quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Distância zero

 O zero - 0 - como número tem uma longa história. Chegou ao português, a partir do francês zéro que, por sua vez, herdou do italiano zéfiro.

  Este um deus grego do "Vento Oeste", filho de Eros e Astreu quem, por esporte, fecundava as éguas da Lusitânia, tornando seus filhos cavalos super velozes.

  Esse nome provém do latim medieval zephirum, por sua vez proveniente de safira, árabe, traduzindo o sânscrito śūnya. Este o longo percurso.

   Safira, em árabe, signfica nada ou vazio. Quem aplicou esse conceito à noção atual, como valor numérico, foram os indianos, em 600 a. C., prontamente aceito pelos próprios árabes.

  Foi um matemático, Leonardo Fibonacci (1170-1250), introdutor do sistema decimal na Europa, herança árabe, que escolheu o nome de batismo zephyrum, daí zefiro, como vimos e, por fim, pelo italiano, zero. Chegou à língua inglesa, com sutil sotaque de pronúncia, somente em 1598.

   Puxa! Com esse histórico acima, já não "tiro zero", expressão esta uma das mais utilizadas pela estudantada em geral. O sistema decimal, de 0 a 10, "pegou", definindo a escala das notas escolares.

   Na matemática, caso fique à direita de qualquer outro número, multiplica por 10 e, à esquerda, divide pela mesma quantidade. Nesta condição, de 1/10, é o terror dos avarentos, que avaliam o dízimo como a maior quantia absurda do mundo.

   Mas isso já é outra história. Na física, como medida, indica nulo em qualquer unidade. E na digitação, tornou-se essencial à linguagem cibernética. Mas aqui desejo destacar a distância. Quando é zero, chegou-se ao ponto visado ou se está colado.

    E ainda a física afirma que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Ou que, numa colisão, fundem-se (choque inelástico) ou repelem-se na mesma intensidade (elástico), como no bilhar.

    Se colados um no outro, serà distância zero. Pois esta é a distância para Deus. Pensar que é um ser distante, infinitamente longe, não será, nem matemática, física ou teologicamente exato.

   Não é infinita a distância para Deus. Ela é distância zero. Porque Deus mesmo estabelece comunhão. E comunhão é distância zero. Quem crê no Filho, por receber o Espírito Santo, tem com Deus comunhão instantânea.

   Mas se pode questionar, ora, então que natureza de distância há entre Deus e o homem? As Escrituras respondem que, na verdade, há separação agônica, devida ao pecado. Isaías, o profeta, ilustra essa afirmativa, assim como Paulo Apóstolo, estar "sem Deus no mundo":

¹ "Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder ouvir. ² Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça." Is 59.

¹² "...naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo." Ef 2.

   Mas tal situação é zerada pela ação de Deus. A autenticação da fé permite acesso ao que o Filho fez na cruz. Hebreus afirma que, pelo Espírito eterno, Jesus se ofereceu a Deus como sacrifício completo, definitivo e irrepetível, Hb 9:

¹⁴ "... muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!"

  Portanto, torna-se zero a distância. Definitivamente, dois corpos ocupam o mesmo lugar no espaço. E ainda as Escrituras esclarecem que tal comunhão é ainda mais íntima devido à presença do Espírito em nós.

¹² "Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente." 1 Co 2.

   Nada impede o acesso a Deus por parte de quem, em Jesus Cristo, pelo que Ele realizou na cruz, põe a sua fé. Quanto a dois corpos no mesmo espaço, ora, conhecemos Deus por meio do que as Escrituras informam e do modo como o fazem.

   Distância zero não signfica presença física. Porque o que é físico é criação de Deus e Ele não é feito da matéria que ele mesmo criou. Não significa sensação, porque o que sentimos está condicionado às nossas flutuações de humor.

   E não vamos conseguir, por eles, pelos sentidos, nossos mediadores de comunicação com o mundo à nossa volta, manter contato com Deus. Além de raras essas oportunidades, mesmo nas Escrituras, até costumaram ser, impropriamente, argumento para graus de espiritualidade.

   Não vamos ouvir vozes, ver coisas, sentir calafrios, enfim. Aliás, pelas Escrituras, e elas mesmas afirmam, nossa comunicação com Deus, ouvindo-O falar, é direta. Compreendê-las é o essencial. E essa ideia é antiga.

³ "E leu no livro, diante da praça, que está fronteira à Porta das Águas, desde a alva até ao meio-dia, perante homens e mulheres e os que podiam entender; e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei." Ne 8.

⁶ "Ele era escriba versado na Lei de Moisés, dada pelo Senhor, Deus de Israel; e, segundo a boa mão do Senhor, seu Deus, que estava sobre ele, o rei lhe concedeu tudo quanto lhe pedira." Ed 7.

  Acima, nesse texto, trata-se de Esdras, definido como "escriba versado na Lei de Moisés dada pelo Senhor". Estamos na metade do século 5⁰ antes de Cristo. Nesse tempo, leram toda uma manhã, perante todos "os que podiam entender".

   Deus ali falou "diante da praça". Deus fala. E Jesus, nosso mediador entre Deus e os homens, as próprias Escrituras chamam de "o Verbo que se fez carne". Sim, é com o entendimento. É por meio da mente. É com os ouvidos.

⁵ "Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, ⁶ o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos." 1Tm 2.

¹⁴ "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. Jo 1.

    Como diz o Salmo 19, pode até não haver linguagem e nem palavra, mas por toda a terra se faz ouvir essa voz. São os ídolos que tem boca, mas não falam, olhos, mas não veem, ouvidos, mas não ouvem, diz o Salmo 115.

³ "Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; ⁴ no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo". 

⁴ "Prata e ouro são os ídolos deles, obra das mãos de homens. ⁵ Têm boca e não falam; têm olhos e não veem; ⁶ têm ouvidos e não ouvem;  têm nariz e não cheiram. ⁷ Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta. ⁸ Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem." 

   Deus fala, ouve, age, vê, enfim, comunica-se. Está perto. Em comunhão. Distância zero. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. E ainda que não "sinta", que seja "o vale da sombra da morte", Deus está e Sua vara e cajado consolam.

domingo, 24 de novembro de 2024

Coisas de Pedro - fraternidade e amor - Final

   Pedro enumera um sequência obrigatória para se alcançar amor. Este é apresentado como essencial, desde que João começou a escrever sobre esse tema. Em sua 1ª carta afirma, vejamos os textos:

⁵ "...por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; ⁶ com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; ⁷ com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor." 2Pe 2:

⁷ Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. ⁸ Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor." 1Jo 4.

  Talvez o capítulo das Escrituras onde a palavra amor mais aparece. Uma verdadeira aula sobre o tema. Já havia escrito sobre isso em Jo 15, quando registrou as palavras de Jesus:

¹⁰ "Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço."

   E Paulo Apóstolo demonstra como é essencial, na igreja, a escola, o ensino e aprendizado do que signfica amar, segundo as Escrituras:

¹⁸ "... a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade ¹⁹ e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus." Ef 3.

   O texto de Pedro, das "coisas que conduzem à vida e à piedade", tornando-nos "co-participantes da natureza de Deus", juntamente com o texto do fruto do Espírito, Gl 5,22-23, e aquele das bem-aventuranças, Mt 5,1-12, enuneram características moldadas em bloco em nossa natureza humana.

   Todas, como indica Pedro, a elas temos acesso por fé. Não são obrigatórias, no sentido de uma imposição, mas essenciais, no aspecto de nossa identidade. Todas são aprendizado, Jesus é o modelo de todos e a igreja é a escola.

    Sim, como se não existissem ou fossem impossíveis sem a igreja. Mas igreja como concepção de Jesus, efeito da ação do Espírito Santo nos que creem. Jesus mesmo disse, numa de suas últimas palavras, ao ser assunto aos céus:

⁸ "... mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra." At 1.

   E todas essas características são divinas, aplicadas a nós por amor, pela mediação do Espírito, tendo em Jesus Cristo sua matriz. E o lugar de sua manifestações sempre será na comunhão essencial da igreja, para testemunho flagrante no mundo.

²⁰ "Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; ²¹ a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste."

   Nem o lugar, não também a instituição, nem um movimento, também não uma religião. A igreja é comunhão. Quando Pedro enuncia, pela ordem o que, reunindo toda a nossa diligência devemos nos empenhar em realizar, visa o amor.

   E isso se chama igreja.

¹⁶ Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. [...] ¹⁸ e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela." Mt 16.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Cânticos no Apocalipse - 2

 ⁹ "Quando esses seres viventes derem glória, honra e ações de graças ao que se encontra sentado no trono, ao que vive pelos séculos dos séculos, ¹⁰ os vinte e quatro anciãos prostrar-se-ão diante daquele que se encontra sentado no trono, adorarão o que vive pelos séculos dos séculos e depositarão as suas coroas diante do trono, proclamando:

¹¹ Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas." Ap 4.

   A fala dos Seres Viventes torna-se ensejo para mais um hino de louvor a Deus. Os 24 anciãos, a esse sinal, prostram-se para adorar a Deus, depositando suas coroas diante dEle e proclamam o cântico.

   Glória, honra e poder são votados ao Senhor, como único digno, e as razões são detalhadamente expressas: Deus é o criador, por bondade voluntária, sem o que nada do que existe tenha surgido.
³ "Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem." Hb 11.

   Tanto a natureza, quanto o primeiro casal, assim como todo o universo infinito são obra de Deus. Na terra, plantou um jardim e pôs nele o casal, homem e mulher, que criou à Sua imagem e semelhança.

   Essa primeira exaltação, no Apocalipse, no início de todo o drama, reporta tanto ao início, no Gênesis, como ao início, em João: aquela, de toda a criação e esta, do plano eterno de encarnação do Verbo, para a redenção de toda a humanidade.

¹ "No princípio, criou Deus os céus e a terra. ² A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas." Gn 1.

¹ "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. ² Ele estava no princípio com Deus. ³ Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. ⁴ A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. ⁵ A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela." Jo 1.

   Pois a dignidade, honra e glória somente a Deus devidos, correspondem ao propósito de Sua bondade, com relação a toda a criação, especificamente para com homem e mulher, alvo e reflexo da bondade de Deus que, mesmo ainda antes da criação nos ama:

³ "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, ⁴ assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor ⁵ nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade," Ef 1.

   O Apocalipse configura os acontecimentos definitivos da história. Muito em sua composição consta em trechos da literatura apocalíptica do Antigo Testamento. O desfecho dos propósitos de Deus ao longo da história, assim como no destino de sua obra, na criação, estão definidos.

   Portanto, percorrendo todo o livro, será possível testemunhar, pelo agir de Deus, a partir do trono no céu, os atos finais de Seu juízo e desígnios com relação à salvação, bem como da restauração de toda a criação, assim delineados.

   A cada passo, até mesmo quando astros celestes constituem-se em sinais, oceanos, rios e todas as águas previnem e avisam que toda a natureza testemunha e anuncia o epílogo de toda a saga da humanidade.

¹⁹ A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. ²⁰ Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, ²¹ na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. ²² Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. ²³ E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo." Rm 8.

  Esta exaltação inicial predispõe e previne todo o drama, assim visto em seu todo, incluindo homem e mulher, criados à imagem e semelhança de Deus, redimidos pela dádiva do Filho, assim como refletida em toda a criação, sejam astros, toda a natureza incluída e demarcada na história da humanidade.

Cânticos no Apocalispe - 1

 ⁸ "E os quatro seres viventes, tendo cada um deles, respectivamente, seis asas, estão cheios de olhos, ao redor e por dentro; não têm descanso, nem de dia nem de noite, proclamando: Ap 4:

Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir." 

   A primeira voz que ecoa no cenário celestial, para onde João foi convocado, pela mesma voz que a ele se dirigiu, por ocasião da escrita das cartas, dizendo:
¹ "Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas." Ap 4.

  Uma vez descrito o cenário, delineado em 4,2-7, agora ele vê e ouve o pronunciamento contínuo dos quatro seres viventes assim apresentados, com antecedentes nas Escrituras, respectivamente nos livros de Isaías e Ezequiel.

² "Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam. ³ E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória." Is 6.

⁵ "E do meio dela saía a semelhança de quatro seres viventes. E esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem. ⁶ E cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas." Ez 1.

    Além de proclamar "Santo, Santo, Santo", como se fosse uma advertência, sua própria atitude reflete o temor somente a Deus devido. As seis asas já simbolizam o resguardo cuidadoso diante da presença excelsa.

  Duas cobrem o rosto, duas cobrem os pés, vedado seja ver ou postar-se diante de Deus, e com outras duas revoam, como advertindo que, vigilantes, ninguém jamais se aproxime.

  E os olhos por todos os lados já sugerem essa vigilância permanente. É urgente e imprescindível entender que o acesso a Deus, inadvertidamente, é proibido.

  Não pela vontade consciente de Deus, como se nEle operasse repugnância, mas pela condição humana pecaminosa. Por isso, as vozes que não cessam de repetir "Santo, Santo, Santo", advertem ser bom senso manter-se longe.

   Mas todas as Escrituras ensinam que a santidade é única e original em Deus, porém condicionalmente atribuída a nós, que a perdemos no Éden. Mas, por um gesto dEle e, por toda a vida, constitui-se num aprendizado como, ainda no Pentateuco, ensina o Levítico e, no Novo Testamento, Hebreus e Tito:

⁹ "E do sangue da expiação do pecado espargirá sobre a parede do altar, porém o que sobejar daquele sangue espremer-se-á à base do altar; expiação do pecado é." Lv 5.

²² "...e sem derramamento de sangue não há remissão. [...] ²⁴ Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus; [...] ²⁶ Mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo." Hb 9.

¹¹ "Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, ¹² educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente." Tt 2.

  E nesse início de ação, no Livro, quando se está diante de todo o processo final, do drama teatral do desfecho da história humana, é necessário frisar que toda a ação que segue provém de um Deus santo frente a uma humanidade iníqua.

   Que não tem escrúpulos em acolher o pecador, porém provê o livramento para esse mal. Sendo que a rejeição é, sim, opcional, mas a exposição ao juízo e suas consequências é obrigatória.

  O mal não é impune. É corriqueiro que o ser humano faça as suas escolhas, mas não queira aceitar as consequências. Deus é amor, sendo a maior prova a dádiva do Filho em lugar de redimir o pecador.

   Mas não inocenta o culpado. O pecado não se constitui numa condição sob controle humano, como se constiuísse escolha diletante, opção pelo sim, pelo não.

  É uma afronta a Deus, é contra o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, é contra o outro, contra a vida, enfim, uma violação da santidade de Deus.

   Daí a contínua advertência "Santo, Santo, Santo", incessante, solene e definitiva: Deus há de julgar o mundo e ninguém ficará isento diante desse juízo. Ainda que contrariado, condição típica do pecado, por se dispor contra a bondade divina, é aconselhável ao pecador que, enquanto há tempo, clame misericórdia.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Zacarias e o testemunho de Jesus

 Zacarias foi contemporâneo de Ageu, os dois profetizando em 520 a. C., com ênfase na reconstrução do Templo, em Jerusalém. Zc 4.

¹⁰ "Pois quem despreza o dia dos humildes começos, esse alegrar-se-á vendo o prumo na mão de Zorobabel. Aqueles sete olhos são os olhos do Senhor, que percorrem toda a terra."

   Este clássico texto do profeta indica, a um só tempo, a promessa da obra concluída, assim como a liderança marcante de Zorobabel. Ele acompanhou a primeira leva de povo que retornou do exílio em Babilônia, em 535 a. C.

   Mais duas levas, respectivamente com Neemias, lider da reconstrução dos muros, e Esdras, reconstrutor do Templo, marcaram essa época. Ambos, Neemais e Esdras, como Zorobabel, homens cheios do temor de Deus.

   Zacarias também se destaca por suas profecias messiânicas, assim como, detalhe acima mencionado, dos simbólicos 7 olhos do Senhor, pela porção de literatura apocalíptica de seu livro.

    Messiânica é a profecia do despojamento, aos olhos humanos, do rei que entra em Jerusalém montado num jumentinho, Jesus, o personagem principal de todas as Escrituras, sendo sua primeira vinda o principal sinal de sua segunda vinda:

⁹ "Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta." Zc 9.

     NEle e por meio dEle a certeza de que o pecado está expiado, ou seja, totalmente esgotado, pago todo o preço num só dia, num só gesto, num só sacrifício, como também afirma o autor anônimo da carta aos Hebreus:

¹ "Naquele dia, haverá uma fonte aberta para a casa de Davi e para os habitantes de Jerusalém, para remover o pecado e a impureza." Zc 13.

²⁶ "Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus, ²⁷ que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu." Hb 7.

    Zacarias reporta-se à promessa futura quando Israel, que agora rejeita, enfim, porá olhos de fé no Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, como anunciou João Batista, o maior entre os profetas.

   O Messias tão aguardado, que já veio, como também apontou Pedro Apóstolo, o que dEle fizeram, traspassando o Autor da vida: Zc 12.

¹⁰ "E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito da graça e de súplicas; olharão para aquele a quem traspassaram; pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele como se chora amargamente pelo primogênito."

¹³ "O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou a seu Servo Jesus, a quem vós traístes e negastes perante Pilatos, quando este havia decidido soltá-lo. ¹⁴ Vós, porém, negastes o Santo e o Justo e pedistes que vos concedessem um homicida. ¹⁵ Dessarte, matastes o Autor da vida, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas." At 3.

   A menção ao futuro da nação de Israel vem associada à simbologia típica da literatura apocalíptica. Surge esse gênero coincidindo com a derrocada final de Israel, no colapso do reino do sul, em 586 a. C.,  pela invasão babilônica, quando perdem terra, trono e templo.

    O retorno à Palestina se deu em 535 a. C., mas a restauração final completa, além de Israel, incluiu todas as demais nações, agora reconhecidas como igreja, que em si reúne todos que crerem no Messias. O Apocalipse, único livro profético do Novo Testamento, menciona "toda tribo, língua, povo e nação": Ap 5:

⁹ "... e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação". 

   Daniel, Ezequiel e Zacarias exploram esse gênero de típicas visões, posteriormente reunidas também no Apocalipse. Por exemplo, a visão dos cavaleiros na abertura do 1⁰ selo.

   Assim como a visão do anjo vestido de branco, com um cordel de medir à mão, retomada de Ezequiel, além daquela do par de ramos de oliveira, a ser retomada, no Apocalipse, desta vez citação de Zacarias, aplicada às duas testemunhas que profetizam:

⁸ "Tive de noite uma visão, e eis um homem montado num cavalo vermelho; estava parado entre as murteiras que havia num vale profundo; atrás dele se achavam cavalos vermelhos, baios e brancos." Zc 1.

¹ Tornei a levantar os olhos e vi, e eis um homem que tinha na mão um cordel de medir. ² Então, perguntei: para onde vais tu? Ele me respondeu: Medir Jerusalém, para ver qual é a sua largura e qual o seu comprimento." Zc 2.

¹ "Tornou o anjo que falava comigo e me despertou, como a um homem que é despertado do seu sono, ² e me perguntou: Que vês? Respondi: olho, e eis um candelabro todo de ouro e um vaso de azeite em cima com as suas sete lâmpadas e sete tubos, um para cada uma das lâmpadas que estão em cima do candelabro. ³ Junto a este, duas oliveiras, uma à direita do vaso de azeite, e a outra à sua esquerda. ⁴ Então, perguntei ao anjo que falava comigo: meu senhor, que é isto?" Zc 4.

   O percurso e a instrução da literatura apocalíptica, como ensina Daniel, é despertar o estado de alerta, sem pestanejar, para o cumprimento de toda a profecia, da qual Jesus é o principal indicador. Desperte-se a curiosidade e aumente-se a sabedoria:

⁴ "Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará." Dn 12.

¹⁰ "... mantêm o testemunho de Jesus; adora a Deus. Pois o testemunho de Jesus é o espírito da profecia." Ap 19.

    Essa perda total de Israel, como havia sido apontada por Isaías, o "restante fiel", foi o cursor da profecia até a vida de Jesus. No exílio, Israel aprende a valorizar as Escrituras, lidas no espaço mais similar ao que hoje se constitui igreja, que foi a sinagoga.

  Por ela Paulo iniciava sua pregação, como ele mesmo demarcou sua estratégia, "primeiro aos judeus e também aos gregos", pois nela estavam as Escrituras, pelas quais ele sempre iniciou a exortação em atender ao evangelho, como foi em Listra, após a cura de um coxo:

¹⁵ "...e vos anunciamos o evangelho para que destas coisas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles; [...] ¹⁷ contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo". At 14.

   E não se distraia, como Mateus, atribuindo a Jeremias, outro sinal profético indicado por Zacarias:

¹² "Eu lhes disse: se vos parece bem, dai-me o meu salário; e, se não, deixai-o. Pesaram, pois, por meu salário trinta moedas de prata. ¹³ Então, o Senhor me disse: Arroja isso ao oleiro, esse magnífico preço em que fui avaliado por eles. Tomei as trinta moedas de prata e as arrojei ao oleiro, na Casa do Senhor." Zc 11.

   Além de estimular, com Ageu, o retorno à constatação do Templo de Jerusalém, finalmente consagrado com festa, por Esdras, Zacarias projeta o dia final, o Dia do Senhor, o mais esperado pelos que creem na redenção final, demarcada na agenda de Deus, anunciada no decorrer de toda a história:

¹ "Ora, os profetas Ageu e Zacarias, filho de Ido, profetizaram aos judeus que estavam em Judá e em Jerusalém, em nome do Deus de Israel, cujo Espírito estava com eles." Ed 5.

¹⁶ "Os filhos de Israel, os sacerdotes, os levitas e o restante dos exilados celebraram com regozijo a dedicação desta Casa de Deus." Ed 6.

⁹ "O Senhor será Rei sobre toda a terra; naquele dia, um só será o Senhor, e um só será o seu nome." Zc 14.

domingo, 17 de novembro de 2024

O pouco essencial

 ⁴¹ "Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. ⁴² Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada." Lc 8.

   Pouco é necessário. Não nos contentamos com o pouco. Lembrem-se de que não se contentar com o pouco é uma tentação constante. A pretensão pelo muito ou pelo tudo constituiu Satanás:

¹³ "Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; ¹⁴ subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo." Is 14.

   O próprio Jesus foi tentando por Satanás a ambicionar o muito:

⁶ "Disse-lhe o diabo: Dar-te-ei toda esta autoridade e a glória destes reinos, porque ela me foi entregue, e a dou a quem eu quiser. ⁷ Portanto, se prostrado me adorares, toda será tua. ⁸ Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele darás culto." Lc 4.

  Jesus destaca o perigo da inquietação, pelo foco fora do essencial. Exorta a considerar o pouco, e afirma do que se trata, o que ele destaca como a melhor parte, que nunca será tirada de quem a escolhe.

   Num versículo anterior mostra o foco escolhido por Maria:

³⁹ "Tinha ela uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos." Lc 10.

   Qual o lugar de sentar aos pés de Jesus hoje para lhe ouvir os ensinamentos? Em casa? No trabalho? Na rua? Na igreja? Podemos hierarquizar essa importância?

   Todos concordamos que a Bíblia será central na opção por ouvir a palavra de Jesus. Seria somente no Novo Testamento? Há uma edição da Bíblia que traz, em vermelho, as palavras de Jesus.

  Teríamos de adquirir? Não seria preciso. As palavras de Jesus não estão hoje somente no Novo Testamento. Estão em toda a Bíblia. Porque ele mesmo prometeu que o Espírito Santo nos vai lembrar suas, de Jesus, palavras:

¹³ "... quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. ¹⁴ Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. ¹⁵ Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar." Jo 16.

   Toda a Escritura é inspirada por Deus. Portanto, quando a lemos (e se a lemos), vamos ouvir e vamos atender à voz de Deus. 2 Tm 3:

¹⁶ Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, ¹⁷ a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra."

   Podemos ouvir a voz de Deus, guardada na memória o que ouvimos e lemos da Bíblia. Vai fazer toda a diferença, quando tivermos que fazer nossas escolhas. Essencial aplicar isso na vida, assim como ensinar a outros:

 "Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; ⁷ tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. ⁸ Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. ⁹ E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas." Dt 6.

   Até aqui, podemos dizer que, caso façamos esta escolha, de ter a Bíblia perto, ao alcance dos olhos, do entendimento e do coração, estaremos perto desse pouco, dessa melhor escolha, que nunca nos será tirada.

   Que outro lugar, além da nossa casa, em nossa intimidade com a palavra, podemos encontrar a Bíblia e reconhecer que seu efeito, sua leitura é essencial?  Seria na igreja?
 
   A referência é a igreja. Será a partir dela que a casa poderá ser alcançada. Jesus chamou a partir da casa e da família para fora, para então reenviar ao mundo. Por isso que ele diz que pode haver uma quebra na relação familiar:

³⁴ "Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. ³⁵ Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. ³⁶ Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa." Mt 10.

   O chamado de Jesus é para fora da condição humana natural. Nenhuma relação humana está acima da relação com Deus. É a relação com Deus que vai restaurar todas as relações humanas.

   O amor de Deus em nós é que vai restaurar em nós todas as relações. Deus refunda a nossa vida. Refunda todas as nossas relações. Somente uma família restaurada vai compreender a importância disso.

   Não podemos confundir nascimento biológico com novo nascimento. Jesus ensinou a Nicodemos. Ninguém nasce salvo. Nem em meio a um povo escolhido e nem numa casa de bem nascidos.

   Paulo ensina o que é ser errante no mundo:
¹² "... naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo." Ef 2.

   E não foi a família que nos trouxe a Jesus. Ainda que alguém de sua casa lhe tenha evangelizado primeiro. Pode ter acontecido assim, como pode acontecer o contrário, ou seja, para você ser ajustado na ou à ou como igreja, fazer o contrário do que alguém de sua casa faz.

  Como pode também haver, em casa, um excelente exemplo não seguido. Que terá sido um excelente exemplo de igreja:

¹⁷ "E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto; ¹⁸ porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. ¹⁹ Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus." Ef 2.

   O pouco, a parte que nunca nos será tirada, passa pelas Escrituras, essencialmente, como ela preside a igreja, derivando dela para o mundo, dela para casa e com ela em todos os lugares.

  Quando Jesus, com apenas cerca de 12 anos, surpreendeu, no Templo, os chamados "doutores da lei", não foi o local, em si, que se tornou essencial, mas o enfoque dado às Escrituras.

   E quando em outro espaço essencial, na Sinagoga, Jesus expôs as Escrituras, ainda que houvesse sido rejeitado, marcou com sua pessoa o essencial na interpretação da Palavra de Deus:

¹⁶ "Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. ¹⁷ Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: ¹⁸ O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, ¹⁹ e apregoar o ano aceitável do Senhor." Lc 4.

   Jesus é o referencial de sua própria palavra e nos chama para fora, à salvação, para nos devolver salvos à vida. Chama para fora da vida biológica, da família biológica, para dentro da comunhão de sua igreja, para nos tornar família de Deus.

   E como família de Deus, escolher o essencial, o pouco de Deus, parte que nunca nos será tirada, proclamando "o ano aceitável do Senhor" Jesus.

sábado, 16 de novembro de 2024

Ageu e a avareza

 ⁵ Ora, pois, assim diz o Senhor dos Exércitos: Considerai os vossos caminhos. ⁶ Semeais muito, e recolheis pouco; comeis, porém não vos fartais; bebeis, porém não vos saciais; vestis-vos, porém ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o num saco furado." Ag 1.

  Ageu é o profeta do saco furado. Ele fala sobre dinheiro. Algo muito sensível. Alguém já disse "bom servo e péssimo senhor."

   Falar sobre dinheiro é falar sobre posse. Ilusão, porque não somos donos nem de nossa vida, o maior dom. Aliás, as maiores riquezas o dinheiro não compra.

  O autor anônimo de Hebreus menciona isso, quando fala do que vai passar à eternidade e como se dá esse acesso:

²³ "Era necessário, portanto, que as figuras das coisas que se acham nos céus se purificassem com tais sacrifícios, mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios a eles superiores."

  As "coisas celestiais" somos os que cremos no acesso, pelo sangue de Jesus, sem dinheiro e sem preço:

¹ "Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite." Is 55.

   Seja incrédulo, seja crente, não é dono de nada, principalmente da vida, todos vamos dar no cemitério, destino democrático. Será muito bom se, antes, entregar a vida a Jesus.

   Hipotecar a vida inteira. Somente assim, dando-se, é que tudo o mais se consagra. Uma das mais estúpidas discussões é sobre o 1/10, popularmente chamado dízimo.

   Nunca foi obrigatório. Nada na Bíblia é obrigatório. O exemplo mais bíblico de oferta voluntária está no AT, em Êxodo 35:

²⁹ Todo homem e mulher, cujo coração voluntariamente se moveu a trazer alguma coisa para toda a obra que o Senhor ordenara se fizesse pela mão de Moisés; assim os filhos de Israel trouxeram por oferta voluntária ao Senhor."

   Se teu coração não te mover, não faça. Mas reconheça que a avareza te persegue. É melhor mudar o coração. No AT, 1/10 dados por todos, sustentava a tribo do cerimonial, do culto, da instrução pela palavra, os Levitas.

   Eles não tinham campos, posse, trabalho: porque sua vocação era o culto, o louvor pelos cânticos, a instrução pela Palavra. Eram sustentados especificamente para isso.

   Evidente que, ora falhava o sustento, ora falhava o ministério deles, ou os dois. Muitos reis piedosos restauraram esse expediente vital, como Davi, que o instituiu, Josafá, que enviou levitas para ensinar a Palavra, e Josias, que reformou o Templo, resgatou o culto e a Páscoa, e encontrou esquecido o livro da Lei.

   O dízimo, no Novo Testamento, também deveria sustentar a igreja, em todos os seus compromissos. Sejam os serviços do templo, sua manutenção e quem nele trabalha, seja o pastor e os missionários da igreja.

   Com sustento digno. Para cobrir todas as despesas justas. Trata-se de um privilégio. E é tão sério que um dos mais assombrosos exemplos de disciplina de Deus, na Bíblia, ocorreu por causa de avareza, justo com o casal Ananias e Safira, ironicamente aqui o nome de uma pedra preciosa:

⁹ "Então Pedro lhe disse: Por que é que entre vós vos concertastes para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu marido, e também te levarão a ti. At 5.

  O levita Barnabé, na comunidade primitiva, havia vendido toda a sua herança, para ofertar à igreja. O casal ricão do pedaço achou que não poderia ficar mal na fita, só por isso.

   O coração deles não estava nisso. Mas não se preocupe: mesmo sendo avarento, nem você, nem sua esposa vão infartar "no altar". Apenas não serão voluntários com o Senhor.

⁵ "Sendo assim, fazei morrer tudo o que pertence à natureza terrena: imoralidade sexual, impureza, paixão, vontades más e a ganância, que também é idolatria." Cl 3.

   A família de Castor de Andrade, no Rio, famoso bicheiro desde os anos 60, matou-se entre si por causa do dinheiro. Primos se mataram, cunhado assassinado, sobrinho também e filhas gêmeas deste que se odeiam.

¹ De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam? ² Cobiçais, e nada tendes; matais, e sois invejosos, e nada podeis alcançar; combateis e guerreais, e nada tendes, porque não pedis. ³ Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites." Tg 4.

   Esse é o diagnóstico de Tiago para esse mal. E pasmem, acima ele está escrevendo a crentes, pelo menos, no nome. Muito sensível essa coisa de dinheiro. Trata-se de um indicador de nossa consagração.

  Essa época de Ageu, em 520 a.C., era de reconstruírem o Templo, em Jerusalém, após o retorno do exílio, que já havia ocorrido 15 anos antes. As obras estavam paradas. Ageu e seu colega profeta Zacarias empenharam-se em motivar o povo a retornar às obras.

   Como Ageu sugere, vamos considerar, ou seja, deter nossa atenção e refletir sobre essa questão da posse. O pertencermos, de verdade, ao Senhor, com tudo o que temos, ou então estamos sendo avarentos e idólatras.

⁶ "Então mandou Moisés que proclamassem por todo o arraial, dizendo: Nenhum homem, nem mulher, faça mais obra alguma para a oferta alçada do santuário. Assim o povo foi proibido de trazer mais, ⁷ porque tinham material bastante para toda a obra que havia de fazer-se, e ainda sobejava."

   Isso mesmo que você leu. O modelo bíblico de dízimo é este o do Antigo Testamento. Trazer muito e trazer tudo, voluntariamente, até sobrar, e alguém pedir para parar.

  O sentimento de dar-se ao Senhor, por inteiro, percorre toda a Bíblia, desde Abel, que deve ter aprendido com Eva, sua mãe, aquela que sempre invocou o nome do Senhor.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Salmo 20

 Oração a favor do rei - Ao mestre de canto. Salmo de Davi

O Senhor te responda no dia da tribulação; o nome do Deus de Jacó te eleve em segurança. Do seu santuário te envie socorro e desde Sião te sustenha. Lembre-se de todas as tuas ofertas de manjares e aceite os teus holocaustos. Conceda-te segundo o teu coração e realize todos os teus desígnios. Celebraremos com júbilo a tua vitória e em nome do nosso Deus hastearemos pendões; satisfaça o Senhor a todos os teus votos. Agora, sei que o Senhor salva o seu ungido; ele lhe responderá do seu santo céu com a vitoriosa força de sua destra. Uns confiam em carros, outros, em cavalos; nós, porém, nos gloriaremos em o nome do Senhor, nosso Deus. Eles se encurvam e caem; nós, porém, nos levantamos e nos mantemos de pé. Ó Senhor, dá vitória ao rei; responde-nos, quando clamarmos.

Salmo 20. Oração em favor rei. Os Salmos Reais, muitas vezes também Messiânicos, associam o rei (o ‘ungido’) a profecias messiânicas. Como orações, podem ser feitas: (1) em favor do rei, 20, 61 e 72; (2) pelo rei, l18, 28, 63, 101; (3) em ações de graça, 21. Neste salmo é pedido que (A) Deus seja favorável ao rei (20:1-5), com (B) certeza de orações atendidas (20:6-9). O rei buscou o Senhor no Seu santuário (20:1-2) e foi atendido num dia de angústia, porque: (1) suas ofertas eram apresentadas com sinceridade (20:3); (2) seu coração era sensível à vontade de Deus (20:4); (3) então haverá festa de louvor pelas vitórias (20:5). Certezas do rei: (1) será sempre salvo (20:6); (2) confiará sempre no Senhor (20:7); (3) não vacilará com os que caem (20:8); (4) sempre será atendido quando clamar (20:9).   

Neste salmo, há uma dedicação de votos dirigida, pelo salmista, a seu interlocutor. No decorrer do texto, percebemos que se trata do ungido que, como se verifica no versículo final, trata-se do rei. Porém, podemos admitir, na economia do Antigo Testamento, serem os ungidos um referencial a todos os demais. Seriam marcados, como derramar de óleo sobre si, por uma vocação de serviço. Fossem os sacerdotes, em cuja consagração era solene o momento da unção, fossem os reis que, da mesma forma, recebiam no derramar de óleo sobre a cabeça, à vista de todo o povo, tornava pública, definitiva e irrefutável sua autoridade. O Salmo 23, quando se refere ao ungir com óleo a cabeça. Generaliza ser essa unção uma bênção geral concedida a todos por Deus. No Novo Testamento João afirma, em sua 1ª carta, que todos os que cremos recebemos a “unção que provém do Santo”, no caso, de e por meio de Jesus. Uma vez generalizado, o salmista conforta-nos com a certeza de resposta, da parte de Deus, ainda que haja tribulação. O nome do Senhor nos elevará em segurança (v. 1). E vai enumerar o que Deus vai realizar: (1) enviar socorro e suster (v. 2); (2) aceitar-nos, tipificado nas ofertas feitas (v. 3); (3) conceder e realizar os sábios desígnios (v. 4). E há nisso tanta garantia, que o salmista já antecipa a celebração de gratidão (v. 5). Para logo conduzir-nos a uma lição aprendida, que permanece, devendo ser aplicada e divulgada (v. 6). E este ungido será qualquer ungido, sendo que, caso se pense aqui nos líderes do povo, é certo que têm o dever de ser modelo de fé para todo o povo, além de lhes servir, como mandado de Deus. Não será uma unção que represente elevação de grau, acima dos demais, como normalmente se ambiciona ou, de modo errado, interpreta-se, mas para ser modelo de serviço, em nome do Senhor. Foi o sentido que Salomão, em sua oração, pediu ao Senhor mas que, com a continuidade de sua prática, não honrou essa autoridade recebida. É para honrar essa unção que o salmista adverte que Deus vai responder ao ungido pelo vigor de Sua própria destra. O versículo seguinte (v. 7-8) ensina que a preocupação do rei nunca deve ser na quantidade de soldados, montarias ou no aparato de seus veículos de guerra, e logo diz por quê, porque caem prostrados. Somente Deus mantém de pé, porque responde ao clamor e concede vitória.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Sofonias e o deleite de Deus

 ¹⁶ "Naquele dia, se dirá a Jerusalém: Não temas, ó Sião, não se afrouxem os teus braços. ¹⁷ O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo." Sf 3.

  Sofonias profetiza no reinado de Josias, pouco antes do início do ministério de Jeremias. Este rei foi o último, em Judá, temente a Deus. Somente em seus dias foram derrubados os santuários idólatras construídos, pasmem, pelo próprio Salomão, quase 300 anos antes.

⁶ "Assim, fez Salomão o que era mau perante o Senhor e não perseverou em seguir ao Senhor, como Davi, seu pai. ⁷ Nesse tempo, edificou Salomão um santuário a Quemos, abominação de Moabe, sobre o monte fronteiro a Jerusalém, e a Moloque, abominação dos filhos de Amom." 1 Rs 11.

   Na profecia de Jeremias, Josias é destaque de juízo e justiça. Sua correção é posta como modelo para todos os reis, principalmente dos seus dois filhos, Jeioaquim e Zedequias, que reinaram antes do cativeiro babilônico, ambos sem temor do Senhor:

¹⁵ "Reinarás tu, só porque rivalizas com outro em cedro? Acaso, teu pai não comeu, e bebeu, e não exercitou o juízo e a justiça? Por isso, tudo lhe sucedeu bem. ¹⁶ Julgou a causa do aflito e do necessitado; por isso, tudo lhe ia bem. Porventura, não é isso conhecer-me? — diz o Senhor." Jr 22.

  Portanto Sofonias, embora profetize no período de um rei fiel, como é o caso de Josias (641-610 a.C.), antecipa situações que, do final desse período até 586 a.C., vão degringolar, ano este da destruição de Jerusalém e do cativeiro  babilônico.

  Seu livro apresenta uma síntese da mesma estrutura dos profetas maiores, assim chamados pelo volume de sua escrita, focando juízo a determinadas nações, Filístia, Amom e Moabe, juízo contra Jerusalém e palavras finais de consolo. Sf 3:

⁴ "Os seus profetas são levianos, homens pérfidos; os seus sacerdotes profanam o santuário e violam a lei. ⁵ O Senhor é justo, no meio dela; ele não comete iniquidade; manhã após manhã, traz ele o seu juízo à luz; não falha; mas o iníquo não conhece a vergonha."

     Quando acusa Jerusalém, afina na mesma nota de Jeremias, argumentando ser antiga, mais de 100 anos, essa visão negativa para os destinos da cidade, por causa da infidelidade do seu povo: Jr 26:

¹⁸ "Miqueias, o morastita, profetizou nos dias de Ezequias, rei de Judá, e falou a todo o povo de Judá, dizendo: Assim disse o Senhor dos Exércitos: Sião será lavrada como um campo, Jerusalém se tornará em montões de ruínas, e o monte do templo, numa colina coberta de mato."

   Até parece que tudo o que os profetas tem a dizer sempre é negativo. Profetas fiéis, verdadeiramente vocacionados, não escondem a verdade. Mas não se trata de somente focar o negativo.

   Sempre propõem arrependimento e restauração. Sem nunca deixar de mostrar a verdadeira natureza do pecado, sempre destrutiva. Por isso previnem seu efeito devastador na vida humana.

   Somente as Escrituras definem pecado, sua origem e indicam sua cura, somente possível pela direta ação de Deus no ser humano. Deus procura, para o diálogo, pois somente Ele tem o poder da cura completa: Is 1:

¹⁸ Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã."

  No jardim, Deus procura o casal, infantilmente escondido por detrás das árvores. Deus sempre procura. A principal visão dessa busca de Deus pelo ser humano é de Seu amor. As Escrituras são o Livro do amor de Deus.

   Mas não escondem o prejuízo causado pelo pecado e consequências da recusa à conversão ao Senhor. Paulo esclarece, objetivamente, contra o que a ira de Deus se manifesta:

¹⁸ "A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; ¹⁹ porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou." Rm 1.

   Deus se manifesta (1) contra a impiedade e (2) contra a perversão dos homens. Resumindo,  contra a (1) vida sem Deus e (2) vida sem justiça. E o apóstolo ainda denuncia a tendência humana de criar um deus segundo a própria imagem humana depravada: Rm 1:

²³ "... e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível". 

   Deus nunca desiste de procurar o ser humano. Por isso, Sofonias menciona o desejo de Deus em folgar em meio a uma festa entre nós. Assim como Jesus, o Filho, folgava em buscar relação conosco. Estar em festas, frequentar Jerusalém nas três festas anuais, conversar com os pescadores à beira do lago.

   Lidar com todo o tipo de gente, principalmente os considerados à margem da sociedade. Cuidado para não parecermos mais farisaicos do que marginais. Pecadores, prostitutas, colhedores corruptos de impostos situavam-se entre a turma com quem Jesus era visto.

  Deus não aceita pecado. Acolhe pecadores, dialoga com eles, para lhes mudar natureza e preferências. E somente Ele pode fazer isso. Delegou também ao Filho esse poder:

³⁶ "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." Jo 8.

   Deus está em nosso meio, poderoso para salvar, deleita-se, com alegria, na resposta por fé, renova-nos, permanentemente, no Seu amor e jubila e rejubila-se, regozijando-se no meio dos viventes.

   Ora, já dizia Neemias: Ne 8:

 ¹⁰ "... a alegria do Senhor é a vossa força." Sintamo-nos convidados, por Deus, a esta festa.

sábado, 9 de novembro de 2024

Joel e a providência de Deus

    Mas não no sentido usual, de providências diante de uma urgência imediata, ou seja, uma iniciativa a fim de se resolver uma questão premente.

  Providência divina é o conjunto de iniciativas de Deus por meio das quais age na história. E, por ser onisciente e dadivoso, sempre por graça e amor, opera as circunstâncias a favor de seus desígnios de bondade.

    Paulo Apóstolo a Ele se refere como quem age ¹¹ "...segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade". Ef 1.

   E cuja maior iniciativa, a fim de restaurar a Si toda a Sua própria Criação, foi em amor prover-nos do Filho, ¹⁹ "...pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, ²⁰ conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós". 1 Pe 1.

     O profeta Joel nos ensina como Deus faz uso de circunstâncias, às vezes não positivas, como ocorreu com Jó, mas sempre voltadas ao benefício de quem Ele mesmo chamou para Si. Rm 8:

²⁸ "Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito."

   Houve uma sequência de calamidades provocadas por pragas repetidas de diferentes raças de gafanhotos. Porém, agora ao inverso do que ocorreu com Jó, para instrução de juízo ao povo de Israel.

     Eu lembro, do meu ginasial, década de 70 do século passado, um filminho preto e branco que a professora de geografia projetava.

    Mostrava habitantes da África impotentes, diante de uma horda de gafanhotos, tudo devastando, uma nuvem gigantesca no horizonte, movendo-se em velocidade assustadora, colidindo no parabrisas de um monomotor, colocado em risco de queda.

   Joel exorta a entender essa sucessão de calamidades como um juízo contundente da parte de Deus: Jl 1:

² "Ouvi isto, vós, velhos, e escutai, todos os habitantes da terra: Aconteceu isto em vossos dias? Ou nos dias de vossos pais? ³ Narrai isto a vossos filhos, e vossos filhos o façam a seus filhos, e os filhos destes, à outra geração. ⁴ O que deixou o gafanhoto cortador, comeu-o o gafanhoto migrador; o que deixou o migrador, comeu-o o gafanhoto devorador; o que deixou o devorador, comeu-o o gafanhoto destruidor."

     Mas os gafanhotos, ora, se fossem somente eles, também tipificacam exércitos do império da hora. Sucederam-se, na época da história bíblica, a partir do século VIII a.,C., assírios, babilônicos, persas, impérios do Oriente, e posteriormente gregos e romanos, impérios do Ocidente.

   Mas não se conhece, ao certo, qual o império da época de Joel. As pragas de gafanhotos, semelhantes às do Egito, que desta vez atingem Israel, também prenunciavam essas invasões.

    E não somente essas, mas trata-se de profecia de dupla referência, ou seja, a especificamente histórica, na época do profeta, as por se cumprir, ao longo da história, ainda em nossos dias ou para o futuro, numa advertência contínua do texto:

¹² "Levantem-se as nações e sigam para o vale de Josafá; porque ali me assentarei para julgar todas as nações em redor. ¹³ Lançai a foice, porque está madura seara; vinde, pisai, porque o lagar está cheio, os seus compartimentos transbordam, porquanto a sua malícia é grande. ¹⁴ Multidões, multidões no vale da Decisão! Porque o Dia do Senhor está perto, no vale da Decisão." ¹⁵ O sol e a lua se escurecem, e as estrelas retiram o seu resplendor." Jl 3.

   Joel indica, como num termômetro, os sinais do Dia do Senhor. Este consta na agenda de Deus, como o dia em que todas as nações serão convidadas para comparecer diante dEle. Ezequiel e o próprio Apocalipse utilizam-se dessa mesma metáfora. Jl 2:

¹ "Tocai a trombeta em Sião e dai voz de rebate no meu santo monte; perturbem-se todos os moradores da terra, porque o Dia do Senhor vem, já está próximo; ² dia de escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão! Como a alva por sobre os montes, assim se difunde um povo grande e poderoso, qual desde o tempo antigo nunca houve, nem depois dele haverá pelos anos adiante, de geração em geração." 

   Esse bailado dos exércitos das nações, a multiplicação da iniquidade, como nos dias de Noé, assim como sinais provenientes dos astros, nos céus, vão ser indicadores desse tempo e categoria de juízo, do qual Israel, naqueles dias, tornou-se modelo:

⁵ "Ébrios, despertai-vos e chorai; uivai, todos os que bebeis vinho, por causa do mosto, porque está ele tirado da vossa boca. ⁶ Porque veio um povo contra a minha terra, poderoso e inumerável; os seus dentes são dentes de leão, e ele tem os queixais de uma leoa. ⁷ Fez de minha vide uma assolação, destroçou a minha figueira, tirou-lhe a casca, que lançou por terra; os seus sarmentos se fizeram brancos." Jl 1.

   Porém, o mais preciso dos sinais, trazendo com ele a redenção, por amor, do gênero humano, Joel descreve, em meio à temática de sua escatologia (escato = final + logia = estudo):

²⁸ "E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; ²⁹ até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias." Jl 2.

   Esta profecia Jesus a confirma, no diálogo com seus discípulos, assim como Pedro menciona, no seu primeiro sermão após a ressurreição de Jesus, no Pentecostes, citando Joel, em sua referência às Escrituras.

   A profecia do derramamento do Espírito, como Joel a proferiu, constitui-se num dos maiores sinais de redenção da humanidade por meio da bênção do evangelho.

   É essa palavra o próprio Espírito confirma, tanto do modo como Pedro pregou, em seu sermão, quanto Paulo atesta aos Efésios:

³⁷ "Ouvindo eles estas coisas, compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos?³⁸ Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo." At 2

   E Paulo, com respeito a Cristo, diz:
¹³ "...em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; ¹⁴ o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória." Ef 1.

   Providência divina é antecipação, no amor, da dádiva de Sua graça, por meio de Jesus, em reposta à grande ansiedade de toda a humanidade. Joel indica a conversão como acesso a essa graça, desde e ainda no Antigo Testamento, como a principal ênfase profética, por se manifestar, de forma flagrante e completa, nos tempos do Novo Testamento, pelo Espírito, no batismo em Jesus:

¹² "Ainda assim, agora mesmo, diz o Senhor: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, com choro e com pranto. ¹³ Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal. ¹⁴ Quem sabe se não se voltará, e se arrependerá, e deixará após si uma bênção, uma oferta de manjares e libação para o Senhor, vosso Deus?" Jl 2.

   Rasgar o coração é a marca do arrependimento verdadeiro. No Antigo Testamento, a circuncisão foi, desde os tempos de Abraão, sinal profético da conversão, somente possível pelo poder de Deus. Paulo assim indica aos Romanos:

²⁹ "Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus." Rm 2.

   Joel adverte que até bêbados, no entendimento, façam uma leitura precisa do agir de Deus. Porque somente a conversão ao Senhor redime. E na agenda de Deus, há um prazo para que toda a humanidade entenda. Porque haverá um dia da decisão, ao qual todas as nações vão comparecer.

  Desmarquem a urgência de sua agenda. Ponham reparo nos sinais do Senhor. Porque há vigência de uma convocação à qual todas as nações comparecerão. Então, enquanto é tempo, rasguem o coração e se convertam.

  "Multidões, multidões no vale da Decisão! Porque o Dia do Senhor está perto, no vale da Decisão".

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Cânticos de Louvor no Apocalipse - Introdução

 

 O Apocalipse inicia com uma introdução, comum a todo livro desse gênero, legitimando fonte e portador da profecia:

1 "Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João, 2 o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo, quanto a tudo o que viu." Ap 1. 

  E uma bem-aventurança, em tom de advertência, a quem encarar com a devida seriedade o que vai escrito: Ap 1:

³ "Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo." 

   A seguir, procede-se à dedicatória a quem se encaminha o texto dessa profecia. No caso deste Apocalipse bíblico, o único entre uma vasta relação a constar no Cânon, temos o nome literal de seu autor, João e, referente a Jesus, por seus legítimos títulos, menciona a síntese de sua obra a favor dos que nEle creem: 

⁴ "João, às sete igrejas que se encontram na Ásia, graça e paz a vós outros, da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono ⁵ e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra." Ap 1.

  E logo ao final desta dedicatória, uma primeira lauda, no livro, de exaltação à Pessoa de Jesus, seguida da expressão de identidade dos que nEle creem: 

⁵ "Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, ⁶ e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!" Ap 1.

   Logo após, João dedica-se a detalhar a primeira visão do livro, a qual descreve Jesus, que nela aparece, estilizado já na simbologia típica do livro, o diálogo expresso que se dá entre eles e seguem os textos das Sete Cartas dirigidas às 7 igrejas.

  Esse conjunto de textos, que compreende esta introdução (1,1-3), dedicatória (1,4-8) e a ordem da primeira visão do livro (1,9-20), antecedem tudo o mais que vai se seguir, no texto da profecia, bem definido endereçado às igrejas, não somente essas sete do circuito da Ásia Menor (2,1-3,22), mas às demais de todos os tempos, a elas está definitivamente dedicado o que vem a seguir.

  Então, nos capítulos seguintes, 4-5, desenha-se nos céus um quadro do contexto no qual toda a ação seguinte, ao longo de todo o livro, ocorrerá. No cap. 4 a descrição, propriamente, da cena celestial e, no cap. 5, a cena da abertura do selos, que lacravam um Livro impressionante, nas mãos dAquele sentado no trono celestial, para o qual ninguém podia olhar e da mão de Quem somente o Cordeiro, visto "como tinha sido morto", pôde tomar o Livro para lhe abrir os selos.

 A partir desses capítulos têm lugar, a cada suspense, a cada ato desse grande drama teatral, que encena e representa a consumação de toda a história, tanto da humanidade, como da salvação, hinos que são cantados, ajustados a cada situação específica e, por isso mesmo, de conteúdo afeito a cada desdobramento condizente com a ação de Deus, desencadeada a partir do cenário celestial, para efeito direto na terra.

  O entendimento desses hinos, o desdobramento do conteúdo desses poemas joga luz sobre a dimensão dessas ações. Inegável que Deus esteja no controle dos fatos da história. O desenrolar dela, sua culminância, bem como seu enredo final são descortinados no Apocalipse. Eles ilustram a mensagem de todas as Escrituras. O exercício para compreendê-lo, como adverte a própria literatura apocalíptica, como um todo, torna-se fundamental para compreender a ação de Deus na história.