páginas iniciais da Bíblia, consta o que Deus fez. E faz. Continua a fazer. Certa vez, criticaram Jesus, mas veja que coisa ridícula, por curar no sábado. A resposta dele foi: Jo 5:

¹⁵ O homem retirou-se e disse aos judeus que fora Jesus quem o havia curado.¹⁶ E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado. ¹⁷ Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também."

   Deus trabalha. Isaías, contemporâneo de Amós, atesta nos mesmos termos:

⁴ "Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera." Is 64.

   A marca da autenticidade reside na ação de Deus. No Gênesis, está escrito Deus criou. E viu que era bom o que fez. O autor de Hebreus comenta, sobre isso, que o sábado de Deus foi o descanso de todas as obras feitas.

   Sim, para Deus não existe o tempo. Deus é. Mas existe Deus agir na história. Agir no tempo e na vida daquele que nEle cŕê e dEle espera. E a ação de Deus é autêntica.

⁶ "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam." Hb 11.

   Amazias não cogitava autenticidade. Era pau mandado de Jeroboão II, campeão de idolatria como todos os demais reis de Israel do Norte:

 ²³ "No décimo quinto ano de Amazias, filho de Joás, rei de Judá, começou a reinar em Samaria Jeroboão, filho de Jeoás, rei de Israel; e reinou quarenta e um anos. ²⁴ Fez o que era mau perante o Senhor; jamais se apartou de nenhum dos pecados de Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel." 2 Rs 14.

    Daí, muito natural que o "profeta de ocasião" afeito aos gostos e jeitos desse rei, tivesse a dizer: "'Vai-te, ó profeta', disse Amazias." 

   E Amós, por pura autenticidade, responder: "Não sou profeta". Absurdo. Porque o Senhor o tomou de após o gado. Então escolheu, consagrou e enviou. Estamos e somos o que Deus, a nosso respeito, autenticar.

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