sexta-feira, 18 de julho de 2025

"...e morte de cruz".

 Há trechos das Escrituras, toda ela, que são prova cabal de sua inspiração divina. Pedro, econômico em seus comentários, também certas horas fenomenal, acerta quando afirma:

²¹ "...homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo." 2 Pe 1.

  E essa economia precisa de palavra, essa precisão providencial de termos também aparece no texto que se considera um hino cristológico, provavelmente por sua típica forma, ritmo e progressão de ideias.

   Paulo, aos Filipenses, inicia com o esvaziamento de Deus. Mas essa ideia, fantasticamente improvável é nítida na história da salvação.

  A sobejamente conhecida e comentada kenosis divina. A questão do poder é sensível. Daí mais um contraste de identidade entre Deus e o demônio: este aspira ao poder máximo (que, blefando, oferece a Jesus na tentação).

   Enquanto Deus se esvazia do poder ao máximo, até à morte, e morte de cruz. Paulo palmilha cada etapa neste texto:

⁶ "...pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; ⁷ antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, ⁸ a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz." Fp 2.

   Usurpar para si o lugar que, naturalmente, a si já se pertence, é diabólico. Como define Judas, em sua pequena epístola: é perda de domicílio. Uma definição de demônios.

⁶ "...e a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia." Judas 1.

  Ninguém usurpa para si o que se lhe é concedido ou sua própria identidade, a não ser que perverta sua própria vocação. E isso é uma definição de pecado.

   Nossos pais, no Éden, chamaram para dentro de si o caos ao qual Deus havia posto ordem. Pelo retorno ao caos, herdaram desordem moral.  Na morte de cruz, o próprio Deus,  definitivamente, anula todo o efeito do caos.

   Ele põe ordem, cria novamente em Cristo e diz haja luz, agora resplandecendo Ele próprio dentro do coração e na face de Cristo.

⁶ "Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo." 2 Co 4.

   Cristo não usurpa para Si, ao contrário do anjo decaído, o lugar que, por direito e por identidade já é Seu. Mas cumpre sua trajetória, para fazer, de nossa trajetória, a dEle.

   Devolve-nos identidade, anula o caos de dentro de nós pelo efeito da suma ofensa da cruz, carrega nEle o nosso pecado, para sermos portadores nEle de nossa santificação, como nos ensina esse outro verso de mais um hino primitivo:

²⁵ "...o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação." Rm 4.

   Quando Jesus deu a Maria a resposta do limite, ensinava a ela que não se usurpa o lugar que já é seu. Até mães aprendem isso: não são donas dos filhos, pastores não são donos do rebanho e maridos não são donos da esposa.

⁴ "Mas Jesus lhe disse: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora." João 2.

   Somente Deus se esvazia. Somente Deus consegue abrir mão do poder (que somente Ele tem). Torna-se autenticamente homem. Torna-se servo.  Aprende a obedecer, pelo que sofre. E obedecer até à morte. E morte de cruz. A cruz que, definitivamente, aniquila o caos.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Diga não ao outro

 Paulo, aos Gálatas, adverte que não ultrapassem os limites de segurança para outro evangelho. Não existe outro.

  Mas todos que seguimos esse único, cada qual precisa medir a que distância se encontra do original. E Paulo, aos Gálatas, ensina dicas certeiras para se saber como.

  O problema na galácia era a má influência pessoal, religiosa e política de uma liderança judaica que desmerecia a pregação e doutrina de Paulo.

   E não me venham dizer que é problema vencido, porque hoje em dia há quem deseja sanear o evangelho pelo filtro ideológico, como se fosse necessário aprumá-lo.

  Outros elementos podem contribuir para afastar do evangelho, esse mesmo, do original para o outro. Descaso, por exemplo, ou mundanismo, com banho de cultura, ou ainda opção pessoal pelo contraditório, e não pela obediência restrita que o evangelho requer.

   E não digam que, por se considerar adulto, ou com anos de maturidade, ou seja, tempo decorrido de evangelho, seja fácil obedecer. Nunca é fácil e nem é espontâneo.

  Já dizia o autor de Hebreus o modo como o próprio Jesus, ora, veja bem, aprendeu a obedecer: ⁸ "...embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu". Hb 5.

  Cabe a nós, tarefa nossa medir, dia a dia, a que distância estamos situados do evangelho. E não é de modo individualista, mas no corpo e como corpo, quer dizer, na igreja e como igreja.

   Por isso Paulo escreve aos Gálatas. Evangelho não é jornada individualista. Mas como corpo de Cristo. Detalhadamente explicado por esse mesmo apóstolo em outra espístola, desta vez aos Efésios.

   E são as Escrituras o referencial. Trata-se do evangelho nela registrado. E não nos iludamos: Cristo é a garantia viva desse evangelho. E o Espírito Santo quem o faz ser entendido e quem aplica na vida de quem crê.

  E o vivenciamos no mundo, ou seja, expostos e fora da segurança da igreja, para onde Jesus nos envia. Atentos a nosso próprio desempenho. Forças externas há contrárias, surtos internos de distorção também. Somos pecadores regenerados, lutando contra a força do hábito.

  Por isso a luta constante na direção do verdadeiro e único evangelho. Nunca sozinhos. Dentro o Espírito, formando Cristo em nós, para que sejamos imitadores de Deus.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Evangelho sem recortes

 ²⁰ "E ele foi e começou a anunciar em Decápolis quão grandes coisas Jesus lhe fizera; e todos se maravilhavam." Mc 5.

   As cidades são responsabilidade da igreja. Jesus mesmo afirmou aos apóstolos que fariam mais do que ele próprio realizou.

¹² "Digo-lhes a verdade: Aquele que crê em mim fará também as obras que tenho realizado. Fará coisas ainda maiores do que estas, porque eu estou indo para o Pai." Jo 14.

  Acreditem, evangelizar cidades está incluído. E o Metrre deu exemplo, delegando um novo convertido, o gadareno, para fazê-lo em Decápole.

  Isso mesmo. Os radicais "deca + polis" já indicam: eram dez cidades. Como todas, quaisquer, em todos os tempos ou épocas, carentes de pregação do evangelho.

  Interessante Jesus enviar um novato na fé. Sim, de uma experiência brutal. A fama invertida, de endemoninhado incontido, agora bem vestido, sadio e falante.

¹⁵ "Indo ter com Jesus, viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido, em perfeito juízo; e temeram." Mc 5.

   E ele foi e fez:
²⁰ "Então, ele foi e começou a proclamar em Decápolis tudo o que Jesus lhe fizera; e todos se admiravam." Mc 5

   Donde se deduz que Jesus envia a quem quer, capacita, autoriza, mentora continuamente.  Poderia se argumentar, ora, por que Jesus mesmo não pregou na Decápole?

  Porque era tarefa para o novo convertido gadareno. Mas não haveria um problema com a imagem? Um ex-endemoninhado gadareno? A fé vem pelo ouvir.

   Por aparência, diga-se, segundo Isaías o profeta, que nos transmite a descrição mais nítida de Jesus, ele não tinha nem aparência, nem formosura, nem beleza, sendo "um de quem se esconde o rosto".

   Talvez quem esconda o rosto de ver Jesus, cara a cara, é para fugir da autoimagem. Na face de Cristo se vê refletida a santidade que não temos e a deformidade pelo sofrimento do pecado que, esse sim, é tão nosso. E isso é evangelho. 

   Não se rejeita o evangelho pela aparência do pregador. Envergonha-se do evangelho por omissão consciente de não se reconhecer sua importância. Não se faz um recorte do evangelho, sem torná-lo outro, como Paulo denuncia:

⁶ "Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, ⁷ o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo." Gl 1.

  Aos Gálatas Paulo denuncia a razão deles de "passar a outro evangelho". Não existe outro. E qual a nossa razão de passar a outro evangelho? Qual o nosso evangelho?

   O evangelho é o poder de Deus. E Marcos afirmou que o primeiro a pregá-lo foi Jesus e chamou-o de "evangelho de Deus":

¹⁴ "Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, ¹⁵ dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deusestá próximo; arrependei-vos e crede no evangelho." Mc1.

  Não se recorta das Escrituras o evangelho, arbitrando o que nela se deseja legítimo, falseando-se o contexto de sua principal mensagem.

  Porque é certo dizer ter sido prenunciado  até a Satanás, ainda no Gênesis: ¹⁵ "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar." Gn 3.

   E atestado em todas as Escrituras, segundo testemunha o próprio apóstolos Paulo: ¹ "Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, ² o qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras". Rm 1.

   Então,  deixando de lado a mesma covardia de Jonas, vamos anunciar nas cidades. Ainda que consideremos plenos inimigos todos os que vão ouvir. Sem esquecer que, antes do evangelho, inimigos de Deus todos fomos:

¹⁰ "Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida". Rm 5. E isso é evangelho.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

A conquista de ser bem-aventurado

   ⁵ "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus" Fp 2.

  Há um perfil padrão de conduta no contexto biblico. E sem dúvida está delineado na pessoa de Jesus. 

    Porém, ao longo da história bíblica, fosse no Antigo quanto no Novo Testamento, encontramos personagens que tipificam esse modelo.

   Por exemplo, Paulo na carta aos Filipenses expõe Timóteo como modelo de conduta:

¹⁹ "Espero, porém, no Senhor Jesus, mandar-vos Timóteo, o mais breve possível [...] ²⁰ Porque a ninguém tenho de igual sentimento que, sinceramente, cuide dos vossos interesses [...] ²² E conheceis o seu caráter provado, pois serviu ao evangelho, junto comigo, como filho ao pai." Fp 2.

   Essa é uma descrição precisa dessa personagem. Qualquer obreiro, fosse o próprio Paulo ou quem ele indicasse como apto a substituí-lo seria modelar para todos os cristãos.

   No texto das bem-aventuranças temos um perfil, definido por qualidades em série, cada uma delas tendo Jesus como modelo, que definem o perfil do verdadeiro cristão 

   Elas não são como que promessas de felicidade ou bênçãos para quem tenta nutrir tais virtudes, mas sim o resultado de quem já traz consigo tais características de personalidade.

   A primeira delas, já define o caráter de Jesus  como, de novo aos Filipenses, Paulo indica:

⁵ "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus [...] ⁸ a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz." Fp 2.

   A seguinte refere-se ao choro, definido como resposta emocional humana. Nesse caso,  estaria também relacionado ao sentimento de Cristo.

   Estão anotadas três vezes em que chorou: Jo 11,35, sensibilizado pelo sofrimento humano da morte; Lc 19,41-42,  diante da incredulidade de Jerusalém; Hb 5,7-9, pressionado pela necessidade em obedecer a Sua própria vocação. 

  O choro pode ocorrer como resposta a qualquer emoção forte meramente humana. Mas o choro das bem-aventuranças pressupõe o caráter de Jesus.

   Elas seguem definindo os mansos, a fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, e os perseguidos e injuriados.  Todas essa qualidades de caráter encontramos em Jesus.

   Na profecia de Isaías 53 lemos sobre a resposta de Jesus a toda a afronta que sofreu:
⁷ "Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca." Is 53.

  Em Mc 6,6 Jesus se admira em constatar incredulidade, assim como em Jo 13,1 demonstra a intensidade de seu amor. E sua principal característica como limpo de coração está atestada em Rm 1:

⁴ "...e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor".

   As qualidades de Jesus nos parecem óbvias.  Mas para vê-las em nossa própria vida teremos um luta pessoal interna contra nós memos. E seremos assim se uma vez convertidos a Jesus, batizados em Sua morte e ressuscitados nEle. 

   Deparamos quem somos. E quem Deus deseja que sejamos. O clamor de Jesus na cruz, rogando ao Pai que perdoasse a todos que o crucificavam, é a maior prova de seu caráter pacificador.

³⁴ "Contudo, Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." Lc 23.

   Quanto à perseguição e a injúria, mais ainda caracterizam a vida de Jesus. Conduzem-no à cruz e serão a marca de todos os que creem nEle.  Em Jo 15 Jesus menciona o ódio de que seremos alvo todos os que nEle cremos.

   A maior felicidade reside em quem põe em Jesus a sua fé. E por Ele é transformado à sua imagem e semelhança. 

    Terão com Jesus comunhão em todas as situações, partilham de Seu sentimento, agregam Suas virtudes e, certamente, vencerão o mundo por Sua fé,  ainda que sejam perseguidos e injuriados. 

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Elias, o velho, e a visão de Deus

 ¹¹ Disse-lhe Deus: Sai e põe-te neste monte perante o Senhor. Eis que passava o Senhor; e um grande e forte vento fendia os montes e despedaçava as penhas diante do Senhor, porém o Senhor não estava no vento; depois do vento, um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto; ¹² depois do terremoto, um fogo, mas o Senhor não estava no fogo; e, depois do fogo, um cicio tranquilo e suave." 1 Rs 19.

   Elias se viu no fundo de uma caverna, equivocado três vezes, confundindo fenômenos rotineiros, ainda que bruscos, da natureza, com manifestações divinas.

  Aprendeu que, quando tudo estava em plena normalidade, Deus, como sempre, esteve presente.  Parece óbvio, mas é costumeiro tentar definir, para Deus, seus modos de ser e agir.

  Elias, já idoso nesse tempo, teve um intenso ministério. Aliás, o exercício de sua fé, até para ele mesmo, foi supreendente.

   Muito interessante o comentário que Tiago faz desse profeta:
¹⁷ "Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu." Tg 5.

   Portanto, um homem comum, com seus conflitos comuns e, como é corriqueiro, mas somente para quem crê, em conflito com sua própria fé.

   Talvez tenha sido tão intensa e urgente sua atuação, quanto às emergências que enfrentou em seu ministério, que nem tenha parado para refletir, teorizar, sobre fé.

  Então, num momento de crise máxima, mas como também acontece num período de crise mínima, ou seja, aparente apatia, surge uma crise de fé.

  Então Elias queria um Deus segundo o perfil imaginado por ele, quem sabe até definido pela história de seu desempenho pessoal, pois se uma vez até caiu fogo do céu, tempestade, terremoto e furacão tem de ser manifestações do Deus.

  Nada. Tédio. O mesmo. Fica em silêncio, Elias, apático, não pense em nada, somente ouça ao redor, quem sabe o som do grilo, na noite de sua caverna.

   Deus sempre esteve. Igual a Agar:
¹³ "Então, ela invocou o nome do Senhor, que lhe falava: Tu és Deus que vê; pois disse ela: Não olhei eu neste lugar para aquele que me vê?" Gn16.

  Deus não de define pela flutuação ondulante de um gráfico senoidal, não dá para aparecer na tela silk-screen um ícone qualquer que indique algum sinal.

  Os sinais são outros. Talvez a planura mansa das águas após Jesus ordenar que tudo se aquietasse.  Ou a experiência de treino do fuzileiro naval, na pior das tempestades em alto mar, quando o instrutor manda então mergulhar, para somente então sentir tudo manso.

   Ainda que idoso Elias, amedrontado e em fuga, como um Jonas na vida, talvez também deprimido, Deus está e Deus vê. Para Ele, não existe flutuação de sinal. 

terça-feira, 1 de julho de 2025

Afinal, que Deus queremos?

 O grau de credibilidade conferida ao texto biblico define a personalidade do Deus que adotamos. Se for distorcida, não  será novidade, porém uma forma a mais de idolatria.

  É irremediável. Tenha Deus participação no que vai escrito ou apenas piedosos autores tenham imaginado assim, o Deus que se desenha se prende a toda a tecitura do texto, fatos, diálogos e milagres.

   Se não pôde, enfim, abrir o Mar Vermelho ou guiar os nômades no deserto, tudo se reduz a uma espécie de mitologia, por meio da qual se deseja conduzir à fé, ou se validar uma opção preferencial pelo povo judeu.

   O pai que conta histórias bíblicas ao filho, exercitando sua imaginação, ilude a criança. Não  se deseja,  por esse argumento, prova comprobatória. Apenas supor que os textos devem servir somente para isso, fáceis de se entender, ao alcance de crianças.

  Porém o Deus revelado não será objetivamente o personagem por detrás delas. Há uma necessária depuração de especialistas, sem a qual nunca se conhecerá, verdadeiramente, a excelsa e divina personalidade. 

   Que feitos ou fatos narrados se sugere ter esse Deus, efetivamente, realizado? Serão esses que os textos descrevem? E os declarados milagres, desacreditados ou não, seriam meramente admitidos como ficcionais?

   Por exemplo, como seria Abraão confirmado "pai da fé", sem essa saga geográfica e historicamente reconhecida? Os diálogos de Deus com seu amigo, apenas contêm beleza e maestria, porém as personagens são ficcionais (bem, pelo menos Deus, espera-se, não seja)?

  Seriam as Escrituras apenas uma obra ficcional de grande envergadura, à espera de mentes lúcidas em alto grau que decifrem o enigma por detrás desses ensaios literários?

   Trata-se de genial tecitura literária humana, sem nada de inspirado, revelando a identidade de que Deus, mesmo porque até os diálogos são fictícios?

   Nada é direto. Quando lido "No princípio criou Deus", trata-se de um narrador expressando sua fé, detalhando como a personagem divina de sua ilustre ficção cumpre sua agenda criadora.

   E quando a personagem diz a Abrão "Sai da tua terra e da tua parentela", trata-se de uma nova personagem, agora movida por uma intenção divina de fazê-lo migrar e se tornar peregrino.

   Se é personagem histórica, quase nada dele sabemos, porque terá sido envolvido como que num glacê cultural judaico de uma saga que confere personalidade a esse povo. 

   Não sendo uma personagem histórica, trabalhe-se toda a ficção, apenas como peça literária. Define-se, evidente, um perfil de Deus, a quem crer e adorar. Um Deus ficcional, ora, para uma fé idem.

   Que Deus queremos? Pode ser uma pergunta. Há uma presença autoral, subjacente, porém desconhecida. Aumentou-se, aqui e ali, com tradição oral, noutras vezes escrita, com registros em material da época. Mas que época?

   Épocas o quanto próximas dos fatos narrados? Ou distantes em que contexto mais recente? Há intenção divina a lhes inspirar? Afinal, seria possível Deus assim proceder? Afinal, o que seria possível para Deus?

   Há, no ser humano,  uma luta íntima em reconhecer a fronteira do que está para além dele. Uma vez diante de sua própria razão, avaliar o agir de Deus. Seria o homem diante da sua razão e Deus diante da dEle.

   Que milagres? O perigo sempre será a vocação idolátrica do ser humano, qual seja, ao final das contas, o que ele mesmo avalia como permitido ao Deus que supõe existir fazer, ser, realizar.

  É tão óbvia a potência de Deus em falar ao homem, amá-lo intensamente, dirigir-lhe a vida, porpor-lhe escolhas, enfim, entregar-se, como homem, numa cruz, depois de encarnar-se num corpo de mulher que, até para quem se aventura a crer, a fé se revela hesitante.

   Que limites impor a Deus? Se Ele entra na história, digam então o que pode e não pode, o que, enfim, ser-lHe-á permitido ou não realizar? Poderá falar com ou ao homem ou mulher que criou? Poderá agir, a Seu modo, de modo que classifiquemos isso como milagre?

   Que Deus queremos? Afinal, a iniciativa é dEle? Sabemos, porque Se revelou? Ou constru(ímos)(íram) esse Deus? Vai se saber. Por isso prefiro o Deus das Escrituras, tais quais se me apresentam.

 Esse menino que ouviu do pai as histórias sou eu. Certa vez, um professor, ironizando sobre tradições orais que conferissem, às Escrituras, essa sua sequência de narrativas, perguntou se eu achava mesmo ter Isaque sentado ao colo de Abraão para ouvi-lo falar de Deus.

  Está aí minha resposta. Deus pode. Somos nós esses meninos. 

domingo, 22 de junho de 2025

Para ver, saber e conhecer o amor

 ⁴ "Que te farei, ó Efraim? Que te farei, ó Judá? Porque o vosso amor é como a nuvem da manhã e como o orvalho da madrugada, que cedo passa." Os 6.

   A pergunta de Deus é como se estivesse num dilema. Porque Efraim rejeita o amor de Deus.  Aceitar o amor é se converter.

  O profeta faz esse apelo:
⁵ "O Senhor, o Deus dos Exércitos, o Senhor é o seu nome; ⁶ converte-te a teu Deus, guarda o amor e o juízo e no teu Deus espera sempre."  Os 12.

  Definitivamente, Deus ama. E revela emoção. A primeira lição sobre amor é que Deus nele sensibiliza-se. O profeta volta a nos revelar:

⁹ "Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira." Os 11.

   O dilema de Deus é o dilema de amar. Deus é amor. Esse dilema se aplica a todos,  indiscriminadamente. A fala a Efraim é a fala a cada um:

⁴ "Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor; fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas e me inclinei para dar-lhes de comer ." Os 11.

   Mas Efraim tem de se converter. Senão, o pecado a destrói. E pecado é distância de Deus. Nem física, porém espiritual.

  Quem dizer que não se mede por unidade de medida. O único antídoto para isso é comunhão. Com Deus, ou existe comunhão ou não existe.

  E o lugar dessa comunhão chama-se igreja. De novo, não fisicamente igreja. Mas espiritualmente igreja. Se não, não é igreja.

   Igreja é um lugar de comunhão. Um lugar de amor. Não dá para saber do que significa amor, fora da igreja.

   Deus põe na igreja para se viver intensamente. Se, por acaso, virar simulação, não será nunca igreja. Não será Deus, mas perda de amor e perda de comunhão.

  O risco da igreja em Éfeso.

² Conheço as tuas obras, tanto o teu labor como a tua perseverança, e que não podes suportar homens maus, e que puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos e não são, e os achaste mentirosos; ³ e tens perseverança, e suportaste provas por causa do meu nome, e não te deixaste esmorecer" Ap 2.

  Muito provavelmente, uma igreja soberba. Paulo afirmou, em sua carta, quase 40 anos antes dessa, de Jesus, que o amor excede todo o entendimento.

  Como se fosse intuitivo. Mas exatamente, espiritual. Porque o Espírito o derrama em nossos corações, ao mesmo tempo que é amor fruto do Espírito.

  Tentar transformar em saber, ensoberbece também:

¹ "O saber ensoberbece, mas o amor edifica. ² Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber. ³ Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido por ele." 1 Coríntios 8.

  Não é voluntário amar. É mandamento, por isso inseparável de obedecer. E isso não é natural em nós.  Não é espontâneo.

  Amar implica morrer e nascer de novo. Por isso, Deus chama Efraim à conversão. Por isso Jesus disse a Nicodemos:

⁷ "Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo." João 3.

   Começa no novo nascimento. Amor não existe antes de nascer de novo. Demole-se, para reconstruir. Paulo a Tito denomina:

⁴ Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, ⁵ não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, ⁶ que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador". Tito 3.

   Paulo passou por esse processo, de inimigo a amigo de Deus, de amor nulo a amor pleno.  A Caim, foi proposto. Deus o procurou, para trazê-lo para si.

  A samaritana,  de volta aos amigos, que perguntaram pelo cântaro,  ela disse que havia saciado a sua sede. Eles estranharam.

   Então ela disse: "Encontrei Jesus: será ele o Messias?" Até Judas, sim, o traidor, não estava predestinado a ser. Não existe predestinação para o não amor. Existe predestinação de toda a humanidade para a cruz.

   Nela e por ela se faz opção. Na cruz e pela cruz se manifesta todo o amor.

⁸ "Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.
⁹ Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. ¹⁰ Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida". Rm 5.

Nela Jesus crava e anula todo o escrito de dívida do pecado, tornando-nos aceitáveis diante de Deus.

¹³ "E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; ¹⁴ tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; ¹⁵ e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz." Cl 2.

    Vitória total e completa que nos torna participantes da glória de Deus:

⁹ "É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ¹⁰ ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado. Jo 17.

¹¹ "Por isso, também não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos da sua vocação e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé, ¹² a fim de que o nome de nosso Senhor Jesus seja glorificado em vós, e vós, nele, segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo." 2 Ts 1.

   Na oração sacedortal Jesus sinetisa o seu ministério e, ao final, indica como o ministério da igreja é expor, anunciar e ser modelo do amor de Deus que nela está:

²⁶ "Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja." Jo 17.

  Jesus indica nela como 1. a igreja recebe da palavra de Deus; 2. como nela é santificada; 3. como nela a comunhão é vocação e identidade; 4. como a igreja glorifica Jesus; 5. como nela está presente e tipificado o amor.