quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Jonas e a lógica de Deus

 Há pouco mais de um ano atrás, o Hamas, grupo terrorista que agia em Gaza, uma porção de terra no sudoeste da Palestina, antiga região dos filisteus, invadiu Israel, matou e sequestrou, num total, cerca de 1200 pessoas.

  A força do argumento de Jonas, contra os assírios, em Nínive, é como se hoje um profeta judeu fosse enviado a Gaza, não para invadir, mas como emissário do perdão e da conversão das intenções.

  Por isso o livrinho desse profeta começa com a seguinte contradição: chamado, comissionamento e fuga do profeta: Jn 1:

¹ Veio a palavra do Senhor a Jonas, filho de Amitai, dizendo: ² Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim. ³ Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor, para Társis".

  A lógica do perdão e do amor perseguem Jonas por toda a narrativa do livro. Nós mesmos, alvo do perdão e do amor de Deus, convidados a perdoar e amar, muitas vezes nos vemos nesse mesmo dilema: resistimos ao perdão e expomos um falso amor.

   É Paulo quem indica a que nível estão postos o perdão e o amor:
¹³ "Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; ¹⁴acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição." Cl 3.

   Sim, o amor está à frente e acima do perdoar do mesmo modo como Deus perdoa. Então perdoar está no curso de aprendizado do amor. Jonas pressupôs que teria, por obrigação, perdoar e, consequentemente, amar. Por isso, resistiu:

¹ "Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado. ² E orou ao Senhor e disse: Ah! Senhor! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal." Jn 4.

   Jonas desgostou-se porque testemunhou arrependimento, perdão, conversão e amor. A lógica de Jonas não se afina com a lógica de Deus. Porque em Deus reside a lógica do perdão, devido ao amor e ao poder de tornar novo, decorrente do arrependimento: 2 Co 7:

¹⁰ "Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte." 

   A luta interna de Jonas é compreensível. E trata-se de uma das questões de mais complexa solução. Diante da maldade humana gratuita, como não vingar com a mesma intensidade?

   Deus interpela o profeta, como se estivesse diante de um evangelista bem sucedido, que assistiu ao arrependimento e conversão de mais de 120 mil pessoas, mas desgostou-se com isso, a ponto de, morbidamente, desejar morrer.

⁹ "Então, perguntou Deus a Jonas: É razoável essa tua ira por causa da planta? Ele respondeu: É razoável a minha ira até à morte." Jn 4.

  O sol havia fustigado a calva de Jonas. Deprimido, acolhia-se sob uma parreira. Era tão tênue o fio de euforia que o mantinha conformado que, uma vez incomodado, quando findou a sombra da planta que secou, desestruturou-se.

  Porém a cura para ele residia em confrontar a si mesmo, seguindo a lógica proposta por Deus:

¹⁰ "Tornou o Senhor: Tens compaixão da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu; ¹¹ e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais?" Jn 4.

   Em sua lógica, como lhe revela Deus, que o confrontou, Jonas não se importava com a subversão total de Nínive, como numa Sodoma e Gomorra atualizadas, ou numa Pompeia e Herculano, mais recentes.

  A argumentação de Deus, por sua afirmação: "Não hei eu de ter compaixão" , define-O como soberano em perdão e amor. Não é natural em nós essa dimensão. Somos alvo de Seu amor e perdão e chamados a perdoar e amar como ele.

   É Paulo que nos socorre ensinando o que Jonas, na prática, precisava compreender. E termina o livro sem sabermos se o profeta conseguiu:

¹ "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; ² e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave." Ef 5.

   Ver escrito e teorizar sobre essa tarefa, como a supomos entender, torna-se fácil. Diante da beleza do texto e da sublimidade dessa proposta, mostramo-nos muito sensíveis.

  Mas na posição de Jonas, que assistiu ao sofrimento de seu povo, perpetrado pelo exército assírio, muito provavelmente com uma torcida positiva por parte daqueles mais de 120 mil, foi doloroso admitir pregar arrependimento e perdão.

   Precisamos nos habilitar para a lógica divina do amor e do perdão. Arrependimento e conversão não implica somente estatística e afago do ego pela quantidade matemática resultante. 

   Mas um diagnóstico preciso da natureza do mal e sua cura, pelo único método possível, que é o anúncio do amor de Deus, na possibilidade de arrependimento e perdão dos pecados.

   É Deus quem diz: "Não hei eu de ter compaixão?" Amor se aprende. E se imita com Deus. 

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