sexta-feira, 21 de maio de 2021

Copacabana e Rio Branco, Acre - com o mesmo Limeira, tudo a ver.

Depoimento de Limeira, Antonio Limeira Neto, que já registrou suas próprias memórias. Conta, numa visita que Regina, Dorcas, eu e as crianças lhe fizemos lá em Nilópolis, RJ, que foi convidado pelo Rev. Daniel Gonçalves Lima, Presidente da Junta Geral da UIECB naqueles dias, para ocupar o DM, antigo Departamento de Missões da UIECB -- União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil.

Relutou, aquela história toda mas, finalmente, aceitou. A Junta Geral tinha lançado uma campanha especial de Multiplicação de Igrejas. A UIECB reúne o grupo evangélico mais antigo do Brasil, desde 1855, mas também um dos menores: atualmente reúne cerca de 450 Igrejas.

Nesse afã, Limeira aceitou, na expectativa de ampliar a presença denominacional, e a principal meta era alcançar as capitais de Estados onde não havia ainda nenhuma Igreja congregacional. E, no panorama nacional, figurava todo o Norte, com exceção de Belém, onde já havia um trabalho missionário iniciado.

Limeira, então, visitou toda a Região Norte e plantou trabalhos, começando por Manaus, depois Boa Vista e, finalmente, Rio Branco. Especificamente com respeito a Rio Branco, as circunstâncias eram difíceis. A partir de Porto Velho, Rondônia, a 540 km, não havia estrada asfaltada. Levava-se de 5 dias até uma semana, dependendo do regime das chuvas, para se cobrir essa distância que separava as duas cidades. Ou voo pela Varig.

Daso Coimbra, estamos nos anos 80, anos e anos o Deputado Federal evangélico, que conhecia bem essa realidade, advertiu Limeira que seria praticamente impossível aventurar instalar um trabalho naquelas, ou melhor, nestas paragens, naquela época.

"Mas -- esclarece Limeira --, como nós tínhamos em mente lançar a igreja congregacional no Norte do país...", relata, só ficou dependendo de que, numa das reuniões do DM, fosse aprovado e se iniciasse a tarefa. E foram priorizadas as cidades mais difíceis, escolhidas Rio Branco e Boa Vista, esta sim, somente alcançada, naqueles idos, por avião. A BR 174, que liga Manuas a Boa Vista, era inóspita.

Manaus, ainda, até hoje, somente alcançada por voo ou por veículo tracionado, a partir de Porto Velho, pela BR 314, não totalmente asfaltada, foi outro desafio. E não somente o acesso era a dificuldade mas também, e crucialmente, o obreiro a escolher. Limeira entrou em contato com o, na época, seminarista Nelson Rosa, que estudava no Seminário Congregacional do Nordeste, em Tejipió, Recife, convidando-o para o trabalho no Norte.

Criou-se a expectativa: caso ele aceitasse ir para o Acre, naquelas condições, seria o homem melhor indicado. E ele aceitou. Afirmou sua disposição em ir para lá ou para qualquer outro lugar. Missionário nato, ele e a sua futura esposa Josilene. Ficou decidido começar pelo lugar mais difícil. 

terça-feira, 4 de maio de 2021

Ora, como o evangelho chegou ao Antônio - 2

 O que Sérgio queria me dizer foi que jogava no jacaré, ora, sei lá, mas fazia o seu palpite na "roda da fortuna", o popularíssimo jogo do bicho. Isso o impedia de se batizar. Mas que ele queria, isso ele queria. Eu disse aleluia! Ele arregalou os olhos.

Eu repliquei, Sérgio, pensa comigo. Se somente te falta, para o batismo, largar o palpite nessa "roda do infortúnio", isso é o mais fácil: o mais difícil, quer dizer, o impossível, para nós, mas não para Jesus, já está feito. Você é convertido autêntico.

Lembramos juntos do texto do jovem rico. Porque quando os apóstolos, na avaliação deles viram o "gente boa" ser reprovado no teste que Jesus fez, Pedro, exagerado como era, falou, Mestre, se esse cara não é gente boa, ninguém é. Jesus respondeu que conversão não é, somente, difícil: é impossível.

Foi assim que eu e Sérgio, naquela manhã, encerramos a conversa: fica combinado, Sérgio, o impossível, para nós, já ocorreu. Você é crente. Quando largar isso aí, me procura. Largou e não demorou muito. Batizei. Eu acho que batizei (com menos água) aquela família toda.

Os meninos de Solange começavam a vir com a tia Sueli e as primas, Patrícia e Simone. Rafael e Gustavo. Certa vez, coincidiu que eu os visse chegar trazidos pela mãe. Apressada, deixou-os na porta da igreja. Os meninos despediram-se, foi quando o caçula falou fica mãe, vamos entrar. Solange argumentou, hoje não, filho, mamãe não colocou a roupa de domingo e deixou por fazer o almoço em casa.

Mas ela promete que vem. Vai ser outro dia. Por falar em "vai ser outro dia", parecendo letra de música, não esqueço a primeira vez em que Solange havia entrado na igrejinha antiga. Sentou-se bem na frente, no segundo banco. Gustavo, o caçula, dormia em seu colo. Mas o desenho de sua boca se mostrava meio que contrariado. Essa foi a leitura que fiz.

Me parece que era um aniversário de uma das meninas de Sueli, a irmã. Solange veio contrariada. Aquela história de agora serem protestantes era meio descabida. Pelo código de ética que as unia, as três, sim, porque tem a outra de Campo Grande, esse código não permitia que uma falhasse com a outra. Nisso aí tinha o dedo de Alda. Equação rígida. Por isso, jamais faltaria o aniversário da sobrinha, ainda que fosse naquela "igrejinha" (aqui, com aspas).

Solange veio. Gustavo dormindo no colo. Estratégia das meninas de Sueli. A gente convida, o senso ético funciona, ela não vai negar, tem raiva de crente e raiva de igreja, mas o evangelho faz o seu serviço. Há bálsamo do Espírito em Gileade (e em Cascadura, qualquer "cascadura", também).

E um dia, para cumprir a promessa feita ao filho caçula, num outro domingo de sol bem ali, no velho portão da velha igreja, Solange veio. E nunca mais deixou e nem nunca vai deixar de vir. Agora a luta em oração era por Antônio. Diferente de Sérgio, no porte e no tamanho, não menos econômico nos gestos.

Também pouco se ouvia sua voz. Tarimbado (e calibrado) pelo toque especial das filhas de Alda. Ah, as filhas de Alda. Dá assunto de uma série da Netflix. Sueli, já falamos dela, não tinha o porte, digamos assim, a altura assintosa, impositiva, intimidatória de Solqnge. Esta se impunha pelo porte. Mas não se iludam. Tinha o mesmo poder de Sueli. Só que represado.

Sueli era (quer dizer, é) do tipo que, para compensar o porte menor, impõe-se pelo olhar, franzir de todo o rosto, estado de alerta máximo. Já viram aqueles tornados, pelo menos em tela, hurricane, em inglês? Se um deles encarar Sueli, retorna, nem contorna. Já Solange é diferente. Com um rosto de estátua grega, tem um lago de Itaipu represado dentro. Se for necessário, mas só se for necessário, move 8 turbinas de alta tonelagem (ou devo dizer Alda tonelagem) de uma só vez.

E a de Campo Grande? Ha ha ha, a de Campo Grande. Nunca a vi sem sorrir. Vejam bem, não estou dizendo que Sueli e Solange não riem também. Claro que riem. Quando riem, quem conhece as duas, fica sério. É melhor: nunca se sabe por que motivo riram. Mas a de Campo Grande, literalmente só ri. Deve ter feito muita raiva às outras duas, rindo na cara delas, durante toda a vida, todas juntas na mesma companhia. Imagino. Enfrentava rindo (para as duas e das duas) o mau humor (ocasional, é claro) delas.

A força dela, a mesma das outras duas, está no sorriso. Porque o humor que d. Alda tem latente, sutil, enrustido, essa irmã tem patente, explícito, franco. Quando o evangelho chegou na vida das três, tudo mudou. Porque concedeu a capacidade que só ele tem de suprir com força, com a força do Senhor, a vida inteira. A alegria no Senhor é a nossa força. Em cada momento, em cada dificuldade, que não foram poucas. A marca da amizade e da ajuda mútua preencheu a vida dessas mulheres.

Orávamos por Antônio. Eu acho que a conversão dele se deu quando eu já estava a pouco mais de 4.000 km de distância, aqui no Acre. Mas ainda assisti ao despertamento de sua curiosidade lá na antiga igrejinha. Deus começava a mexer no entendimento de Antônio, a despertar seu coração para o evangelho. Eu acho que pregava em Hebreus.

"Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo'. Hb 3,12. O termo bíblico "Deus vivo" bateu e ricocheteou no entendimento de Antônio. Ali onde estava, na fileira predileta de Solange, bem na frente, ele me interrompeu e não se conteve: "Como assim, Deus vivo?".

Aquilo me surpreendeu. Nunca antes ocorrera comigo. Era inusitado mesmo. Mas bem espontâneo. E nisso residia todo o valor da pergunta. Acho até que Solange ensaiou alguma reação. Mas amenizei. Sem constragimemtos.  Seria mais usual uma pergunta assim na escola dominical. Ela já estava experimentada nesse protocolo.

Mas exatamente nessa quebra de protocolo estava assinalado o começo de Antônio andar com Deus. Eu repondi a ele, pego de surpresa, Deus único, não há outro, não existe outro, qualquer outro é invenção. Deu-se por satisfeito. Uma conversa ou outra ainda trocamos após o término daquele culto.

Ali começava a vida de Antônio com Deus. E continua. E nunca vai acabar. Nunca mais. Tão longe assim nos cunduz o evangelho. E assim tão perto, de Deus, com Deus e para Deus. 

Ora, como o evangelho chegou ao Antônio - 1

 Corre um história que minha mãe contou. É como se ouvisse sua voz chamando meu nome. Cid Mauro, Sueli e as duas meninas vão a Cascadura. E foram mesmo, as três mulheres, uma bem miudinha, a outra um pouco maior do que a irmã e a terceira, a mãe, um pouco mais madura.

Parece que houve uma conspiração por parte das irmãs, no sentido de ter aguçada sua curiosidade. A maior das curiosidades, que somente o evangelho provoca. A mãe, sempre muito rigorosa. Professora, como a minha própria mãe. Ora, aliás, foram colegas de como chamavam o Curso Normal, no Nilopolitano, nos idos de 1963, as colegas normalistas.

Bendita curiosidade do evangelho. Queriam conhecer a igreja de tia Dorcas. Ora, mas quantos domingos de sol fomos, minha mãe e eu, a pé, desde os tempos em que morávamos em Cascadura, para a "igrejinha de infância", como diz o hino Igrejinha Antiga, "onde a voz de mamãe a Deus suplicava por mim".

Nessa época das normalistas colegas, eu era da idade da menina mais nova. Encheram-se de curiosidade, querendo sempre mais, sempre muito, sempre muito sério. Era o rigor de d. Sueli. Ah, mas não: nunca admitiria brincadeiras com algo tão sério. Ela era, por tradição, de outra religião. Parece que, nessa santa conspiração, as meninas insistiam em ficar na igrejinha da infância.

Ela dizia, está bem, ficamos, ora, mas se ficamos, porém tem de ser tudo muito sério. E sempre foi. E foi tudo muito rápido e muito urgente. Porque o evangelho não espera. Ele mesmo diz é agora. O dia da salvação é hoje. No hoje de Deus. E foi como num rastilho, que foi alcançando toda aquela família, Sueli e cada irmã dela, e a mais madura de todas, a linda d. Alda, essa, sim, a matriarca de todo o rigor (e todo o bom humor). É muito lindo, é o mais lindo de ver o efeito do evangelho na vida da gente, o modo como cremos, como nele e dele vivemos, o modo como dele testemunhamos.

Vinham as notícias dos efeitos do evangelho no restante da família das três mulheres: a miudinha, a média e a mais madura. Ora, o pai. Para mencionar o pai, fizeram dele, pobre Sergio, outro cúmplice do evangelho. Pobre, não, enriqueceu de vez, não esperou. Há tanta saudade de tanta gente daquela igrejinha. Pois uma delas, ah, meu Pai, como aprendi com aquela gente, uma delas é o rosto do Sérgio, a pessoa do Sérgio, o jeito e os gestos do Sérgio. 

Ora, mas que família! Esses homens que cismam e se apressam logo em ir para casa. Sérgio começou com as filhas e a esposa a não perder, por nada, a igreja. As portas da igreja estão abertas, escancaradas, ara, meu irmão, com o rigor de d. Sueli, com o seu "domínio de turma", não havia atraso.

Não esqueço outra manhã de sol. Oh, meu Pai, aquelas manhãs de sol em Cascadura. Podem achar irônico o nome, sim, podem até achar, mas todo crente já teve Cascadura, só quem amacia é o Espírito, como um óleo milagroso. Como diz Jeremias, o profeta, há médico (e óleo) em Gileade (ou em Cascadura).

Nesa manhã de sol, Sérgio me cercou nos bancos antigos da igrejinha antiga. Fala macia. Também, meu amigo, que homem não tem fala macia com três mulheres em casa, uma miudinha, outra média e aquela mais madura? Diz aí! Pastor, dizia ele, posso lhe falar. Puxa, vindo do Sérgio, qualquer e toda a conversa. Haja curiosidade que o evangelho provoque.

É que eu estou pensando em me batizar. Essa história de batismo eu já conhecia, a mesma conspiração em andamento, quando aquela menina de Sérgio, ela mesma, a de tamanho médio, a mais velha, saiu-se com essa mesma ideia. Enfrentou o rigor de d. Sueli. Meu amigo, para enfrentar o rigor de d. Sueli, só tem duas saídas: ter o mesmo DNA, que era o caso da miudinha e da outra, a média. Ou ser alvo do amor das três, que era o caso do Sérgio.

Sérgio falava baixinho. Era necessário apurar os ouvidos. Com quase ninguém por ali, no velho templo, ele disse: Pastor, é que eu quero me batizar. Sim, eu dizia das meninas. Não me interrompam, que já conto a história de Sérgio. Acho que foi a mais velha, essa que chamo de média, em tamanho, mas Sérgio e Sueli chamaram Simone.

Ela disse, como eu já disse, só com o mesmo DNA para enfrentar Sueli, mãe, eu quero me batizar. Que que isso, menina. Tá pesando que é brincadeira? Não, não estou: por isso mesmo que eu quero. Haja convicção! Pior, quer dizer, melhor foi que a miudinha, que os pais chamaram Patrícia, disse eu também. Pronto, d. Sueli, 2 X 1. Saiu ganhando dessa vez.

Este texto está extenso. Vou contar a história do Sergio no próximo. Mas a conversa de batismo não ficou entre as três, porque vieram me procurar. Prestem atenção: isso tudo ocorreu antes dessa conversa, também miudinha, com Sérgio, sussurrada, com aqueles gestos tímidos, comedidos, desenhando com as mãos, típicos dele. Ora, vocês não sabem como três mulheres com esse DNA domesticam qualquer homem.

Pastor, falou Sueli numa outra manhã de sol bem ali, no corredor entre bancos da igrejinha antiga: Simone me procurou e disse que quer ser batizada. Eu nada falei. Mirei nos olhos das três, primeiro a mãe, a filha média, depois a miudinha. Sim, só falei isso. O que o Sr acha? Só então eu falei, e falei o que diz o manual: é lícito e justo, se ela crê. A menorzinha também falou eu também quero. Sueli, ora, Sueli, só com o olhar sinalizou. Ela se calou (e eu também).

Ficou decidido que batizaríamos a média. A menor, consultei Sueli. O veredito foi que esperasse. O fruto ainda estava meio verde. Não houve nenhuma reclamação, naquela manhã de sol, nem minha e nem da miudinha. Batizamos Simone. Como já preveni, esta história vai longe. Aguardem o segundo texto. Coisas do evangelho. Essa história vai longe e você nem imagina quão longe ela vai.