terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Leituras Bíblicas - 5

      Cântico da vinha 

     Menestrel ou trovador, dependendo do período, na história, e da classe social, eram músicos ambulantes, cantores que, com instrumentos de cordas, alaúdes ou cistres, cantavam o amor, mas também, se fosse o caso, a crítica e a sátira.
    A própria língua portuguesa formou-se num tempo em que havia cantigas trovadorescas em moda, pelo menos de quatro tipos: de amor, de amigo, de escárnio ou de maldizer. 
    Em Isaías 5,1-7 há um desses menestréis da época do profeta propondo um tema de canção, mas não se enquadra nessas classificações acima, de quase 2 mil anos depois. 
    Porque mais parece um lamento sobre expectativa prenhe de esperança, toda ela posta sobre uma vinha. Nós, que não residimos em latitude propícia à cultura de vinhedos, não avaliamos o cuidado com que, quem se empenha nesse cultivo, dá tudo de si.
     A canção detalha todo o empenho: escavar, limpar, cercar, adubar, estabelecer limites, montar a guarita de vigilância, tudo como antecedente do cultivo, em si, o plantio das uvas.
    Na Bíblia videira é símbolo do cuidado esmerado, detalhado, rico em pormenores que essa plantação exige. O produto final é símbolo de vida, de alegria, de marca de identidade. 
     Quando Jesus de água cria vinho, demarca limites do que é vital, mostrando que com ele e por meio dele o poder persiste. Porque tanto água como vinho são símbolos de verdades vitais no viver. 
     No caso específico, os vasos rituais, que recebem água, terem seu conteúdo alterado para vinho que, naquele contexto, foi símbolo de mudança radical no gosto, alegria e festa, representa que em Jesus essas três bênçãos se concretizam. 
     Pois o amado que cultivou, para si, a vinha, esperava autenticidade de testemunho, alegria no Senhor e festa de culto. A vinha simboliza o povo de Israel e o cultivo que Deus a ele devotou. 
     A identidade de Israel, definitivamente, estava ligada a Deus. Era mesmo de se esperar muita exigência. Deus colocou nisso toda a Sua expectativa. Desdobrou Seus cuidados para com o povo.
     O desejo de Deus era para que fosse um povo de Sua identidade (e santidade), em meio às demais nações, marcando a vida em direito e justiça. Seriam como vinho, que marca com odor, gosto, alegria e festa.
    O menestrel do Cântico da Vinha pergunta que, se o povo de Deus foi vitrine ao inverso, quer dizer, não se identificou com o Senhor, mas assumiu o inverso, no que a conduta humana tem de mais reprovável aos olhos de Deus, o que fazer?
    O que se pode esperar, pergunta o trovador? O que Deus não fez, senão tudo o que poderia e deveria ser feito? Esperando direito, veio contaminação; esperando justiça, veio clamor por justiça.
     No original hebraico, aparecem em paralelo, num trocadilho, mishpat/mishpach, direito/contaminação, ou tsedaqah/tsehaqah, justiça/clamor por justiça. 
     Termina em tom de lamentação, triste de ver, o destino final da vinha do amigo do trovador. Expoliada pelo tempo e pelo abandono, porque abriu-se a tudo o que Deus rejeita.
    Quando o ser humano, qualquer grupo e até um povo não deixa de se abrir para o que Deus rejeita, dissolve-se. Assim foi devastada a vinha de Israel. Terminou em tristeza o canto do menestrel. 
    Mas a promessa de, mais do que restauração, de regeneração é trazida pelo profeta. Há de brotar semente nova de regeneração da vinha. A Igreja é sinal profético e novo povo que indica essa regeneração em Jesus.
      No livro do profeta Isaías, Jesus é o broto novo que mais do que restaura, regenera a vinha dileta do Senhor. Esse processo percorre o tempo, concretiza-se na vinda de Jesus e aguarda o cumprimento final dos efeitos da mensagem do evangelho. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Leituras Bíblicas - 4

A visão da vocação
   Isaías assinala sua vocação ou chamado por uma visão descrita no Cap 6. O que não significa que todo vocacionado terá uma.  
    Nesse contexto bíblico, ela é didática, definindo para o profeta e para nós mesmos aspectos da (1) própria vocação, (2) da relação Deus-profeta-nós e (3) da missão nossa, espelhada naquela do profeta. 
    O texto divide-se num tripé: 6,1-5 - teofania, isto é, uma visão de Deus; 6,6-7 - consagração do profeta; e 6,8-13 - missão do profeta.  
     Na teofania, fica estabelecida a distância Deus-profeta. Terra e templo, vestes e os serafins esvoaçantes estabelecem o contexto dentro do qual o profeta se vê colocado. 
    A glória de Deus enche a terra, assim como as vestes da visão enchiam o templo. Embora este seja um lugar terreno de representação do Altíssimo, até mesmo os serafins revelam que a santidade de Deus é absoluta e intangível. 
    Eles não cessam de advertir que Deus, o Senhor, é Santo, Santo, Santo, que nem por eles pode ser visto, nem seus pés podem definir que compareçam diante dEle e sua função é voar circunscritos em Sua presença advertindo do temor e tremor perante Ele. 
    Então Isaías mede a si mesmo pela santidade de Deus, vendo-se nu. Clama "Aí de mim", como qualquer um que fosse invadido pelo temor do Senhor. Isso demarca a ação de Deus a seu favor. 
    Se ele se considera impuro no falar, como indica Tiago no Cap 3 de sua epístola, não é pecado localizado. Mas que enche toda a vida. Deus interpela o profeta. 
    Deus deseja que seja seu emissário, que o envie, que seja Seu apóstolo, portanto, faz o que somente Deus pode fazer. 
    O gesto simbólico, da brasa retirada pelo anjo do altar, como é o batismo no nosso caso, indica a operação específica de Deus na purificação e no perdão do pecado:
    "Vê que isto te tocou os lábios: desapareceu tua culpa, o teu pecado está perdoado". Perdão e remissão de pecado vêm acompanhado de ação de Deus na vida do pecador.  
    Surpreendido, ele atende ao clamor do Altíssimo, que é permanente: "Quem há de ir por nós?". O profeta não pode negar. Ele mesmo se queda surpreso em responder: "Eis-me aqui, envia-me a mim". Estão em oposição as expressões "Ai de mim"/"Envia-me a mim". Deus ocupa o intervalo.
    A missão revela o dilema de Deus, o dilema do profeta e o dilema da mensagem. Esta é clara. Representa todo o recurso de Deus. O profeta é o porta-voz. Os verbos que descrevem a ação profética, todos se referem à conversão do pecador. 
    Ouvir, para (não) entender. Olhar, para (não) compreender. (Não se) converter, para (não) ser salvo. Torna insensível o coração, endurece os ouvidos e cega os olhos. 
    A mensagem de Deus, se não for acompanhada pela fé naqueles que ouvem, como diz o autor anônimo da epístola aos Hebreus, de nada aproveita. "Até quando?", pergunta o profeta. 
    Desmoronem-se as cidades, despovoem-se, fiquem as casas desabitadas, os campos devastados, sejam afastados os homens e cresça, no país, o desamparo.
   Por tudo e por quantas vezes, como sinal ao próprio povo de Israel e às nações isso já ocorreu. Ainda que somente reste o dízimo da quantidade de homens, uma semente santa há de brotar. 
    A princípio, desprezível, brotando como renovo de uma terra inóspita para a fé: "sem presença ou beleza, sem aparência ou formosura, nada que atraísse o olhar ou que cativasse atenção".
    Raiz de uma terra seca, como é o coração humano em sua luta contra si mesmo. O broto é Jesus. O restante fiel é o dízimo entre os que creem. Somos apóstolos e profetas dessa mensagem. 
    Entre o nosso "Ai de mim" e o "Envia-me a mim" está Deus, para nos enviar como Seus apóstolos e profetas. Eis-nos aqui, envia-nos a nós, responda, igreja!

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Hoje é domingo

Todos os dias são domingo
    Todo domingo, desde minha mais tenra infância, vivi na igreja. Minha mãe dizia que, nem para trocar as fraldas, sim, aquelas de pano, dobradas em forma de triângulo, ela me tirava para fora do templo.
   Ia lá para o último banco, na Congregacional de Nilópolis, para fazer a troca. Não eram as descartáveis. Eram lavadas, estendidas ao sol e passadas a ferro de engomar. 
   Fraldas e ferro. Quando criança, ou pegávamos o Cascadura-Nilópolis, no Rio de Janeiro e, mais tarde, tomado pela mão, saíamos da Mendes de Aguiar, atravessávamos a Av. Ernani Cardoso, ledeávamos um atalho pela vila, ao lado da horta, para alcançar, na João Romeiro 212, a Congregacional de Cascadura. 
   Todo domingo. Não me interessa se "domingo", de janeiro a dezembro, faz parte de tradição romana ou pagã. Nem se alguns se fazem prisioneiros de qualquer dia ou intervalo de horas no calendário. 
   Meu pai tinha, em sua antiga estante de livros, um folheto intitulado "Todos os dias são sábados". O autor mexia com a tradição judaica de guardar o sabath. Para ensinar que esse destaque, dado por Moisés e constante nas tábuas dos Dez Mandamentos, longe de impor disciplina de 24h, era para ensinar a viver 365 dias (mais um, no caso de 2020) dedicados ao Senhor. 
    Domingo é o "dia do Senhor", aprendeu a geração dos dias de meus pais. Não havia obrigação porque, para o Senhor, nada tem valor de for por obrigação. Seja voluntário, ou nem precisa ser.
    Domingo não é o "dia do Senhor". Todos os dias o são. Ou melhor, é melhor que todas as horas sejam: 8.760 horas neste ano (mais as 24h de 29/02/2020). Melhor, que sua vida seja, de modo voluntário, a Ele dedicada. 
   Então, todos os dias serão domingos. A Igreja, o ajustamento do povo de Deus terá, para você, o perfume de Cristo. A Bíblia, para você, terá outro sentido. Passado, presente e futuro, na sua vida, serão resgatados pelo preço voluntário da cruz.
    Preço alto, pelo qual nossa vida foi valorizada. Pago pelo Filho de Deus. Honrada pelo Espírito que em nós habita. Entrega voluntária, como culto autêntico, dedicada ao Senhor.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Leituras Bíblicas - 3

  "Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer mal. Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas. Vinde então, e argui-me, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã".      Isaías 1,16-18
       Este trecho do livro, logo no início, já propõe uma reviravolta no quadro negativo desenhado. Porque Deus convoca ao arrependimento.
     Deus propõe as etapas:
1. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal. 
2. Aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas;
3. Vinde então, argui-me, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve.
      Textos como esse operam uma inversão no desenrolar da profecia, quando aspectos negativos da infidelidade do povo vêm sendo descritos em sequência. Com isso, Deus demonstra que sempre espera o arrependimento, aguardando para que opere, então, Sua restauração. 
    Outro texto, em Isaías 2,1-5:

      "Palavra que, em visão, veio a Isaías, filho de Amoz, a respeito de Judá e Jerusalém.
Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do Senhor será estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os povos.
Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do Senhor, de Jerusalém.
Ele julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão as suas espadas em relhas de arados e suas lanças, em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra.
Vinde, ó casa de Jacó, e andemos na luz do Senhor".

     Na verdade, já em Is 1,24-31 já se opera uma inversão. A palavra do profeta que, até ali, ressaltava os aspectos negativos da conduta do povo, altera-se para uma ação restauradora do Senhor: 

    "Portanto, diz o Senhor, o Senhor dos Exércitos, o Poderoso de Israel: Ah! Tomarei satisfações aos meus adversários e vingar-me-ei dos meus inimigos.
Voltarei contra ti a minha mão, purificar-te-ei como com potassa das tuas escórias e tirarei de ti todo metal impuro".  
Is 1,24-25.

     Essas unidades de fala profética são denominadas "oráculos". Verifique que, antes do profeta falar, ele introduz com "diz o Senhor". Aqui lembramos falas de Paulo Apóstolo que distinguiu palavra sua, de Paulo, com relação à palavra do Senhor. 
    Mas logo acrescentou: "...segundo o meu parecer, e também eu cuido que tenho o Espírito de Deus". 1 Coríntios 7,40. Está aí uma definição de profeta, aquele que fala em nome de Deus, porque nele habita o Espírito do Senhor.
    E é o mesmo apóstolo Paulo que, em 1 Co 14,1 exorta a igreja a fazer três coisas: (1) seguir o amor; (2) procurar (e praticar), com zelo, os dons recebidos do Espírito; e (3) principalmente, profetizar. A leitura da Bíblia é o aprendizado da profecia. 
    Porque Moisés, já em Dt 18,20, já postulava, orientando: "Porém o profeta que tiver a presunção de falar alguma palavra em meu nome, que eu não lhe tenha mandado falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta morrerá".
    Falar, presumidamente, ou, como diz o texto, com presunção, em nome de Deus, não deve ocorrer, seja intencional ou não intencionalmente. Nem bem intencionado e nem mal intencionado. 
   Para isso, precisamos da "cartilha do Espírito Santo", que são as Sagradas Escrituras, a Bíblia, Antigo e Novo Testamentos. Oráculo é o recado emitido, em nome de Deus, pelo autêntico profeta. 
    Não se trata de adivinhação, previsão do futuro ou exibição de êxtase de poder forjado. Antes de mais nada, o profeta, como diz, de novo, Paulo, tem controle de si e autoridade concedida por Deus. 
   E, além do mais, o que falar, está sujeito à conferência, quer dizer, profecia começa a partir da Bíblia, palavra de Deus, e retorna a ela para posterior conferência.  Veja aí, de novo, a palavra de Moisés, professor de profetas: 
     "Quando o profeta falar em nome do Senhor, e essa palavra não se cumprir, nem suceder assim; esta é palavra que o Senhor não falou; com soberba a falou aquele profeta; não tenhas temor dele.   Dt 18,22
    E, para encerrar, duas definições de profecia no Novo Testamento: 1 Co 14,3: "Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação". Profecia é (1) edificação, (2) exortação e (3) consolação. 
   A outra, Ef 4,29: "Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem". Profecia: (1) não é palavra torpe; (2) é boa para promover edificação; (3) conforme a necessidade; (4) transmite graça aos que a ouvem.
    Assim, profetize, irmão.