Muito interessante o grau com que Deus se compara, aproxima-se e até se identifica com o ser humano, criado à Sua imagem e semelhança.
O profeta Oseias reclama traição pela esposa com quem Deus o orientou casar:
² "Quando, pela primeira vez, falou o Senhor por intermédio de Oseias, então, o Senhor lhe disse: Vai, toma uma mulher de prostituições e terás filhos de prostituição, porque a terra se prostituiu, desviando-se do Senhor." Os 1.
Já não era de boa fama, porém o profeta esperava que houvesse se regenerado. Os filhos do casal nasceriam como forma profética de advertência ao povo de Israel do Norte.
Seus nomes indicariam tanto grau de afastamento de Deus, quanto o lugar decisivo da batalha que os derrotaria, conduzindo ao exílio assírio: Os 2:
⁴ "Disse-lhe o Senhor: Põe-lhe o nome de Jezreel, porque, daqui a pouco, castigarei, pelo sangue de Jezreel, a casa de Jeú e farei cessar o reino da casa de Israel [...] ⁹ Disse o Senhor a Oseias: Põe-lhe o nome de Não-Meu-Povo, porque vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus."
Pois adiante, a esposa do profeta retorna à velha vida, com seus amantes, e ele vai se queixar com Deus. E ouve, como resposta, mais ou menos assim: "Ora, marido traído não é só você: nós somos".
Se a gente não lesse, no livro de Oseias, não acreditaria: Deus e Oseias trata-se de dois maridos traídos. Antes de rir, devemos entender que, nessa história, não somos nem Deus, nem Oseias e, muito menos, um "marido não traído": somos a prostituta.
Isso mesmo. Somos os que traem. Conjugamos o verbo "trair" em todos os tempos. Pois a esposa infiel de Oseias é antítipo da infidelidade contra Deus. É aqui que a gente entra.
Nossa prostituição é afeiçoar-se pelo que Deus rejeita. É nutrir um desejo mórbido pelo que, para Deus, é abominável. No caso do povo a quem Oseias se dirigia, a idolatria era a principal queixa, mas não vinha sozinha.
Oseias, Amós e Isaías foram profetas da mesma época, os dois primeiros profetizando no reino do Norte, Israel, e este último no Reino do Sul. Os problemas se assemelham.
Amós e Isaías, por exemplo, denunciam a hipocrisia no culto. Como poderia um povo que, com coreografia, supõe adorar a Deus, mas com o coração, está longe? Veja abaixo em Amós 5:
²¹ "Aborreço, desprezo as vossas festas e com as vossas assembleias solenes não tenho nenhum prazer. ²² E, ainda que me ofereçais holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. ²³ Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras."
E na profecia de Oseias, a ênfase foi a denúncia da dissolução moral que destroçou o sacerdócio no Israel do Norte: Os 4:
⁶ "O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos."
Mas o dedo acusador contra os sacerdotes, embora ser modelo fosse a responsabilidade deles, não exime prováveis acusadores de sua própria responsabilidade:
⁴ Todavia, ninguém contenda, ninguém repreenda; porque o teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa." Os 4.
Quando lemos essas denúncias diretas ao povo de Israel, tratava-se de um apelo à conversão. Não era por ser descendente de Abraão que, automaticamente, isso os tornava crentes autênticos.
Essa é a nossa idêntica condição. Antes de crer em Jesus Cristo, também somos infiéis. Se no Antigo Testamento, Israel se tornou a esposa infiel de Deus, a quem Ele resolveu dar uma "carta de divórcio", em nosso caso, antes de conhecer Jesus e nele crer, a condição era a mesma. É agora Isaías que fala:
¹ "Assim diz o Senhor: Onde está a carta de divórcio de vossa mãe, pela qual eu a repudiei? Ou quem é o meu credor, a quem eu vos tenha vendido? Eis que por causa das vossas iniquidades é que fostes vendidos, e por causa das vossas transgressões vossa mãe foi repudiada." Is 50.
Por que esse rigor com esse povo? Porque a opção dele por crer em Deus exigia fidelidade. A célebre proclamação do Deuteronômio, até hoje muito repetida por todos os judeus, resumidamente conhecida como Shemah (Ouve) no hebraico, afirma:
⁴ "Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor." Dt 6.
E solene advertência fez Josué, o sucessor de Moisés, ao final de seu ministério, prevenindo que a idolatria, que acossava desde Tera, pai de Abraão, mesmo assediando de tão perto, precisava ser constantemente rechaçada:
² "Então, Josué disse a todo o povo: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Antigamente, vossos pais, Tera, pai de Abraão e de Naor, habitaram dalém do Eufrates e serviram a outros deuses". Js 24.
Podemos não avaliar que sejamos idólatras. Mas devemos lembrar que qualquer totem erguido, ainda que inconscientemente, entre nós e Deus, constitui-se em idolatria.
A começar por nosso próprio ego, sutil em suas interferências. Até Jesus foi tentado em enaltecer a si mesmo. Isso porque o que constituiu Satanás foi inflar o seu próprio ego.
Daí a necessidade, para que ocorra verdadeira conversão, de Jesus afirmar: Lc 9:
²³ Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. ²⁴ Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará."
Essa fala de Jesus atende a uma situação bem característica, que foi quando abordado pelo "jovem rico", como ficou conhecido. Ele perguntou o que fazer para herdar a vida eterna. Como teste, Jesus então disse é fácil, basta conhecer todos os mandamentos.
Ele disse que os conhecia. Para reforçar o teste, Jesus então disse: Ora, só falta vender tudo o que você tem, distribuir aos pobres, e me seguir. Mas para o jovem, sua riqueza era crucial. E Jesus nem a exigia, mas apenas desejava demonstrar que ele idolatrava seus bens.
Não abrir mão de si, para entronizar Jesus na vida, tendo morrido e ressuscitado nele, como afirma Paulo Apóstolo, é manter o totem, o ídolo no altar, ainda que seja a si mesmo. E vale para qualquer outro bem que, na verdade, torna-se um mal. Inclusive o próprio eu.
E a idolatria nunca vem sozinha. Vem acompanhada, como menciona Paulo, de "todo o império da trrevas", isso mesmo, o lugar de onde Deus, em Pessoa, nos quer sequestrar, para colocar-nos no reino do Filho do Seu amor: Cl 1:
¹³ "Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, ¹⁴ no qual temos a redenção, a remissão dos pecados."
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