terça-feira, 30 de agosto de 2022

Ainda arde?

    A cada dia uma sarça. Que encontro fortuito foi esse o de Moisés?  Conseguira aquietar-se em sua guinada de vida? De bem nascido, como simulacro, no império do Egito, até um pastor anônimo em Midiã.

     Com um assassinato e denúncia dele no meio. Agora, um casamento de ocasião, vida em fuga, para onde ir desse ponto de sua vida? Até que viu a sarça que, de si, 🔥queimava-se, mas não se consumia.

   Foi conferir e encontrou Deus. De quem, também, procurou fugir. Deus disse que descia, viu de onde Moisés fugiu, entendeu-lhe o dilema, na tentativa de se identificar como escravo judeu.

    Agora, diante de Deus, era com Ele que haveria de se identificar, para ser profeta dEle no contexto de vida no qual o próprio Deus prometia interferir.

    "Certamente, vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento; por isso, desci a fim de livrá-lo", Êxodo 3:7,8.

   Algumas perguntas decorrem: 1. Quantas vezes, na vida, deparamos a sarça? 2. A ardência dela, dentro, só acontece na vida uma única vez? 3. Deus todo o tempo enxerga a opressão sobre o povo, para agir, estando sempre pronto a fazê-lo? 4. Para isso, quantos e quem chama para seu(s) profeta(s)?

    Talvez haja uma sarça para cada um. E não seja somente um e o mesmo encontro, mas todo encontro com Deus, pelo menos, deveria ter a mesma urgência, a mesma ardência e a mesma santidade.

   No livro Marcas do Evangelho registrei um sermão de meu avô Tula, de 1972, que ele intitulou "Tornando Deus comum". Ou seja, banalizando Deus. Somos tão entendidos de Deus, que já começamos a manipular.

   Temos nossa Escritura. Nossas doutrinas. Nossa ortodoxia. Nossa igreja. Nossa teologia. São tantas opções e, como diz Roberto Carlos, tantas emoções, que beira já a idolatria essa feição nossa pessoal de Deus.

   Deus é aquilo ou a quem o reduzimos. Mas Ele tem posto diante de nós a sarça. Diz o texto das Escrituras: "Vendo o Senhor que ele se voltava para ver, Deus, do meio da sarça, o chamou e disse: Moisés! Moisés! Ele respondeu: Eis-me aqui!", Êxodo 3:4. Mais uma pergunta: posso pôr meu nome no lugar desse?

    Afinal, trata-se de uma grande, de uma estupenda mitologia cristã tudo isso que as Escrituras falam de Deus? Será, como na Grécia antiga, que projetava no Olimpo deuses e deusas reflexo deles mesmos?

    Então, criamos Deus à nossa imagem e semelhança? Como disse meu avô em seu sermão, há 50 anos atrás, tornamos Deus comum ou banal? Puxa, como temos, então, tornado-nos sofisticados! Parabéns para nós.

    Vamos nos vestir, pôr a roupa do dia, quem sabe, engalanados, mas descalços. Vamos nos despir. Vamos nos deixar assombrar de novo por Deus. Quem sabe, por sua santidade. Quem sabe, por sua sensibilidade.

   Talvez, até, por sua ação na vida e no mundo. Há uma sarça diante de mim? Voltei-me para ver? Deus tem algo a dizer? Está me chamando para ser profeta (ou profetisa) dEle? Tenho uma vocação?

    Hoje vou sair descalço(a). Para não tornar Deus banal. Talvez não seja esse o capricho. Mas sim, voltar-se, para ver a sarça que arde e ouvir a voz que fala.
     

sábado, 27 de agosto de 2022

Verdade, na boca de quem?

 Vinde comigo e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cristo?!" João 4:29.

    O único homem que pode dizer a qualquer um "tudo quanto tem feito" e que, a respeito do que diz, pode-se chamar palavra de Deus.

  O autor de Hebreus afirma que, todo o tempo, Deus fala muitas vezes e de muitas maneiras. Mais recente e definitivamente nos falou pelo Filho.

   Como reverbera Paulo em Romanos 10, "a palavra está perto, na boca e no coração". E ele chama de "palavra da fé que pregamos". Estar na boca significa dizer ao alcance da compreensão e no coração significa a possibilidade de crer nela.

   Lá no AT, Isaías, cerca de 700 anos antes de Cristo, também ecoa  quando afirma que a palavra que Deus profere não volta vazia, mas realiza o que apraz a Deus.

   Diante da palavra de Deus, na boca de Jesus,  a mulher testemunhou aos homens de seu círculo de amizade, "me disse tudo quanto tenho feito". Somente diante da palavra de Deus, podemos afirmar isso e igual ao que disse a mulher.

    Deus nos criou nus e, instantes após a queda, mandou tirar a roupa que inventamos para nós. Aos de Laodiceia, Jesus manda que comprem dEle vestimentas. Para não parecermos pobres, cegos, miseráveis e nus.

   Ainda bem que é Jesus quem fala. E anote: não era mensagem exclusiva para aquela igreja daquela Associação. É para todas. O mundo se divide entre os que já ouviram de Jesus tudo a repeito de si mesmos e os que relutam.

   Relutam em ouvir ou dissimulam, como Pedro tentou fazer, o fato de fazer ouvido mouco, como se diz no Acre. Paulo advertiu Pedro: "não procedia corretamente segundo a verdade do evangelho".

   O evangelho é verdade, porque sai da boca de Jesus Cristo. E se é palavra à altura da nossa boca e do nosso coração, é porque, como crianças, diante de Deus, podemos ouvir e repetir, até compreender.

   E palavra da fé que pregamos: "Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo". Romanos 10:9.

   "Vinde comigo e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cristo?!" Disse tudo o que somos e tudo o que temos feito. O nome disso é arrependimento.

    A nossa verdade está na boca de Crisro. Ele é caminho, verdade e vida. Estes três andam juntos. E somente se encontram em Jesus. Será ele, porventura, o Cristo? Perguntou a mulher, provocativa, porque já conhecia a verdade.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Estações pela Bíblia - Hebreus 1

     O autor de Hebreus segue com textos das Escrituras que atestam perfil e personalidade do Filho. Esse é o diferencial das Escrituras. Seus autores trabalham numa continuidade entre Antigo e Novo Testamento.

   Particularmente, este autor está pondo em prática do que já afirmou: Deus falou (e fala) de muitas maneiras porém, mais recentemente, última e definitivamente, agora fala-nos pelo Filho.

   Esse é o diferencial das Escrituras. Quem dela se aproxima, deve fazê-lo crendo que Deus nela e por ela fala. Não há outra fonte de palavras de Deus, senão ela. E segue o autor da Carta aos Hebreus apresentando-nos o Filho.

   Cita uma sequência de afirmações de Deus sobre Jesus, ou seja, do Pai sobre o Filho. São textos das Escrituras disponíveis para ele, em sua época. Provenientes do Antigo Testamento, textos escritos por outros homens que, como atesta Pedro, em sua 2a carta, "homens que falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo".

    É crer ou não crer. Caso avalie que soa absurdo ou crédulo por demais, desista. No meu caso, creio. Na primeira fala, Deus atesta que Ele mesmo gerou o Filho, daí se dizer Pai e Filho. E quanto aos que creem, do mesmo modo, a cada um Deus gerou em Jesus Cristo.

    Prossegue agora mencionando, a partir do texto que escolhe citar, uma comparação entre o Filho e os anjos. Por causa de seu público hebreu, pela importância que davam aos anjos. Por meio deles, segundo uma tradição que acalentam, a lei foi entregue a Moisés que, por sua vez, é o mediador do que consideram ser seu maior tesouro.

    Basta lembrar do valor que, na tradição judaica, Moisés e a lei do Senhor possuem. Pois o autor de Hebreus, de propósito, menciona o Filho para demonstrar que, na superioridade incomparável dele, não há para os anjos grau de importância maior. Assim como nem para Moisés, como demonstrará depois, nem mesmo para a lei.

   Para o Filho um trono eterno, enquanto que, aos anjos torna-os como fugidias labaredas de fogo. Metáforas do que é eterno e permanente, sinal do reino de Deus, comparado ao efêmero e ocasional.  Mais do que uma simples polêmica sobre quem é mais ou menos, o objetivo do autor é focar sua ênfase em Jesus.

   Para confirmar sobre o Filho sua superioridade em relação a eles. Conduz a argumentação até o final da perícope, para dizer de Jesus: seu trono é eterno, com cetro de equidade e justiça, o que agrada ao Pai, toda a alegria do Pai em relação ao Filho.

    Presente desde a fundação do mundo, primaz de toda a criação, assenta-se å direita do Pai, posição de honra para quem conquistou o perdão dos pecados, para a glória do Pai, a mesma assumida pelo Filho e concedida à igreja.

    A mesma glória com a qual os anjos sempre adoraram a Deus, sendo ministros a serviço da salvação, como define e última pergunta retórica desse trecho. Desde o Antigo Testamento anunciavam e, como os profetas, ansiavam pela revelação do Filho.

   Como é fortuita a importância dos anjos, deslocada de sua ênfase, assim a própria criação desvanece, do mesmo modo que os inimigos se tornam estrado sob os pés do Filho. Herança maior sempre será a salvação, assim declaram as Escrituras. E o autor anônimo de Hebreus anseia por demonstrar que ela reside no Filho.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Estações pela Bíblia - Hebreus - Introdução

   A maioria dos livros da Bíblia apresenta uma Introdução em seu início. Quando não, seu próprio começo soa como se o fosse.

   Por exemplo, interessante é o modo hebreu de nomear os livros do Pentateuco. Ao selecionar uma das ou a primeira palavra, já se constitui numa dica do assunto neles constante.

   Hebreus inicia-se, de modo magistral, convidando a se continuar lendo, afirmando, em linhas gerais: "Deus fala". Sempre falou e, por último, last, but not least, falou por meio do Filho.

    Quem é esse Filho? O anônimo autor responde: ele é a "expressão exata" do ser de Deus, sustenta tudo por Sua palavra e, fundamental, após ter-nos purificado de nossos pecados, está à direita do Pai.

    Síntese magistral da Pessoa e propósito do Pai e do Filho, apresentação ao leitor das duas principais personalidades do que segue escrito e introdução do que segue exposto, em sequência lógica, por todo o restante da Carta.

    Interessante é ler a Bíblia estabelecendo pontes de sentido com outras de suas partes. Isso porque para isso é que foi escrita. Quando supomos que se trata de uma coleção fechada, canônica, de tamanho e autoria definidos, é fantástica essa afinidade de temas entre seus escritos.

   Evidente que nos referimos ao que é central no Livro todo. Que se manifesta, nessa introdução, aqui mencionada, na menção de "depois de ter feito a purificação dos pecados", um dos temas, senão o principal em toda a Bíblia.

   Nesta Introdução, o autor de Hebreus nos remete ao Evangelho de João. Porque João expressa o Filho em sua grandeza e identidade com o Pai. Dizer ser o Filho "expressão exata" do ser de Deus, equivale, em João, dizer que Deus tem o Verbo, é o Verbo e que o Verbo se fez carne em Cristo.

    Assim como João, que já nos remete ao Gênesis, também linka com essa introdução, quando lemos que se refere ao Filho como "sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder". Esse texto se refere à participação de Jesus na Criação.

    Porque quem sustenta todas as coisas, terá de se medir desde o início, como seu referencial. E aqui lembramos outro trecho, agora de Paulo aos Colossenses, quando menciona que Cristo, em relação ao Pai, "é a imagem do Deus invisível".

    E continua: "tudo foi criado por meio dEle e para ele. Ele é antes de todas as coisas e nele tudo subsiste". E adiante em sua argumentação, "nele habita corporalmente toda a plenitide da divindade".  E assim se passeia pelas Escrituras.

   E se fôssemos falar sobre o segundo ponto aqui destacado, que é "ter feito a purificação dos pecados", todos os livros da Bíblia apresentam uma antecipação para esse clímax, ou a descrição precisa desse fato, do modo como as Escrituras o interpretaram.

   Como tarefa de casa, leia toda a Carta aos Hebreus. O autor vai detalhar o modo dessa personagem, aqui referida como Filho, não deixar de ser Jesus, e como as Escrituras, do Antigo e Novo Testamento, focam e interpretam sua Pessoa.

    E elas, as Escrituras, fazem-no de modo exclusivo. Não há outra fonte fidedigna que aborde, sobre o Filho, essa identidade com o Pai e a obra específica que realizou.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Atualizem-se

    Deus Coach, Influencer ou Youtuber. Precisamos de urgente atualização. Deverá ser o porquê a própria Bíblia está sendo (muito) pouco procurada.

   No meu tempo, e olha que já vão 65 anos, quase 60 como crente, reclamava-se do tamanho da letrinha e porque era um livro grosso e sem imagens.

   Embora meu pai e o irmão mais velho dele tenham lido esse livrão com letras miudinhas e sem figuras à luz de lamparina, lá na roça, no Farope, com apetite, muita gana.

    Mas era noutro tempo, em que a espiritualidade era outra, achegava-se ao Livro com fome, coma o rolo, como ouviu Ezequiel, entre outros. E comia-se.

   Era porque ia-se ao rolo acreditando encontrar nele verdades. Como comentou Jesus, vocês vão às Escrituras (pelo menos) buscando vida eterna, e elas testificam de Mim.

    Mas atualmente, além do desgaste de descrédito, e espantem-se, há até quem professa ser de tradição protestante, mas não atribui ao Livro fidelidade quanto a tudo quanto afirma.

    Filtram-se conteúdos, adaptados ao gosto deste século, multiplicam-se hermenêuticas, ao gosto do exposto nas prateleiras do politicamente correto e perde-se o conteúdo principal do Livro nesse milk-shake de embates.

    Então precisamos urgente de outros tipos de mediadores. Precisam estar atualizados. A piedade da busca do conteúdo do livro, como a que o buscava à luz de lamparina, perdeu-se na transição da geração de meus pais para esta.

    Subjazem, na consciência anêmica dos púlpitos, conceitos, ideias e teorias que transferem dúvidas a respeito da legitimidade das afirmações do Livro.

    O que, aliado ao mal preparo de muitos pregadores e ao desinteresse contínuo pela leitura devocional do livro, no dia a dia da caminhada da vida, que ele se torne apenas uma referência ocasional, usada da estratégia socioemocional de autoajuda.

     Precisamos de Coaches, Infuencers e Youtubers que nos devolvam, por meio de seu entretenimento fluido, um interesse, pelo menos supersticioso, quem sabe astrológico pelo livro. Porque pregações e estudos bíblicos ninguém aguenta.

    Por favor, alguém inclua em nossos seminários (se essa alcunha de nome ainda prevalecer a esse século), por meio de cursos on-line, é claro, disciplinas que formem esses novos profissionais da arte digital.

    Atualização deve ser o termo-chave. Igrejas on-line. Relações pontuais. Não é a igreja que tem de ditar meios, processos, normas, comportamentos. Ela apenas precisa atualizar-se.

     E quanto a seus membros, não se preocupem. Não precisam mudar. É ela que precisa se adaptar. Caso haja dúvida, não nos preocupemos: apenas por impor nossos novos hábitos, essa nova adaptação vai se concretizando.

    A igreja é o que somos. Cada vez mais. Ou cada vez menos. Mas não esqueçam que há na Bíblia uma opção permanente de consulta, para avaliação. 

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Onde está o Senhor?

     Onde estás? Esta a primeira pergunta de Deus ao casal Adão e Eva, na viração do dia, quando pensavam esconder-se.  Pois nem esconder-se e nem saber onde estavam.

   Interessante é o ser humano dizer que não tem provas da existência de Deus. Como se dissesse que Deus se esconde, que não aparece. Quem pensa que se esconde é o próprio ser humano.

   Ridícula a indicação da história primordial: "esconderam-se por entre as árvores do jardim". Não cessamos de ser crianças. Elas que pensam esconder-se apenas pondo as mãozinhas frente aos olhos.

    Jeremias cobra do povo de Israel que perguntem "Onde está o Senhor?". Nem esta pergunta, pode-se dizer, é fruto de autonomia humana ou sede autônoma por Deus.

    Quando o salmista se expressa dizendo "A minha alma tem sede de Deus", pode crer, não parte do interior de quem assim afirma. Deus a põe no coração do homem/da mulher. Ou será que algo existe que não tenhamos recebido de Deus?

    Jeremias cobrou de que não se perguntassem por Deus e por Suas obras. Gideão também argumentou com o anjo que lhe apareceu: "Se o Senhor é conosco, por que nos sobreveio tudo isto", Jz 6:13.

     Mas o profeta que foi antes enviado havia advertido: "...não destes ouvidos à minha voz". Jz 6:10. Somente Deus pode dizer ao ser humano onde está. E somente se fará ouvir quando perguntamos onde está o Senhor?

    Paulo indica cinco características gerais da condição de quem pensa se esconder de Deus. Ef 2,12: 1. estar sem Cristo; 2. separado da igreja; 3. estranho à Bíblia; 4. desesperado; 5. sem Deus no mundo.

    Pode ser que exista outra fonte que não a Bíblia para se ouvir Deus. Seria mística, ou seja, audível de forma sonora direta? Seriam compêndios de teologia? Quem sabe fragmentos de antigos filósofos ou na continuidade da história deles?

   De nenhum modo contesto tais tradições. Pelo pouco que conheço, enalteço-as, e mais conhecesse, fosse da filosofia, fosse da teologia para enaltecer ainda mais. O que desejo frisar é que palavra de Deus possível, somente se encontram nas Escrituras.

    Onde está o Senhor? Jeremais assim propõe ao povo, no início de sua profecia: "...e sem perguntarem: Onde está o Senhor , que nos fez subir da terra do Egito [...] Os sacerdotes não disseram: Onde está o Senhor?", Jr 2,6a e 8a.

    Onde estás? "E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás?", Gn 3:9. Somente Deus pode nos indicar onde estamos. Caso não se dê ouvido aos profetas, como no tempo de Gideão, ou estes deem pista falsa, como no tempo de Jeremias, não saberemos nem onde estamos e nem onde está o Senhor.

    Ainda resta recorrer às Escrituras, que dão testemunho de Deus. "Á lei e ao testemunho", como diz Isaías 8,20. Ou se conhece outro modo de se responder: "Onde está o Senhor?".

domingo, 14 de agosto de 2022

Ansiedade de um pai

 Então, Manoá orou ao Senhor e disse: Ah! Senhor meu, rogo-te que o homem de Deus que enviaste venha outra vez e nos ensine o que devemos fazer ao menino que há de nascer", Jz 13:8.

    A expectativa da criança que vai nascer já é uma dádiva de Deus e revela o desvelo dos pais. No caso de Sansão, ainda antes de nascer, como promessa, os pais foram prevenidos e dedicavam a Deus, por antecipação, o filho que haveria de chegar.

   A providência de Deus, quando nos alcança, é restauradora, e mesmo que a criança que veio ao mundo não houvesse recebido a acolhida ideal, haverá, pela graça de Deus, meios de se recuperar para a expectativa correta.

    A esposa de Manoá, não nomeada na Bíblia, era estéril. Para ela, já em idade avançada, o anúncio do nascimento de um filho foi grande benção. E feito de modo distintivo e muito especial. O anjo foi designado para fazer.

   Deus tinha uma vocação especial para o menino que haveria de nascer. Ela foi instruída para isso. E, quando deu ao marido essa notícia, ele orou ao Senhor para que novamente o anjo o viesse instruir, pessoalmente, do mesmo modo que fizera a sua esposa.

   A preocupação de Manoá era saber ser instruído: "...nos ensine o que devemos fazer ao menino que há de nascer". Todo pai deve ter essa preocupação. Mas saber, da parte de Deus, a instrução é como dedicar ao filho esse mesmo ensino.

    Moisés, no Deuterinômio 6,6-9: "Essas palavras que hoje te ordenou estarão no teu coração, tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escrverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas".

    Isso mesmo. Exagerado assim. Hoje vivemos um tempo de estresse bíblico. Até os crentes estão enfatuados de Bíblia. Não aguentam mais Bíblia, Bíblia, Bíblia... Então criem seus filhos assim, ao léu, arrisquem e vejam os resultados. Mas não poderão consertar depois. Porque essa chance passa. E tem prazo de validade.

    E não será automático: não há como inculcar no filho a palavra que não está no coração do pai (e da mãe). Soa falso para o filho o agir mecânico e formal. Se o pai não se constitui modelo, não terá o que mediar por meio da palavra.

   Quando o texto esgota todas as possibilidades, está focando todo o viver. Diária e diuturnamente. Pôr como frontal e nos umbrais, é ter permanentemente diante de si. Caso o pai não dedique a sua própria vida lugar de destaque, para as Escrituras, não poderá, será nulo como exemplo e modelo para o filho, na verdade, para o seu lar, para a sua famiia.

   Incomodava Manoá saber que tipo de instrução, proveniente de Deus, poderia e deveria dar ao filho. A ansiedade desse pai foi que obtivesse com clareza essa orientação. Essa manifestação de um desejo, em Manoá, tem três indicadores: 1. Crer que, da parte de Deus, poderia receber orientação; 2. Saber, com clareza, como obtê-la; 3. Reconhecer como aplicável ao filho e pôr em prática.

    São três indicadores que, no mundo de hoje, tornam-se desprezíveis, quando nem são levados em conta como exequíveis. Quando se supõe a possibilidade da existência de Deus, talvez se avalie ridículo esperar dEle instrução.

    Qual seria, então, instrução e como, portanto, receber: de que fontes, como autenticar, como atualizar no contexto atual? E sua aplicação prática no mundo de hoje. Que valor teriam e, confrontada com a modernidade, dela o que vai prevalecer?

    A resposta somos nós que daremos. Não por vencer polêmicas. Nem por impor concepções. Mas por aceitar, crer e promover, no viver, esses três indicadores. A igreja é a única a crer que Deus existe, fala instruindo e que Seu ensino é sempre atual.

   E que Seu ensino não é nem acadêmico e nem ciência, no sentido especulativo ou filosófico. Deus ensina a ser humano. Deus resgata a condição de homem e mulher. Onde mais, por que outra fonte existe acesso a essa instrução?

    É essa que vamos negar a nós mesmos, assim como negar ser modelo de instrução aos filhos? Pobres, literalmente, pais sería(e)mos. 

domingo, 7 de agosto de 2022

Uma oração

"Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai", Efésios 3:14.

   Sem provocação gratuita, mas vivemos um tempo em que, frequentemente, costuma-se afirmar que a igreja está posta contra a Academia e que esta, oportunamente, está disposta a instruir aquela.

   Eu, particularmente, não abro mão de nenhuma das duas, creio mesmo, se o valha minha opinião, que cada qual tem o seu mister. Mas também afirmo que a igreja tem específicos totalmente excludentes dos métodos da Academia.

   Um deles é a oração. A afirmativa de Paulo Apóstolo, acima indicada, caso seja explicada pelos métodos acadêmicos, nada terá a dizer a respeito de quem ouve, no caso, Deus. Porque por seus métodos, eles nada têm de assertivo a afirmar sobre a oração.

   E as definições de "Deus", se vão explicá-lo pelas Ciências da Religião, ou por fatores sociológicos, históricos, filosóficos, quem sabe psicológicos, mas sempre na direção do que se reúne, em termos de saber humano, a respeito de Deus, vai se contestar, para nunca se legitimar ou achar possível elencar o que, da parte de Deus, se conhece a respeito do homem.

    Paulo, em sua oração, baseia-se no fato de que ela é uma resposta a Deus. E que, quando se fala com Deus, este ouve e responde. Creio que estabelecer que Deus fala, pode ser ouvido e que atende orações, portanto, representa diálogo, o que, definitivamente, não faz parte de conclusões acadêmicas.

   Pode ser até, como já aqui admitido, que a Academia fale a respeito de Deus. Mas nada em sua epistemologia indica que admita diálogos com Deus. E Paulo, em sua oração, está sendo didático, pois o que pede faz parte de um procedimento padrão, válido para a condição do ser igreja, e do lugar, na relação com Deus, que a igreja assume a representa.

   A primeira coisa em que Paulo acredita seja possível que Deus faça é fortalecer por seu Espírito, o homem interior. Esta terminologia indica uma ação de Deus no ser humano, sendo o adjetivo "interior" indicativo do lugar íntimo e definitivo dessa ação de Deus. Por meio do Espírito Santo, Deus age no homem/mulher e o(a) fortalece. Essa é uma afirmação escriturística, daí sua realidade e exequibilidade.

    Seguindo adiante em sua argumentação, no conteúdo de sua oração, Paulo afirma que é por esse meio, qual seja, pela presença permanente do Espírito Santo no "homem interior" do ser humano, é que Cristo habita em nós. Isto é, a presença do Espírito em nós equivale à de Cristo. O molde de nossa personalidade, à semelhança desse de Cristo, é realidade por meio da presença do Espírito Santo em nós.

   E Paulo passa a discorrer, detalhe por detalhe, o que tais fatos, destacados e ilustrados nesse texto das Escrituras, no conteúdo dessa oração, operam na personalidade humana. Começa dizendo que essa presença do Espírito e equivalência com Cristo nos pororciona estar arraigados e alicerçados em amor.

  As Escrituras reivindicam para si conter, em suas páginas, e indicar qual seja a fonte genuína do amor. Somente possível quando há raízes em Cristo e sustentação de um alicerce calcado em Cristo. Então esse amor pororciona um deslumbramento do conhecimento.

    Paulo já havia dito isso em outro lugar, também no conteúdo de uma oração, na carta aos Filipenses, que o amor permite pleno conhecimento e toda a percepção. Pois nesta oração vai estabelecer limites sem limites, porque largura, cumprimento, altura e profundidade, na argumentação de Paulo, terminologia que indica medição de grandezas, neste contexto elas esbarram no infinito.

   E agora, tendo percorrido a ação do Espírito, o modelo da matriz de personalidade que Cristo representa, Paulo chega a Deus, afirmando que essas medidas ao infinito permitem conhecer o amor de Deus, embora este exceda todo o entendimento, e ainda como corolário, ser tomado de toda a plenitude de Deus.

   Muito interessante, no contexto da Academia, avaliar algo que excede todo o entendimento, assim como ser tomado de toda a plenitude de Deus. Destaquem-se os indefinidos "todo/toda": todo significa dizer que não há qualquer, ou, se preferem outro indefinido, não há nenhum conhecimento que caiba, no qual se contenha, pelo qual se esmiuce amor.

     Definitivamente, estamos lidando com categorias puramente escriturísticas. No mínimo, teológicas. Assim mesmo, haverá limites até para a própria teologia, caso seja tentada, aliás, o que frequentemente faz, retirar a literalidade dessas afirmativas, quem sabe anotando impossibilidades para sua concretude e cumprimento.

   Falar a respeito de Deus, não é falar com Deus. Falar (e ouvir) Deus se chama oração. Paulo aqui investe à sua oração toda a possibilidade e capacidade de ser experimentada no contexto do que a igreja representa. E termina, afirmando haver ainda mais, infinitamente mais do que seja possível pedir ou pensar, como se fosse mesmo ainda possível algo além do que já foi exposto.

   Paulo, ao mesmo tempo, esgota e amplia, com Deus, todas as possibilidades. Quando afirma que, na igreja, a possibilidade é ser tomado de toda a plenitude de Deus e que, se algo mais se exige, há infinitas possibilidades, Paulo esgota e amplia. Que benéfica, realista e abençoadora a linguagem  das Escrituras, bem como a concretude e realidade do que expõem. Grato, Paulo Apóstolo, por essa oração.

   

sábado, 6 de agosto de 2022

O evangelho segundo Jesus

 "Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deusestá próximo; arrependei-vos e crede no evangelho", Marcos 1:14,15.

    Confesso ter um certo apego a esse texto. Talvez, entre outras razões, por encará-lo  como legenda-padrão de inserção do evangelho, assim previamente definido, na história.

   Por que afirmo isso? Porque o momento, marcado pela prisão de João Batista, que, antecipadamente, Jesus reconhecia ser irreversível, até o própria estúpida morte do proefeta, como que indicava uma virada de página entre Antigo e Novo Testamento.

    João define essa transição, quando diz: "Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo", João 1:17. Pois em Marcos é Jesus, por essas palavras, quem assinala essa transição, com o início do ministério que dará ensejo, instrução e conteúdo ao próprio ministério da igreja.

    O que Jesus diz dá início ao tempo da igreja, indica o conteúdo de sua mensagem, inscreve o ministério dela na escatologia dos tempos e confirma profeticamente o reino de Deus.

    A primeira afirmação sobre o tempo, não se trata do cronológico, embora nele Jesus estivesse, como nós, inscrito. Não é Marcos, mas João que vai afirmar que o Verbo de fez carne para entrar na história.

    Jesus redime a história da humanidade, por redimir e no redimir a própria humanidade. Mas não o faz em bloco, no combo, mas individualmente. Adiante-se a sua afirmação aos fariseus: "O reino de Deus está dentro em vós", não deles, propriamente, mas de quem pelo reino é acolhido e o reino acolhe.

   O tempo aqui é divino. Restrito à ação de Deus, regido por Deus, "contado", se assim se deseja supor, pela providência de Deus. Quando em sua carta Pedro exorta os que ridicularizam a parousia, dizendo estar tudo na mesma, ele recorre a uma símile matemática: "Para Deus, um dia é como mil anos, e mil anos é como um dia".

    O tempo se refere à principal ação de Deus, início do ministério da redenção em Cristo Jesus. O principal sinal da escatologia em curso, ou seja, da ação culminante de Deus na história, é a primeira vinda de Cristo. E ele próprio anuncia isso.

   E esse tempo inclui a fase atual do ministério da igreja, até sua segunda vinda. Essa afirmação de Jesus norteia o ministério da igreja, classificado-o como urgente, distintivo e essencial. A menção do reino de Dsus integra o rol de indicativos do sinal profético que a mensagem de Jesus representa.

    O reino de Deus é providência de Deus desde o período de Samuel, tempo da chamada anfictionia tribal, assim indicado pelo fato de, um juízes, as doze tribos experimentarem uma relação direta com Deus e uma identidade de vida comunitária entre elas. Não havia um líder que as unificasse. Eventualmente, era indicado um juiz, que a todas representasse.

    Samuel, muito de juiz, profeta e sacerdote, foi o que mais de perto se aproximou, em sua liderança, desse ideal de Deus. Daí o que está escrito em 1 Samuel 8,7:  "Atende à voz do povo em tudo quanto te diz, pois não te rejeitou a ti, mas a mim, para eu não reinar sobre ele".

    A elevação de um rei à posição de líder unificador entre o povo, usurpava o lugar de Samuel, que era móvel, como juiz, percorrendo as tribos, em sua época, representando a unidade de propósitos entre elas.

   A intenção de Deus nunca foi de ser um rei político, num regime teocrático, erros históricos das igrejas futuras, entre elas a católica e as demais protestantes, herdeiras da ruptura com Roma, após a reforma. A intenção de Deus sempre foi reinar, individualmente, no coração. Assim Jesus define o reino de Deus. "Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós", Lucas 17:20,21.

   A conversa de Jesus com Nicodemos, a um só tempo, indica que o acesso ao Reino se dá pelo novo nascimento. E João explica que é geração de Deus. Nascemos no Reino pelo Espírito. João Batista já afirmava que, entre os mesmos fariseus que interpelam Jesus, estava aquele que natizava no Espírito.

     O que aguardamos é e redenção dos que faltam completar o chamado de Dsus. E a entrada no reino, pela ação de Deus, em Cristo, por meio do Espírito, nos coloca no tempo de Deus. Saímos da cronologia, não no sentido físico, mas sim no existencial.

   Nossa vida, como diz Paulo aos Colossenses, está oculta com Cristo em Deus. Embora ainda sujeitos às limitações, assim como Cristo experimentou, de nossa vida física e terrena, em nós operam as virtudes da vida que é eterna, em valores, em obras e no amor de Deus, vida essa com início nesse novo nascimento.

   Jesus assinala que o anúncio do tempo de Deus, em sua irrupção na história, e da entrada no reino, ao alcance da fé, se dá a partir da consciência que se tem por meio do arrependimento, pelo qual se obtém acesso ao evangelho.

   É esse evangelho que Jesus anuncia. Essa a mensagem, a boa nova que Ele traz. Essa é mensagem renovadora da igreja. Para ela é sempre novidade, sempre oportuno, permanentemente profético dizer, como Jesus: "O tempo está cumprido, e o reino de Deusestá próximo; arrependei-vose crede no evangelho", Marcos 1:14,15.

    A igreja precisa resgatar consigo a relevância dessa mensagem. Ela é diferente de tudo o que ocupa esse mundo, qualquer informação, ilustração ou grandeza. Ao mesmo tempo que é mensagem sempre atual, que em qualquer e em todas as circunstâncias adverte a humanidade e almeja conquistá-la para a sua urgência e relevância.

    A igreja, somente ela, tem a capacidade de avaliar a oportunidade do evangelho, sua importância, seu efeito, poder e autoridade. Fala em nome de Jesus. Ecoa e reverbera essa mesma mensagem pregada pelo Mestre. Ela vive sob a égide dessa legenda.

     A missão e vocação da igreja, tudo o que Deus planejou, cumpriu em Cristo e, pelo Espírito, implanta, tem lugar nesse tempo, como sinal é proximidade do reino, cuja porta nela, de entrada, é o arrependimento para a fé no evangelho.