segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Miqueias e a desburocratização da fé

   Muito linda a amizade e Jesus com os irmãos Maria, Marta e Lázaro. Aliás, com Jesus, toda amizade é linda, possível e verdadeira.

  Possível por tê-la como autor e o Pai como fim último, mas sendo a obediência uma condição bem expressa:
¹⁴ "Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando. ¹⁵ Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer."

   Numa das visitas, destacou-se a personalidade das irmãs num pequeno incidente. Mas a síntese de Jesus a respeito, tornou-se uma lição permanente.

   Marta, como qualquer dona de casa, já naquela época ativa e super preocupada, desejava dar a Jesus a melhor das hospitalidades. Daí seu ativismo.

⁴⁰ "Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me." Lc 8.

   A irmã Maria entendeu que deveria parar tudo e querdar-se ao pé de Jesus para ouvir. Ora essa, diria Marta. Por isso, defendendo sua argumentação, convocava a irmã para a sua azáfama. Jesus exortou-a, expondo sua prioridade:

⁴¹ "Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. ⁴² Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada." Lc 8.

   Pois essa filosofia do pouco, da boa parte que nunca será tirada, a síntese inteligente de Jesus também encontramos na percepção de Miqueias, a respeito de sua profecia e ministério. Mq 6:

⁷ "Agradar-se-á o Senhor de milhares de carneiros, de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo, pelo pecado da minha alma?⁸ Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus."

   O pouco de Miqueias é a indicação da troca de milhares de sacrifícios, dez mil ribeiros de azeite e a absurda oferta do primogênito pelo que é bom: a prática da justiça, a prioridade pela misericórdia e o assumir a humildade.

   Ele e Isaías, pode-se dizer, foram colegas de seminário. É dedutível, de seus escritos, a condição negativa da avaliação do povo: Is 1:

⁴ "Ai desta nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade, raça de malignos, filhos corruptores; abandonaram o Senhor, blasfemaram do Santo de Israel, voltaram para trás. [...] ⁶ Desde a planta do pé até à cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo." 

   E ambos anunciam a vinda do Messias, sendo Isaías o profeta mais citado no Novo Testamento e, por isso, chamado "profeta evangelista".

    A mais famosa menção do Messias, em Miqueias, soa como provocação a Jerusalém, porque indica a pequena demais Belém, mais uma vez pelo método divino do menor, desbancando o (que se julga) maior:

² "E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade." Mq 5.

   Miqueias mesmo usa de uma síntese, o seu "um pouco", como Jesus indicou ser o melhor, ou seja, sentar e ouvi-lo. Pois a profecia de Miqueias revela em quem reside justiça, misericórdia e humildade. E da possibilidade, ainda em sua espoca, de se antecipar no viver essas bênçãos exclusivas, pela mediação de Jesus.

   O autor de Hebreus indica isso no modo como ocorreu com Moisés, quando este enxerga, por antecipação, o "opróbrio de Cristo": Hb 11.

²⁴  "Pela fé, Moisés, quando já homem feito, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, ²⁵ preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado; ²⁶ porquanto considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito, porque contemplava o galardão."

     E Neemias indica como a ação do Espírito era operante nos que criam, antecipando essas bênçãos somente possíveis pela mediação de Jesus:

²⁰ "E lhes concedeste o teu bom Espírito, para os ensinar; não lhes negaste para a boca o teu maná; e água lhes deste na sua sede." Ne 9.

   A justiça a ela se tem acesso pela fé em Jesus:
¹ "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo". Rm 5.

  Permanecer no amor de Cristo é o seu principal mandamento. Amor e misericórdia, sinônimos no Antigo Testamento, aqui aparecem juntas num reforço de ênfase:
¹⁰ "Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço." Jo 15.

   E a humildade é o traço característico da personalidade de Jesus. Sem ela, jamais teria se submetido à cruz:
⁶ "...pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; ⁷ antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, ⁸ a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz." Fp 2.
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   A síntese de Miqueias antecipa realizações já operantes na fé do Antigo Testamento, indicadoras do sentido de todo o sacerdócio e estrutura da religião, porém não expressos na mera exterioridade do culto vazio.

   Porque justiça, amor e humildade somente são concedidas ao ser humano, que se torna delas participantes, por meio de Jesus. No Antigo Testamento eram possíveis de se constatar, segundo indica o profeta, pela ação do Espírito, antecipando, nos que cressem, as dádivas de Jesus.

    Miqueias assinala a desburocratização da fé, recomendando que não se preste muita atenção ao marketing e à exibição de letreiros de neon, no que diz respeito a exterioridades, porque o que é bom na fé e aceitável, diante do Senhor, será tudo que nos é dado por meio de Jesus: a justiça, o amor e a humildade.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Jonas e a lógica de Deus

 Há pouco mais de um ano atrás, o Hamas, grupo terrorista que agia em Gaza, uma porção de terra no sudoeste da Palestina, antiga região dos filisteus, invadiu Israel, matou e sequestrou, num total, cerca de 1200 pessoas.

  A força do argumento de Jonas, contra os assírios, em Nínive, é como se hoje um profeta judeu fosse enviado a Gaza, não para invadir, mas como emissário do perdão e da conversão das intenções.

  Por isso o livrinho desse profeta começa com a seguinte contradição: chamado, comissionamento e fuga do profeta: Jn 1:

¹ Veio a palavra do Senhor a Jonas, filho de Amitai, dizendo: ² Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim. ³ Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor, para Társis".

  A lógica do perdão e do amor perseguem Jonas por toda a narrativa do livro. Nós mesmos, alvo do perdão e do amor de Deus, convidados a perdoar e amar, muitas vezes nos vemos nesse mesmo dilema: resistimos ao perdão e expomos um falso amor.

   É Paulo quem indica a que nível estão postos o perdão e o amor:
¹³ "Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; ¹⁴acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição." Cl 3.

   Sim, o amor está à frente e acima do perdoar do mesmo modo como Deus perdoa. Então perdoar está no curso de aprendizado do amor. Jonas pressupôs que teria, por obrigação, perdoar e, consequentemente, amar. Por isso, resistiu:

¹ "Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado. ² E orou ao Senhor e disse: Ah! Senhor! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal." Jn 4.

   Jonas desgostou-se porque testemunhou arrependimento, perdão, conversão e amor. A lógica de Jonas não se afina com a lógica de Deus. Porque em Deus reside a lógica do perdão, devido ao amor e ao poder de tornar novo, decorrente do arrependimento: 2 Co 7:

¹⁰ "Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte." 

   A luta interna de Jonas é compreensível. E trata-se de uma das questões de mais complexa solução. Diante da maldade humana gratuita, como não vingar com a mesma intensidade?

   Deus interpela o profeta, como se estivesse diante de um evangelista bem sucedido, que assistiu ao arrependimento e conversão de mais de 120 mil pessoas, mas desgostou-se com isso, a ponto de, morbidamente, desejar morrer.

⁹ "Então, perguntou Deus a Jonas: É razoável essa tua ira por causa da planta? Ele respondeu: É razoável a minha ira até à morte." Jn 4.

  O sol havia fustigado a calva de Jonas. Deprimido, acolhia-se sob uma parreira. Era tão tênue o fio de euforia que o mantinha conformado que, uma vez incomodado, quando findou a sombra da planta que secou, desestruturou-se.

  Porém a cura para ele residia em confrontar a si mesmo, seguindo a lógica proposta por Deus:

¹⁰ "Tornou o Senhor: Tens compaixão da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu; ¹¹ e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais?" Jn 4.

   Em sua lógica, como lhe revela Deus, que o confrontou, Jonas não se importava com a subversão total de Nínive, como numa Sodoma e Gomorra atualizadas, ou numa Pompeia e Herculano, mais recentes.

  A argumentação de Deus, por sua afirmação: "Não hei eu de ter compaixão" , define-O como soberano em perdão e amor. Não é natural em nós essa dimensão. Somos alvo de Seu amor e perdão e chamados a perdoar e amar como ele.

   É Paulo que nos socorre ensinando o que Jonas, na prática, precisava compreender. E termina o livro sem sabermos se o profeta conseguiu:

¹ "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; ² e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave." Ef 5.

   Ver escrito e teorizar sobre essa tarefa, como a supomos entender, torna-se fácil. Diante da beleza do texto e da sublimidade dessa proposta, mostramo-nos muito sensíveis.

  Mas na posição de Jonas, que assistiu ao sofrimento de seu povo, perpetrado pelo exército assírio, muito provavelmente com uma torcida positiva por parte daqueles mais de 120 mil, foi doloroso admitir pregar arrependimento e perdão.

   Precisamos nos habilitar para a lógica divina do amor e do perdão. Arrependimento e conversão não implica somente estatística e afago do ego pela quantidade matemática resultante. 

   Mas um diagnóstico preciso da natureza do mal e sua cura, pelo único método possível, que é o anúncio do amor de Deus, na possibilidade de arrependimento e perdão dos pecados.

   É Deus quem diz: "Não hei eu de ter compaixão?" Amor se aprende. E se imita com Deus. 

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Amós e a autenticidade

 Autenticidade é tudo. Muito provavelmente, caso não houvessem ratas, ou seja, falhas, a marca da autenticidade fosse desnecessária.

  Mas não. E até para o evangelho está valendo. Aliás, evangelho é autenticidade em curso. Por definição. Paulo afirma aos Efésios:

²⁰ "Mas não foi assim que aprendestes a Cristo, ²² no sentido de que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, ²³ e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, ²⁴ e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade." Ef 4.

  Essa dinâmica, aqui descrita pelo apóstolo, confere autenticidade ao evangelho. Ao mesmo tempo que se despoja do velho homem, renova-se no "espírito do entendimento".

   Ou seja, continuamente nos despimos, despojamo-nos do velho homem, sempre corruptível e se corrompendo, viciado nisto, degradando-se continuamente, mas que somente ocorre se e quando nos revestimos desse novo homem, criado segundo Deus.

   Lembremo-nos de que esse velho homem somos nós, cada um, e não uma parte de nós, nus e fora do paraíso, dominados pelo pecado. O novo homem é resultado da conversão, milagre operado por Deus em nós, se e quando cremos.

¹⁷ "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas." 2 Co 5.

   Paulo afirma tratar-se do poder de Deus. Como afirma Marcos, o evangelista, Jesus pregava o evangelho de Deus. Daí sua autenticidade. Não se trata de verniz cultural, religião, recitação de uma ortodoxia. É "poder de Deus para a salvação":

¹⁶ "Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego". Rm 1.

    O profeta Amós enfrentou uma polêmica com Amazias, um profeta profissional, que constava na folha de corrupção do rei Jeroboão II (782-753 a.C.). Ele fala precipuamente:

¹² "Então, Amazias disse a Amós: Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza; ¹³ mas em Betel, daqui por diante, já não profetizarás, porque é o santuário do rei e o templo do reino." Am 7.

   A resposta do profeta atesta autenticidade. Na matemática há uma estratégia de argumentação denominada "redução ao absurdo". Foi exatamente essa que Amos utilizou, começando por dizer: Am 7:

¹⁴ "Respondeu Amós e disse a Amazias: Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boieiro e colhedor de sicômoros. ¹⁵ Mas o Senhor me tirou de após o gado e o Senhor me disse: Vai e profetiza ao meu povo de Israel."

   Se fosse aqui no Acre, ele diria: "Sou boiadeiro e colhedor de castanha". E reforça o argumento do falso profeta: "Não sou e nunca quis ser. Mas o Senhor...". Essa é a suma diferença: a iniciativa é sempre de Deus.

   Desde as páginas iniciais da Bíblia, consta o que Deus fez. E faz. Continua a fazer. Certa vez, criticaram Jesus, mas veja que coisa ridícula, por curar no sábado. A resposta dele foi: Jo 5:

¹⁵ O homem retirou-se e disse aos judeus que fora Jesus quem o havia curado.¹⁶ E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado. ¹⁷ Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também."

   Deus trabalha. Isaías, contemporâneo de Amós, atesta nos mesmos termos:

⁴ "Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera." Is 64.

   A marca da autenticidade reside na ação de Deus. No Gênesis, está escrito Deus criou. E viu que era bom o que fez. O autor de Hebreus comenta, sobre isso, que o sábado de Deus foi o descanso de todas as obras feitas.

   Sim, para Deus não existe o tempo. Deus é. Mas existe Deus agir na história. Agir no tempo e na vida daquele que nEle cŕê e dEle espera. E a ação de Deus é autêntica.

⁶ "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam." Hb 11.

   Amazias não cogitava autenticidade. Era pau mandado de Jeroboão II, campeão de idolatria como todos os demais reis de Israel do Norte:

 ²³ "No décimo quinto ano de Amazias, filho de Joás, rei de Judá, começou a reinar em Samaria Jeroboão, filho de Jeoás, rei de Israel; e reinou quarenta e um anos. ²⁴ Fez o que era mau perante o Senhor; jamais se apartou de nenhum dos pecados de Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel." 2 Rs 14.

    Daí, muito natural que o "profeta de ocasião" afeito aos gostos e jeitos desse rei, tivesse a dizer: "'Vai-te, ó profeta', disse Amazias." 

   E Amós, por pura autenticidade, responder: "Não sou profeta". Absurdo. Porque o Senhor o tomou de após o gado. Então escolheu, consagrou e enviou. Estamos e somos o que Deus, a nosso respeito, autenticar.

Oseias (e Deus), maridos traídos

 Muito interessante o grau com que Deus se compara, aproxima-se e até se identifica com o ser humano, criado à Sua imagem e semelhança.

  O profeta Oseias reclama traição  pela esposa com quem Deus o orientou casar:

² "Quando, pela primeira vez, falou o Senhor por intermédio de Oseias, então, o Senhor lhe disse: Vai, toma uma mulher de prostituições e terás filhos de prostituição, porque a terra se prostituiu, desviando-se do Senhor." Os 1.

   Já não era de boa fama, porém o profeta esperava que houvesse se regenerado. Os filhos do casal nasceriam como forma profética de advertência ao povo de Israel do Norte.

  Seus nomes indicariam tanto grau de afastamento de Deus, quanto o lugar decisivo da batalha que os derrotaria, conduzindo ao exílio assírio: Os 2:

⁴ "Disse-lhe o Senhor: Põe-lhe o nome de Jezreel, porque, daqui a pouco, castigarei, pelo sangue de Jezreel, a casa de Jeú e farei cessar o reino da casa de Israel [...] ⁹ Disse o Senhor a Oseias: Põe-lhe o nome de Não-Meu-Povo, porque vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus."

   Pois adiante, a esposa do profeta retorna à velha vida, com seus amantes, e ele vai se queixar com Deus. E ouve, como resposta, mais ou menos assim: "Ora, marido traído não é só você: nós somos".

  Se a gente não lesse, no livro de Oseias, não acreditaria: Deus e Oseias trata-se de dois maridos traídos. Antes de rir, devemos entender que, nessa história, não somos nem Deus, nem Oseias e, muito menos, um "marido não traído": somos a prostituta.

   Isso mesmo. Somos os que traem. Conjugamos o verbo "trair" em todos os tempos. Pois a esposa infiel de Oseias é antítipo da infidelidade contra Deus. É aqui que a gente entra.

   Nossa prostituição é afeiçoar-se pelo que Deus rejeita. É nutrir um desejo mórbido pelo que, para Deus, é abominável. No caso do povo a quem Oseias se dirigia, a idolatria era a principal queixa, mas não vinha sozinha.

   Oseias, Amós e Isaías foram profetas da mesma época, os dois primeiros profetizando no reino do Norte, Israel, e este último no Reino do Sul. Os problemas se assemelham.

  Amós e Isaías, por exemplo, denunciam a hipocrisia no culto. Como poderia um povo que, com coreografia, supõe adorar a Deus, mas com o coração, está longe? Veja abaixo em Amós 5:

²¹ "Aborreço, desprezo as vossas festas e com as vossas assembleias solenes não tenho nenhum prazer. ²² E, ainda que me ofereçais holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. ²³ Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras."

   E na profecia de Oseias, a ênfase foi a denúncia da dissolução moral que destroçou o sacerdócio no Israel do Norte: Os 4:

⁶  "O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos."

   Mas o dedo acusador contra os sacerdotes, embora ser modelo fosse a responsabilidade deles, não exime prováveis acusadores de sua própria responsabilidade:

⁴ Todavia, ninguém contenda, ninguém repreenda; porque o teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa." Os 4.

  Quando lemos essas denúncias diretas ao povo de Israel, tratava-se de um apelo à conversão. Não era por ser descendente de Abraão que, automaticamente, isso os tornava crentes autênticos.

   Essa é a nossa idêntica condição. Antes de crer em Jesus Cristo, também somos infiéis. Se no Antigo Testamento, Israel se tornou a esposa infiel de Deus, a quem Ele resolveu dar uma "carta de divórcio", em nosso caso, antes de conhecer Jesus e nele crer, a condição era a mesma. É agora Isaías que fala:

¹ "Assim diz o Senhor: Onde está a carta de divórcio de vossa mãe, pela qual eu a repudiei? Ou quem é o meu credor, a quem eu vos tenha vendido? Eis que por causa das vossas iniquidades é que fostes vendidos, e por causa das vossas transgressões vossa mãe foi repudiada." Is 50.

  Por que esse rigor com esse povo? Porque a opção dele por crer em Deus exigia fidelidade. A célebre proclamação do Deuteronômio, até hoje muito repetida por todos os judeus, resumidamente conhecida como Shemah (Ouve) no hebraico, afirma:

⁴ "Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor." Dt 6.

    E solene advertência fez Josué, o sucessor de Moisés, ao final de seu ministério, prevenindo que a idolatria, que acossava desde Tera, pai de Abraão, mesmo assediando de tão perto, precisava ser constantemente rechaçada:

² "Então, Josué disse a todo o povo: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Antigamente, vossos pais, Tera, pai de Abraão e de Naor, habitaram dalém do Eufrates e serviram a outros deuses". Js 24.

   Podemos não avaliar que sejamos idólatras. Mas devemos lembrar que qualquer totem erguido, ainda que inconscientemente, entre nós e Deus, constitui-se em idolatria.

   A começar por nosso próprio ego, sutil em suas interferências. Até Jesus foi tentado em enaltecer a si mesmo. Isso porque o que constituiu Satanás foi inflar o seu próprio ego.

   Daí a necessidade, para que ocorra verdadeira conversão, de Jesus afirmar: Lc 9:
²³ Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. ²⁴ Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará."

   Essa fala de Jesus atende a uma situação bem característica, que foi quando abordado pelo "jovem rico", como ficou conhecido. Ele perguntou o que fazer para herdar a vida eterna. Como teste, Jesus então disse é fácil, basta conhecer todos os mandamentos.

    Ele disse que os conhecia. Para reforçar o teste, Jesus então disse: Ora, só falta vender tudo o que você tem, distribuir aos pobres, e me seguir. Mas para o jovem, sua riqueza era crucial. E Jesus nem a exigia, mas apenas desejava demonstrar que ele idolatrava seus bens.

   Não abrir mão de si, para entronizar Jesus na vida, tendo morrido e ressuscitado nele, como afirma Paulo Apóstolo, é manter o totem, o ídolo no altar, ainda que seja a si mesmo. E vale para qualquer outro bem que, na verdade, torna-se um mal. Inclusive o próprio eu.

  E a idolatria nunca vem sozinha. Vem acompanhada, como menciona Paulo, de "todo o império da trrevas", isso mesmo, o lugar de onde Deus, em Pessoa, nos quer sequestrar, para colocar-nos no reino do Filho do Seu amor: Cl 1:

¹³ "Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, ¹⁴ no qual temos a redenção, a remissão dos pecados."

domingo, 20 de outubro de 2024

Ezequiel e as visões de Deus

    A ruína foi total. Um Êxodo ao contrário. O povo que havia saído do Egito, com promessa de se tornar nação, receber uma terra prometida e tornar sua capital trono de justiça, era levado cativo, desta vez para a Babilônia.

  Terra de onde, há mais de um milênio atrás, sairá o patriarca Abrão, tendo vivido em Ur, dos caldeus. Era esse o povo que os levava agora cativos.

   A vocação seria esta, caso houvessem permanecido fiéis:
 "Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; ⁶ vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel." Ex 19.

   E poderia ser ainda pior. Cerca de 130 anos atrás, nesse mesmo movimento, a Assíria havia dispersado as tribos do Norte, praticamente riscado do mapa. Os samaritanos, tão discriminados no tempo se Jesus, foi o que restou desse caldeamento.

   Jeremias descreve nas Lamentações o que foi o cerco de Jerusalém, por dois longos anos, sob Zedequias, o último descendente de Davi no trono. Ezequiel pregava no exílio, quando houve o anúncio da queda da cidade. Ez 33:

²¹ "No ano duodécimo do nosso exílio, aos cinco dias do décimo mês, veio a mim um que tinha escapado de Jerusalém, dizendo: Caiu a cidade."

   Foi a ruína total dessa cidade. Os profetas de aluguel pregavam que haveria livramento, como sob o assírio Senaqueribe, nos tempos de Isaías, no reinado de Ezequias, em 701 a.C. Mas Jeremias prevenia que, desta vez, não haveria milagre, que vêm quando Deus, e não quando nós queremos.
 
   O livro de Ezequiel começa com ele assentado em meio a esse povo, curtindo todos os contornos dessa ruína:

¹ "Aconteceu no trigésimo ano, no quinto dia do quarto mês, que, estando eu no meio dos exilados, junto ao rio Quebar, se abriram os céus, e eu tive visões de Deus." Ez 1.

   As visões de Ezequiel, que percorrem todo o livro, concedem ao profeta tanto a projeção da restauração futura, quanto indicam o diagnóstico do mal que afetou todo o povo.

  Desde os tempos de Oseias, profeta que pregou no reino do Norte, no tempo do rei Jeroboão II (782-753 a.C), denunciava-se o declínio, corrupção e falência do sacerdócio em Israel.

  Pois em Jerusalém, na época de Ezequiel, no mais interior do Templo, reproduzia-se a mesma falência, uma imitação macabra da idolatria que já havia sido denunciada havia mais de 100 anos, ainda antes do cativeiro assírio do Norte.

   A história se repetia. Como descrevia Jeremias, profeta em Jerusalém, contemporâneo de Ezequiel, profeta em Babilônia:

⁸ "Quando, por causa de tudo isto, por ter cometido adultério, eu despedi a pérfida Israel [no cativeiro assírio] e lhe dei carta de divórcio [agora no cativeiro babilônico], vi que a falsa Judá, sua irmã, não temeu; mas ela mesma se foi e se deu à prostituição." Jr 3.

  Daí Ezequiel denunciar o flagrante desse absurdo. Aliás, essa figura das duas irmãs que imitam o erro uma da outra, também aparece numa parábola no livro desse profeta:

⁴ "Os seus nomes eram: Oolá, a mais velha, e Oolibá, sua irmã; e foram minhas e tiveram filhos e filhas; e, quanto ao seu nome, Samaria [capital do reino do Norte] é Oolá, e Jerusalém [capital do Reino do Sul] é Oolibá." Ez 23.

   A temática das duas irmãs que se prostituem assumindo a idolatria de seus vizinhos foi constantemente denunciada pelos profetas autênticos. Deus revela a Ezequiel o modo oculto como era praticada.

  Um anjo do Senhor promove um tour, a partir das entradas externas do Templo de Jerusalém, para mostrar ao profeta o alcance e a força maligna dessa cumplicidade com os ídolos.

⁷ "Ele me levou à porta do átrio; olhei, e eis que havia um buraco na parede. Então, me disse: Filho do homem, cava naquela parede.⁸ Cavei na parede, e eis que havia uma porta.⁹ Disse-me: Entra e vê as terríveis abominações que eles fazem aqui.¹⁰ Entrei e vi; eis toda forma de répteis e de animais abomináveis e de todos os ídolos da casa de Israel, pintados na parede em todo o redor." Ez 8.

   O livro de Ezequiel inicia com uma deslumbrante visão da Glória de Deus. O autor de Hebreus destaca essas lembranças, de grandezas típicas do Antigo Testamento, que apontam para uma realidade maior atual.

  Por isso, de certa forma, ele descarta uma certa nostalgia desses tempos:
²² "Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia ²³ e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, ²⁴ e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel." Hb 12.

   E Paulo destaca como, na igreja, na face de cada irmão, descortina-se, diante de nós, a glória de Deus: 2 Co 3:
¹⁸ "E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito." 

  E essa é uma promessa mencionada por Jesus em sua última oração, a chamada "oração sacerdotal":
²² "Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; ²³ eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim." Jo 17.

   Interessante que o sacerdócio que Deus queria para Isarel, personificado na instrução e modelo do sacerdócio levítico, do qual Oseias e Ezequiel denunciam  falência, agora é ordenado como benção à igreja de Cristo.

⁹ "Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; ¹⁰ vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia." 1 Pe 2.

   A glória do Senhor, tão estrodosamente descrita nos capítulos iniciais do livro desse profeta, conferiu autoridade a ele, assim como demonstrou que, em Deus, não existe ruína que prevaleça ou não seja restaurada.

   E a continuidade de suas visões, no livro, anunciam em que termos e amplitude essa restauração se dará. Porque avança ao longo ds história, cumpre os desígnios de Deus e o coloca como sempre quis, o mais completamente possível perto de nós, numa cidade que já tem um nome:

³⁵ "...e o nome da cidade desde aquele dia será: O Senhor Está Ali." Ez 48.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Isaías e a banalização do mal

⁵ "Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!" Is 6.

   Por vezes a menção a qualquer deslize soa banal. Na consciência do mal que o afligia, Isaías se expressou como quem reconhecia sua gravidade.

   Poderia parecer um "pecado menor", pelo qual não valia muito a pena corrigir-se. Ora, com tanta coisa pior, o que seriam lábios impuros? Passaria batido, visto que, no contexto geral, todo mundo tinha o mesmo costume.

  Muito embora Jesus afirme, numa polêmica com os fariseus, que "a boca fala do que está cheio o coração", Mt 12,34, e Tiago mencione que a língua se gaba de controlar todo o corpo, Tg 3,5, nesse caso, todo o coração seria rendido à impureza e todo os rumos do corpo norteados por ela.

   Portanto, o que atribulava o profeta não era um incômodo de pequena monta. E não pensemos num efeito cinemático da visão, pelo qual a brasa retirada do altar e posta na sua boca, definitivamente resolveria, de imediato, toda a impureza acumulada.

   Um hábito não se extirpa por magia, numa visão mística mas, pelo menos, dele se toma consciência. Isaías, como Paulo nos explica, teria de aplicar a si mesmo o que agora via necessário também corrigir nos outros.

⁶ "Estas coisas, irmãos, eu as apliquei figuradamente a mim e a Apolo por amor de vós, para que em nós aprendais a não ultrapassar o que está escrito, a fim de que ninguém se ensoberbeça a favor de um, em detrimento do outro." 1 Co 4.

  O assunto acima é outro, mas a metodologia é a mesma. Paulo aplica a si mesmo e a Apolo o que deseja transmitir a todos os crentes de Corinto. Deus coloca Isaías diante da dimensão do erro que o torna igual a todos os demais.

   Nem o profeta e nem o apóstolo pertencem a uma "elite espiritual", equívoco atualmente muito fácil de ser assumido. Somos do mesmo barro de que nossos pais mas, quando chamados, teremos de aplicar, aprender, corrigir em nós para, somente então, exortar outro.

   Despir-se do velho homem, cada um de nós, para ser modelo a quem se despe do seu. Não somos chamados a lidar como as mazelas alheias, mas servir de exemplo de como cada um pode delas livrar-se.

   Banalização do mal é quando não avaliamos, por desleixo ou por leviandade, a dimensão do mal que nos assola, muitas vezes comum rotina e partilha afeita a todo nosso contexto de vida.

  O profeta olha para si, lamenta, acusa primeiro sua desqualificação, reconhece o processo muitas vezes longo e doloroso da necessidade de santificação, para então, consciente, atender ao chamado.

  Paulo assim expressa, por metáfora, esse processo: 1Co 9:
²⁷ "...pelo contrário esbofeteio o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que havendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado."
 
  Isaías não fez concessões. Não quer dizer que se tornou legalista, com uma lupa buscando alhures todas as falhas. Porém Deus lhe concedeu nítida dimensão de um mal compartilhado, do qual era necessário livrar-se.

      É usual afirmar, em termos genéricos, que há exagero em várias posturas éticas dos crentes. "Não tem nada a ver", para uma série de comportamentos, aliado à ideia corrente de que a igreja, buscando aceitação, precisa fantasiar-se de mundo, maquiando-se aqui e ali, para identificar-se, a fim de ser aceita e reconhecida.

   Jesus, nosso padrão e modelo não precisou de nada disso. A rejeição que sofreu foi devido a sua identidade, denunciadora do desvio do pecado, e sua aceitação somente se deu por sua autenticidade, como plena revelação de Deus e seu evangelho.

   É dessa identificação, sem maquiagem, de que a igreja carece. O mundo tem sede dessa autenticidade. Ele não pode se ver na igreja, assim como a igreja não pode se ver no mundo. Foi Jesus quem disse:

¹⁵ "Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno. ¹⁶ Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo. ¹⁷ Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade." Jo 17.

   Jesus foi o único ser humano, à imagem e semelhança de Deus. Autêntico e, ao mesmo tempo, identificado com a sociedade de seu tempo. Com personalidade e palavra decisivas, punha em xeque o que estava distorcido ou contraditório em todo o contexto social.

   A igreja precisa vivenciar a principal afirmação do Novo Testamento a seu respeito: ela é testemunha de Jesus Cristo. Paulo define ministério como:

²⁶ "...o mistério que esteve escondido dos séculos e das gerações; mas agora foi descoberto a seus santos, ²⁷ a quem aprouve a Deus fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória". Cl 1.

   Aos Gálatas, Paulo alude as suas "dores de parto": ¹⁹ "... filhinhos meus, por quem de novo sinto as dores de parto até que Cristo seja formado em vós". Gl 4.

   A igreja carece de ser modelo de Jesus Cristo no mundo. Não será nem legalista, nem permissiva, inautêntica ou mimética, procurando afeiçoar-se ao mundo para conquistar nele espaço ou reconhecimento.

   A igreja é única a anunciar o evangelho, a maior carência em socorro às angústias do mundo. Não há outra resposta: é portadora da única mensagem de salvação. Precisa retomar consigo a importância desse valor.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Cânticos de Romagem -2

Salmo 127. O Senhor edifica a família. Salmo de Sabedoria, formando com o 128 um só tema, descreve: (A) em sentido geral, o papel do homem sábio na edificação de um lar (127:2) e, (B) em sentido específico, o lugar dos filhos (127:3-5). Deus instituiu o casamento de homem e mulher (Gn 1:27-28) e, se o Senhor não edificar a família, será tão frustrante a tentativa quanto, sem o Senhor, guardar a cidade. (127:1): inútil (1) madrugar, (2) repousar tarde, (3) alimentar-se mal, (4) porque Deus supre (127:2 e Mt 6:25-34). Os filhos (1) são do Senhor, como herança, (2) frutos do ventre e (3) devem ser criados em sabedoria, para (4) atingir, como flecha, um alvo preciso na vida: (6) cheio de alegria o homem cheio de filhos criados no temor do Senhor, pois (7) não envergonham os pais (127:3-5) na luta contra inimigos (2 Co 10:4-5). 

Salmo 128. A casa onde o Senhor habita. Salmo de Sabedoria, associado ao anterior, pelo desdobramento da mesma temática. Uma das virtudes mais apreciadas no Oriente é a hospitalidade (Hb 13:2; Mt 10:39-42 e 25:40-46). Certamente um peregrino, hóspede em casa de uma família abençoada, testemunhou e escreveu este salmo. A mesma alegria (127:5) permanece (128:1) por causa do homem (A) temente a Deus e que (B) anda em Seus caminhos: (1) sobrevive de um trabalho honesto, (2) cuja esposa virtuosa (Pv 31:27-31) e filhos, à roda da mesa, vivem no temor do Senhor, (3) essa família experimenta um padrão de plenitude de bênçãos (Pv 20:7). A bênção do Senhor sobre o justo é extensiva (128:5) à própria cidade (Jr 27:7 e Pv 11:10-11) e aos seus descendentes (128:6).

Salmo 129. O Senhor supre. Salmo de lamentação: são particularmente difíceis para o salmista as provações que tem experimentado, porque o acompanham desde a sua mocidade. Para se expressar utiliza duas figuras de linguagem em seu modo especial de desabafo: (1) o chamado quiasmo, quando repete, num refrão (129:1-2), a mesma condição de angústia que enfrentou, porém não prevaleceram contra ele; (2) as chamadas metáforas, quando afirma que o Senhor cortou as cordas do arado que sulcava suas costas (129:3-4) ou quando votou que os que aborrecem Sião sejam como erva seca dos telhados, inútil para qualquer trato (129:5-7). Contudo, não guardava rancor consigo, pois aos que passavam indiferentes e não votavam bênçãos, ele tem a dizer: ‘Nós vos abençoamos em nome do Senhor’ (129:8; Lc 6:27-30; Rm 12:14).

Salmo 130. O perdão do Senhor. ‘Das profundezas’, mimma‘amaqim, no hebraico, ‘De profundis’, título em latim, é o ponto de partida do clamor pelo perdão. Este salmo assinala pontos fundamentais da fé: (A) o clamor do pecador por salvação (130:1 e Rm 3:9-18), (B) a misericórdia de Deus ao que crer (130:2; 2 Co 5:18-21; At 17:30-31), e (C) Sua exclusividade no perdão (130:4; Rm 2:4; 2 Co 7:10). Mais que os guardas pelo amanhecer, o salmista (1) tem o anseio de alma do pecador sinceramente arrependido (130:6), (2) tem posse das certezas que vem por meio da Palavra e (3) está cheio da expectativa do perdão de Deus (130:5-6). Ensina que Israel deve (todos devem): (1) esperar no Senhor, (2) nEle há misericórdia (amor), (3) nEle há plenitude de salvação e (4) só Ele (Sl 49:7-8) pode remir (pagar o preço) da iniqüidade (130:7-8). 

Salmo 131. O silêncio da alma. ‘Salmos de Confiança’: 4, 11, 16, 23, 27, e 62, apresentam uma mensagem de garantia de salvação, louvor ou gratidão, entre os quais se inscreve o 131, destacando uma conversão do salmista, que (A) confessa (131:1), que deixou a soberba (coração elevado) de lado (Tg 4:6-10) e (B) aprendeu (131:2) a ser humilde (Mt 5:3), quando ‘fez calar’ a alma, como criança atendida por mães virtuosas (Jz 13;1-25; 1 Sm 1:26-28; Rt 4:16-17; 2 Tm 1:3-5). Deus lhe ensinou a ‘mansidão’ (Mt 5:5) e o‘domínio próprio’, complementos do Fruto do Espírito (Gl 5:22-23). Na nota final (C) de confiança (1331:3), o salmista espera que Israel também se converta e aprenda a ser humilde, algo essencial para a salvação (Lc 19:41-44). 

Salmo 132. O amor do Senhor por Sião. O mais extenso dos também chamados cânticos de subida (Salmos 120-134) e um dos salmos litúrgicos (específicos para leitura no culto: 24, 50, 68, 81, 82, 95, 108, 115, 120-134) e messiânico (132:11), foi escrito como resposta à promessa (2 Sm 7:1-29) de um Reino Eterno feita a Davi e utilizado para o traslado da arca (132:6-10 e 2 Sm 6:1-19). Refere-se ao contexto (132:1-5) da construção do Templo (1 Cr 17:1-15) como símbolo da habitação de Deus em Sião (Ex 40:34-38 e 2 Cr 7:1-3). A escolha de Sião em amor (132:13-14) estava condicionada à sua obediência à aliança com o Senhor (Ex 19:1-6 e 132:12). As bênçãos finais da fidelidade são: (1) prosperidade, (2) salvação, (3) força e luz que não se apagam e (4) coroa de vitória sobre os inimigos (132:15-18).

Salmo 133. Comunhão com o Senhor. Jesus, na chamada oração sacerdotal (Jo 17:17-21), destaca o quanto a comunhão com Deus é essencial para Israel e para a Igreja. Este salmo inicia-se com uma expressão (hineh mah-tov) da maior alegria pela realidade da comunhão com o Senhor (133:1 e 1 Jo 1:1-4): “Veja como é bom!”. Milagre somente possível com a atuação do Espírito Santo (Jo 14:16-17; 16:7-11; 1 Co 2:11-16), comparado (1) ao orvalho do monte mais alto do Norte, 2800 m, cujas neves eternas no seu cume regulam a temperatura amena em toda a Palestina e (2) ao óleo de unção (Ex 30:22-33), exclusivo para a unção do sumo-sacerdote, simbolizando a exclusividade do batismo no Espírito Santo somente realizado por Jesus (133: 3; Jo 1:32-34 e At 2:33). Só a comunhão com o Senhor é lugar (1) de vida e (2) de bênção.

Salmo 134. Bendizei ao Senhor. A conclusão para a coleção dos salmos dos peregrinos é o convite a louvar o Senhor. Paulo escreveu um salmo (Ef 1:2-14) enfatizando a salvação em Jesus Cristo e também convida a ‘Bendizer o Senhor’. O servo do Senhor (1) deve louvá-Lo, dia e noite, quando estiver no Templo (134:1), assim como (2) fora do Templo (134:2). A bênção do Senhor é permanente para todos os povos (129:8 e 134:3). Entre os pequenos ‘cânticos dos degraus’, encontra-se, como temática: (1) segurança contra a maldade (120-121 e 123-125), (2) alegria por estar em Jerusalém (122 e 126), (3) a bênção na família (127-128), (4) consolo para a alma aflita (129-131) e (5) dádivas do Senhor (132-134). Como ‘cânticos espirituais’ (Ef 5:18-21; Cl 3:16), têm profunda mensagem e devem ser lembrados pelo caminho.

Cânticos de Romagem - 1

Salmo 120. Clamor de um Peregrino. Os Salmos 120-134 são denominados Cânticos dos Degraus ou Romagem (Shir = cântico, hammaaloth = subida). Acredita-se que eram cantados a caminho do Templo ou na peregrinação de retorno do exílio (Ed 7:8-10). São uma coleção reunida em função da temática comum a esse grupo de salmos, posteriormente reunida a outras coleções do Saltério. Neste primeiro, um peregrino do deserto da Síria (120:5), angustia-se (120:1) porque está cansado de conviver com pessoas que detestam a paz (120:6). Eles usavam sua língua (120:2-3) para semear contendas (Tg 3:1-12). O salmista decidiu-se pela paz (120:7), por isso clama ao Senhor por ajuda. Este salmista peregrino está bem caracterizado (Tg 3:13-18) como ‘promotor da paz’ (Mt 5:9; Jo 14:27; Fp 4:4-7). 

Salmo 121. Segurança contra todo o mal. Ente os 15 salmos dos Cânticos dos Degraus, 122, 142, 131 e 133 são atribuídos a Davi, o 127 a Salomão e os outros dez são anônimos. Este é conhecido como liturgia de bênçãos, por mostrar o modo como Deus cerca de segurança os Seus servos. Como Jesus mostrou na parábola do samaritano (Lc 10:25-37), havia perigos nas estradas que conduziam o peregrino ao Templo. Um momento de dúvida por socorro (121:1), logo é desfeito pela certeza que só o Senhor pode dar (121:2). Ele não deixa (1) vacilar o pé e nem cochila, (2) guarda como sombra rente à direita (121:5), (3) nem sol, o regente do dia, ou a lua, regente da noite, se possível molestarão (121:6), (4) o Senhor guarda a alma de todo o mal (121:7), (5) o Senhor guarda a saída e a entrada (121:8). O Senhor cerca por todos os lados (Sl 139:3-5).

Salmo 122. Alegria por estar no Templo. Os Cânticos de Sião (46, 48, 76, 84, 87 e 122) marcam Jerusalém como (1) meta do peregrino (2) morada do Altíssimo Deus e (3) Trono do Reino do Messias (Ap 21:9-27). Daí a grande alegria do salmista por estar no Templo (122:1). Diante da cidade (122:2), ele passa a refletir sobre o seu grau de importância para todos os peregrinos: (1) para lá sobem as tribos do Senhor para dar graças ao Seu nome (122:4), (2) nela se encontram os tronos de justiça da Casa de Davi (122:5), (3) sejam prósperos os que oram por sua paz (122:6), (4) que a paz que experimenta resulte em prosperidade (122:7) e (5) seja o voto de todo o peregrino buscar o bem da cidade (122:8). Moisés (Ex 40:34-38), Salomão (2 Cr 7:1-3) e o rei Ezequias (Is 38:22) anelavam estar na Casa do Senhor.

Salmo 123. O Senhor salva da aflição. Trata-se de uma lamentação na qual o salmista fala em nome do todo o povo. Muito provavelmente associado ao grupo dos Cânticos de Romagem ou Degraus devido à sua temática do sofrimento (123:3-4): (1) declara ter a alma farta de desprezo, (2) e de zombaria (3) dos que estão largados a sua própria sorte. Por isso aguarda a piedade de Deus de olhos fixos no Seu socorro, com a mesma atenção dos servos às necessidades de seus senhores (123:2). Na cultura oriental, a fidelidade do servo era grande virtude (Lc 12:35-38), daí a comparação entre a expectativa atenta dos olhos de um servo comum e os olhos do servo fixos no Senhor. O fato de este salmo terminar num tom de desespero, assim como no Salmo 137:9, pode significar sua relação com o cativeiro babilônico.

Salmo 124. O Senhor sempre perto. É um contraponto em relação ao salmo anterior porque, embora se relacionando ao exílio, aponta para o livramento que impediu a destruição do povo: (1) os inimigos se levantaram contra eles (124:2), (2) na sua ira os teriam engolido vivos (124:3), (3) como se águas sem limites os submergissem definitivamente (124:4-5; Sl 42:7; Jn 2:2). O diferencial que determinou o livramento é repetido como refrão: ‘Se não fora o Senhor que esteve ao nosso lado’ (124:1-2). Uma expressão final de louvor (1) bendiz o Senhor, que livrou Seu povo das presas do inimigo (124:6), (2) libertou sua alma, como pássaro que escapa de uma armadilha quebrada (124:7) e (3) e reconheceram que seu socorro está no Deus único, criador dos céus e da terra (124:8). 

Salmo 125. Proteção eterna do Senhor. Duas comparações de estilo poético, chamadas metáforas, são feitas com relação aos que confiam no Senhor: (1) são inabaláveis como Sião, o monte sobre o qual Jerusalém estava erguida e (2) são protegidos pela presença do Senhor à sua volta, como os montes ao redor da cidade (125:1-2). Há uma certeza para o salmista: o Senhor não permitirá que Seu povo permaneça, indefinidamente, debaixo do governo (cetro) de ímpios, para que não se tornem tão iníquos quanto seus opressores (125:3). Uma oração final (135:4-5) pede (1) que Deus faça o bem (Sl 119:68), o que é de Sua essência, aos bons e retos de coração, e (2) exerça Seu juízo sobre os que se desviam e os que operam maldade. Mas sobre Israel: Shalom ‘al-Yisra’el,  ‘paz sobre Israel’, a Paz do Senhor sobre ela (125:5).

Salmo 126. Como quem sonha. Desta vez o salmista procura uma metáfora que possa expressar o tamanho da alegria dos que retornaram do exílio (126:1): houve riso, cânticos e a constatação, por parte das nações, que grandes coisas fez o Senhor por Seu povo (126:2). E o povo reconhece, na repetição do refrão que, certamente, o Senhor fez, por eles, grandes coisas, razão de sua alegria (126:3). Numa oração final, o salmista anônimo pede (1) que o Senhor restaure a sorte do povo, como a água corrente de ribeiros não perenes (126:4), (2) reconhece que, mesmo havendo lágrimas (Mt 5:4), como ocorreu (126:5), haverá júbilo posteriormente (Ed 3:10-13) e (3) que as provações são passageiras para o peregrino que hoje chora mas que, posteriormente, vai rir (126:6)    

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Uma tenda para o sol

 

¹⁶ "Fez Deus os dois grandes luzeiros: o maior para governar o dia, e o menor para governar a noite; e fez também as estrelas. ¹⁷ E os colocou no firmamento dos céus para alumiarem a terra."

   A narrativa da Criação, no Gênesis, tem uma personalidade poética. Começa dramática, quando afirma que, para criar, Deus resgata a terra de uma condição disforme.

  Mas a primeira afirmação já é estado de pura arte. Porque criação é arte. E dizer que, no princípio, criou Deus os céus e a terra é demarcar toda a beleza da Criação diante de nossos olhos.

  Tudo o que vemos na terra e tudo o que vemos nos céus. E olhem que o homem daquela época, considerado primitivo em sua percepção, anota os traços de beleza em sua descrição.

  Porque insere a ordem, etapa por etapa, dia a dia de tudo, como Deus vem fazendo, para enfim, quando a terra está pronta e fértil, plantar um jardim. Não poderia desenhar com maior primor essa última obra.

   Para nele colocar a obra prima, criados à Sua imagem e semelhança, homem e mulher os criou. Não haveria lugar melhor, de maior primor, cuidado e perfeição no planeta que não fosse o Éden.

  Pois em suas limitações, o homem daquela época descreve a Criação. O homem atual, que olha com descrença e reducionismo o que está descrito no Gênesis, torna-se muito menor diante da complexidade que descobre.

   Não deveria ser tão estúpido. Porque longe de negar todos os detalhes do Artífice Altíssimo em Sua Criação, esse homem pseudo moderno é quem constata toda a complexidade dessa mesma criação.

  Descortina-se um universo, tanto microscópico, quanto mascroscópico, porém assombroso. Olhando errado para a narrativa do Gênesis, avaliam-na como simplista. Ela não é, mas sim poética. Poesia é o recurso que se usa quando, diante de um quadro sublime, não somos suficientes para descrever.

   Ou quando, tomados por beleza, deslumbramento e sensibilidade não há como se expressar. Como o salmista, que descreve o sol em seu percurso:

⁴ "Aí, pôs uma tenda para o sol, ⁵ o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. ⁶ Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor." Sl 19.

  O governo do sol. Sem ele, não haveria vida no planeta. O governo do sol é uma dádiva. Não há, nunca houve um nascer ou pôr de sol idêntico a qualquer outro. E o poeta deste Salmo acrescenta:

² "Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. ³ Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; ⁴ no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo". Sl 19.

  Sol, durante o dia, a lua durante a noite. Como é bela. Para ela podemos olhar sem ser molestados pela intensidade de sua luz. Ela reflete a luz do sol.

   Nesse espaço imenso, há um único lugar moldado pela ciência divina: o planeta terra. Olhar céu e terra, a multidão de estrelas, que Deus sugeriu a Abrão mirar, dizem da sabedoria de Deus.

   Sem linguagem ou palavra, faz-se ouvir Sua voz. Ensurdece. Talvez seja por isso tanto desespero em encontrar água, pelo menos água em qualquer outro lugar, qualquer outro planeta, na lua ou em qualquer outro satélite, em qualquer pedaço de rocha asteroide vagando órbita errante.

   Há, para o incrédulo, uma tremenda necessidade de fugir do óbvio: há Autor e sua Criação. Não há como negar. Porque aí, Deus pôs uma tenda para o sol.

sábado, 12 de outubro de 2024

Efeitos do evangelho - Carta aos Gálatas 3

   Aos Gálatas, Paulo se expõe como exemplo. Enuncia, passo a passo, o efeito do evangelho em sua vida. Lucas, ao descrever sua ação em Atos dos Apóstolos, indica potencial e efeito dela, dizendo como Paulo "assolava" a igreja:

"Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria. Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram grande pranto sobre ele. Saulo, porém, assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere." At 8 .

    Por isso Paulo descreve o efeito do evangelho em sua vida. Porque foi Deus que nele operou essa mudança. E segue pari passu o que aconteceu com ele: Gl 1:

1. O evangelho não é de expediente humano:

11 "Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem":  O evangelho não provém ou não se constitui em expediente humano. 

2. É concedido mediante revelação de Jesus.

12  "...porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo."

3. O evangelho opera conversão:

13 "Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava".

4. É superior a qualquer outra tradição:

14 "E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais."

5. Deus chama, separa e revela o Filho:

15 "Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve 16 revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, sem detença, não consultei carne e sangue".

   Estes são os passos iniciais indicados por Paulo, que se aplicam a qualquer um que ouça, acolha e creia no evangelho. Daqui para adiante, no texto, o apóstolo falará de sua vocação pessoal e de como recebeu autoridade para ser apóstolo e profeta do evangelho:

1. Uma vez convicto de seu chamado, Paulo retirou-se para íntima e individualmente preparar-se como vocacionado:

¹⁶ "...sem detença, não consultei carne e sangue,17 nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia e voltei, outra vez, para Damasco."

2. Confirmada a sua vocação, compartilhou o seu chamado com os demais apóstolos:

18 "Decorridos três anos, então, subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas e permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos apóstolos, senão Tiago, o irmão do Senhor."

3. Participa de um início em comunidade exercendo, como num estágio inicial, o seu ministério:

20 "Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto. 21 Depois, fui para as regiões da Síria e da Cilícia. 22 E não era conhecido de vista das igrejas da Judeia, que estavam em Cristo."

4. O preparo inicial repercute como confirmação ampla de sua vocação no contexto da igreja:

23  "Ouviam somente dizer: Aquele que, antes, nos perseguia, agora, prega a fé que, outrora, procurava destruir. 24 E glorificavam a Deus a meu respeito."


   Nesse início da carta aos Gálatas, Paulo descreve o modo como ele ou qualquer novo convertido recebe a bênção do evangelho e ainda como, oportunamente, pode ser vocacionado para ser autorizado ministro  desse mesmo evangelho.