segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

 A mim me veio, pois, a palavra do Senhor, dizendo: Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações. Então, lhe disse eu: ah! Senhor Deus! Eis que não sei falar, porque não passo de uma criança. Mas o Senhor me disse: Não digas: Não passo de uma criança; porque a todos a quem eu te enviar irás; e tudo quanto eu te mandar falarás. Não temas diante deles, porque eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor. Depois, estendeu o Senhor a mão, tocou-me na boca e o Senhor me disse: Eis que ponho na tua boca as minhas palavras. Olha que hoje te constituo sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares e também para edificares e para plantares. Jeremias 1:4-10

      Jeremias trata em primeira pessoa sua vocação. Irrevogável. Deus se refere ao chamado como antes ainda de nascer. O profeta tenta dissuadir.

     Usa o argumento da imaturidade e do atropelo em sua fala. Deus o repreende. Não digas não passo de uma criança.

     Assim escrito, não dá para ouvir o timbre de voz dessa palavra de Deus. Mas, certamente, foi veemente. "A mim me veio, pois, a palavra do Senhor".

    Assim o profeta retrata seu chamado, aponta a justificativa que o faz se dizer profeta, anota sua tentativa de dissuasão e termina por dizer irredutível sua vocação. 

     Como "palavra do Senhor"? Autêntica, da parte de Deus, ou atribuída a Deus por circunstâncias externas? O que sai da boca de Jeremias, no livro, a denominada ipsissima verba, temos como palavra de Deus a Jeremias ou palavra de Jeremias atribuída a Deus?

     A problemática da palavra. Por si, traz sentido. Situa-se num contexto. É assumida e a ela se confere significado. Jeremias a diz proveniente de Deus. 

     Pelo menos, no tempo de Jeremias, uma parte significativa dos que o ouviam, negavam-lhe o status de profeta, quanto mais atribuir sua palavra a Deus. 

    Mas outra parte lutou para preservar o que Jeremias disse e, como já vimos, ele fala, seus biógrafos falam e os redatores posteriores também falam. 

    Há um contexto que recebe as palavras do profeta, acolhem-nas, inclusive fazendoa-as chegar até nós. Houve quem acreditasse que, realmente, a Jeremias veio a palavra de Deus. 

     Pelo menos, podemos distinguir em sua profecia a palavra de Deus e a não palavra de Deus. Quando, por exemplo, Jeremias denuncia idolatria, ainda no tempo dele, já no século VI, culto a Baal, ainda do tempo de Elias, pelo menos há 150 anos atrás, essa é a palavra de não Deus. 

    Simples equiparar a fé de Jeremias e, portanto, sua rejeição do não culto exclusivo ao Senhor. E derivado dessa troca, de Deus por não Deus, toda uma denúncia se torna decorrente e recorrente.

     O povo que rejeita o Senhor, em função de sua escolha, enfileira uma sequência de erros e desmandos que o profeta atribui à escolha errada. Seria tão difícil, assim, identificar qual seria, então, a palavra de Deus?

     E quais seriam os resultados da opção pela palavra de Deus, em comparação aos não resultados ou, para falar de outra maneira, os resultados da opção pela palavra de Deus comparados ao da opção pela não palavra de Deus? 

    Será fácil ou difícil, na profecia escrita de Jeremias, identificar onde o profeta reclama essa rejeição da palavra de Deus, acusando suas consequências, do mesmo modo que indica, preferencialmente, quais seriam os resultados inversos, caso a opção fosse pela palavra de Deus?

     Como já mencionamos que diz Paulo Apóstolo, não se pergunte como? Como subir ao céu, para trazer do alto o Cristo? Ou como, palavra de Deus? Como discernir palavra e não palavra de Deus?

    Ele mesmo responde: a palavra está perto, na boca e no coração, a palavra da fé que pregamos. Falta colocar fé na palavra de Deus. A fé, diz Paulo, vem pelo ouvir a palavra de Deus.

    Jeremias disse que a ele veio a palavra do Senhor. Houve quem desacreditasse. Mas, por outro lado, houve quem acreditasse. Por isso, chegou aos nossos dias a palavra dessa profecia. E podemos aprender a discernir, com facilidade, entre palavra de Deus e não palavra de Deus.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

    No texto bíblico, a vocação ou chamado de Deus são perícopes bem circunscritas, indicando a primeira e surpreendente fala de Deus ao vocacionado. 

    Vocacionar significa chamar. Deus escolhe e convoca.  Desde Noé, a quem Pedro Apóstolo chama de profeta para a sua geração, a Abel, a respeito de quem o autor de Hebreus diz que, mesmo depois de morto, ainda fala.

    Ainda que seja expresso por uma única frase, como ocorre, por exemplo, aos profetas menores, "palavra do Senhor que veio a", e segue o nome do profeta, esses homens recebem de Deus um chamado e autoridade para falar em nome dEle.

     No Novo Testamento, Paulo Apóstolo vai dizer, aos coríntios, que toda a igreja deve profetizar. E define profecia como "falar aos homens" tendo, como conteúdo, "edificação, exortação e consolo".

     No grego, oikodomene, paraklesin e paramuthian que, respectivamente, significam "dar (a vida) estrutura", "pôr-se junto advertindo" e "encorajamento".

     Portanto, o tripé da profecia que a igreja, em conjunto, deve praticar e, para isso, buscar preparo e assistência do Espírito Santo, implica construir, estruturar vidas, colar junto incomodando, se for o caso, e conceder encorajamento. 

     O profeta se interpõe, para dizer que Deus edifica, Deus se coloca ao lado, para até importunar, admoestar, que significa "estar ao lado molestando", ações no sentido de exortação, assim como o próprio Deus, em Pessoa, consola.

      A profecia existe para advertir de que Deus se interpõe, Ele mesmo, diante de cada um dos viventes, é assim desde sempre, desde o Éden, pela viração do dia. Com o derramamento do Espírito, como indicou Joel em sua profecia, destacado por Pedro, no primeiro sermão após a ressurreição de Jesus, toda a igreja é (ou deveria ser) constituída por profetas, para indicar essa postura e posição de Deus diante dos homens e das mulheres. 

     Voltando ao Antigo Testamento, fosse uma convocação curta, expressa por uma frase, como ocorre, por e exemplo, com Jonas e Abraão, ou perícopes reelaboradas, como ocorre com Moisés, Ezequiel e, em menor escala, com Isaías e Jeremias, as descrições e expressões desse chamado indicam, em linhas gerais, a tarefa do profeta e o contorno da situação a enfrentar.

      A Abraão, uma síntese do que Deus esperava dele, "de ti farei uma grande nação". A Moisés, "vi a aflição do meu povo e desci a fim de livrá-lo", com respeito a Israel, no Egito, e a Jonas, "ir à grande cidade de Nínive e pregar contra ela".

      A Jeremias, "velo sobre minha palavra para a cumprir", expresso na visão de uma vara de amendoeira que dá o seu broto inadvertidamente. E do "rolo compressor" que vem do Norte, detalhado na descrição que Joel já havia feito dos exércitos dos impérios do oriente, assírios, em 722 a. C., e agora, no tempo de Jeremias, a partir de sua vocação ainda em tempos do rei Josias, os babilônios. A visão simbólica que ilustra essa hecatombe é de uma panela que se entorna a partir e na direção que indica o norte.

      Em linhas gerais, esse é o panorama da profecia de Jeremias. Vai reafirmar, em termos políticos, a realidade que se impõe, a partir da Mesopotâmica, do jogo de forças que compõe a geopolítica de sua época e, em meio à constatação dessa ameaça sobre o minúsculo reino de sua gente, delinear o quadro de rejeição da palavra do Senhor, em função dos falsos discursos de ocasião e seus respectivos porta-vozes.  

      Como comentou Paulo Apóstolo aos coríntios, muitas são as vozes no mundo, nenhuma delas sem sentido. Em meio a tantas vozes, destaca-se a de Deus. Cumpre ouvir, distinguindo-a entre todas as demais. 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

     Para conhecer a estrutura do livro de Jeremias, ou seja, o modo como chegaram até nós as coleções de textos que o compõem, é necessário debruçar sobre os estudos mais recentes. 

    O que significa recuar até 1901, com Duhm, depois avançar até 1914, com Mowinckel e, finalmente, alcançar Rudolph, em 1947. Em linhas gerais, as pesquisas desses autores nos darão pistas seguras para nos situarmos em meio às classes distintas de textos do livro. 

     Pelo menos três grupos principais, aos quais Mowinckel classificou pelas letras A, B e C, representam as modalidades gerais de textos: A, textos poéticos e narrativas em prosa, autobiográficas, diretamente atribuídos ao profeta.

     Os textos B, quase metade do livro, com narrativas biográficas em 3a pessoa, escritas por Baruque, seu escriba, mas também por outros autores desconhecidos. Podem ser colocados em ordem cronológica: cap. 26, 609 a. C.;19,1-20,6; 36; e 45, estes em 605; 51,59-64, 594; Jeremias X Ananias, cap.28 e Carta aos Exilados, cap. 29, em 593; o assédio à Jerusalém, 34,1-7, em 587; e demais acontecimentos, nos cap. 37-44, em 586.

     Os textos C, que segundo Rudolph são 8 em forma homilética e mais 2 como discursos narrativos, pertenceriam aos revisores da chamada escola deuteronomista, teoria esta que procura definir uma gama de autores presentes nos arranjos finais dos textos bíblicos, desde a última edição do Deuteronômio, passando pelos demais livros históricos e alcançado os textos proféticos. 

     Deve ser compreendido que os autores bíblicos, por exemplo os profetas, quando não escrevem, de lavra própria os seus livros, têm quem o faça, discípulos ou outros redatores que buscam preservar suas palavras. Na antiguidade, juntar esses escritos aos originais dos profetas não era fraude ou plágio, mas cuidado, preservação e detalhamento de um tesouro inestimável.

         Os grandes blocos do livro, portanto, compreendem, inicialmente, os textos de 1-25,13a, sendo que a partir daqui, na LXX, estão intercaladas as chamadas Profecias às Nações, 46-51, nesta numeração atual no texto hebraico. Neste primeiro bloco se encontra a coleção principal dos oráculos do profeta, constantes no chanado 1o rolo, antes que o rei Jeoaquim, filho de Josias, o queimasse, e fosse ordenado a Jeremias a sua segunda escrita, como 2o rolo, levada a cabo por Baruque. 
 
        O segundo bloco é o chamado Livro de Consolação,  cap. 30-33, que procura ser um alento, após as carregadas denúncias dos pecados de Judá e Jerusalém nas seções anteriores. A parte final, já mencionada, são os chamados Oráculos contra as Nações, 46-51, faltando mencionar e discriminar o conteúdo dos capítulos que medeiam esses três blocos. 

      Nicholson classifica o trecho de 26-36, de fora, como já vimos, 30-33, como uma coleção de oráculos e ditos proféticos de Jeremias, em sua maioria em prosa narrativa, contando "a história da palavra de Deus proclamada pelo profeta e rejeitada em bloco pela nação".

     Por exemplo, o trecho de 7,1-8,3 seria o Sermão do Templo, como apresentado por Jeremias, segundo a redação da escola deuteronomista, portanto um texto da família C, de Mowinckel, e o capítulo 26 seria a narrativa biográfica do contexto desse sermão, um texto pertencente à classe B, segundo o mesmo autor. 

      E a parte de 37-45 vai cobrir, também por textos predominantemente em prosa, o período da vida de Jeremias entre a queda de Jerusalém, em 587, e sua atividade em meio aos que não foram para o exílio, a rebelião que assassina Gedalias, governador imposto pelos babilônios, e o rapto do profeta na fuga desses conspiradores para o Egito. 

     O capítulo 52 é um apêndice histórico baseado  em 2 Reis 24,18-25,30. Em linhas gerais, a palavra de Deus tradicionada por Jeremias se encontra nessa forma estrutural. Cabe, agora, trafegar dentro de cada coleção, analisando cada trecho, porque foi desse modo que Deus falou, fala e vai continuar falando.

        "Pois velo sobre a minha palavra, para a cumprir", disse o Altíssimo a Jeremias, no ato da vocação desse profeta. 

    

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O mesmo e o Outro em tempos de COVID

   Cada um de nós tem o que dizer, o que contabilizar sobre esse tempo. Afetou a todos nós. Aliás, ainda afeta.

    Desde a mudança de rotina, até o lado mais assustador, que é o medo de contrair o vírus, até ao encontro com a realidade. 

     Para contabilizar quem contraiu e venceu, ou teve amigo, parente ou conhecido, que o valha, porque também venceu, ou porque, em meio a tantas mortes, anônimas ou com nome, alguém próximo também partiu. 

     Temos muito e pouco, ao mesmo tempo, a dizer. Alguma coisa, se formos descrever, com algum detalhe, as perdas, as próximas a nós ou de alguém ou alguns que conhecemos. 

     Ou então podemos falar de nossa agenda, já ajustada à nova rotina, mas não tão descuidada que permita uma brecha para o risco. Não poderemos deixar de falar de Deus. Porque continuamos, mesmo em meio à pandemia, a ter comunhão com Ele, crentes que somos. 

     O que mudou em relação à igreja? Sim, mudou a rotina nossa e dela. Mas continuamos a ver nela, como diz o salmista, vontade de que seja a nossa casa? A internet a trouxe para mais perto. Mas falta algo que a internet não traz.

      E Deus? Mudou alguma coisa, com a pandemia? Sim e não. Não, porque continua a ser amor. Sim, porque Deus sempre se renova e sempre nos surpreende. Não está imóvel e nem indiferente a tudo, como muitos estão pensando e outros não entendendo. 

      A primeira pista de que Deus continua em dia com Sua agenda somos nós mesmos. Em meio a toda essa pandemia, temos mudado para melhor? Continuamos os mesmos? A Bíblia diz que Deus tem uma agenda em nós. Estamos na agenda de Deus. 

    O planeta, todas as pessoas, todas as nações, agora tão parecidas em sua rotina, estão na agenda de Deus. A prioridade de Deus continua sendo nós, todos e cada um em Sua agenda. Deus não está indiferente a nenhum de todos nós. 

     Alguém poderia perguntar pelo vírus. Mas essa reposta nós já temos. O endereço do vírus, a intimidade dele, suas idas e vindas, sim, a rotina e até mesmo sua agenda está mais do que conhecida. Se há uma coisa, entre muitas outras, que não é assunto de Deus é esse vírus. 

    Pois está aí. A gente não vive achando que Deus e ciência não combinam, que ciência e Deus estão em campos opostos, que aquela não confirma Este? Pois COVID é coisa da ciência. Não tem nada a ver com Deus. COVID é coisa aqui de baixo, é coisa nossa. 

     A ciência, que também é coisa nossa, não faz mais do que sua obrigação em querer saber das origens dele, de sua parentada viral, suas idas e vindas, exatamente para planejar o seu fim. Essa é a obrigação e a finalidade da ciência.

     Não ponham o COVID na conta de Deus. Mas se queremos ser pessoas melhores, vamos pôr isso na conta de Deus, que Ele, por isso, se empenha, com ou sem COVID.

     Não podemos deixar que o vírus revele ainda mais e maior a nossa rotineira mesquinhez. Já basta o vírus. Vamos permitir que Deus opere em nós Sua agenda, como diz Paulo Apóstolo, opere em nós o Seu querer e o seu realizar, segundo Sua (sempre boa) vontade. 

     Não vivemos pelo vírus. Vivemos pelo Senhor nosso Deus. Vamos tomar todos os cuidados que a velha ciência recomenda. Vamos torcer e orar pela vacina para liquidar com (mais) esse vírus.

     Mas esperando em Deus que esta ou qualquer circunstância nos encontre incluídos na agenda dEle, que continua sendo o mesmo e ao mesmo tempo o Outro. 

domingo, 22 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

     Se Deus existe, fala. De nada adiantaria um Deus distante, enigmático ou mudo. E sua fala está perto e fácil de ser entendida.

    No Antigo e Novo Testamentos há afirmações sobre a natureza desse diálogo com o homem. A palavra de Deus está no diálogo com o homem.
 
     Paulo Apóstolo diz que a palavra está perto, na boca do homem, ou seja, ao alcance da compreensão humana, no boca a boca com Deus. 

    E o autor de Hebreus diz que Deus fala de muitas maneiras e, para completar, falou pelo Filho. Todas as falas anteriores sempre foram autênticas, a fala pelo Filho foi seu ápice e todas as falas posteriores também são autênticas.

     Como identificar as falas anteriores, a autêntica fala pelo Filho e as falas posteriores? Ou Deus nunca falou, o Filho é uma fraude e as falas em nome do filho são blefe?

    Não existe uma palavra dada, estática, da qual o homem faça um print e compartilhe, cabendo ao traço final dessa operação sua compreensão. 

    O diálogo de Deus com o homem é dinâmico. Alguns personagens das histórias bíblicas ilustram esse dinamismo. Josué, por exemplo, a ele foi dito ser necessário meditar, cumprir e proclamar. 

     Deus está presente, com o homem, nessas três instâncias: o diálogo no silêncio da meditação, o suporte no momento do esforço para cumprir e a autoridade para proclamar.

     A voz da gutural fala de Deus uma única vez foi ouvida. No ensaio do Sinai, quando se supôs ouvir, o povo instituiu Moisés como profeta. Não que fosse novidade, porque muito antes Noé foi considerado profeta à sua geração e ainda antes dele Abel que, mesmo depois de morto, ainda fala.

     Daí para a frente, Moisés ficou encarregado de transmitir ao povo a palavra de Deus. Foi assim instituído o ministério profético. Deus até achou interessante a solução sugerida pelo povo, no Sinal, mas descreu da facilidade deles em acatar e obedecer a palavra dEle transmitida por boca de profetas. 

     Ilustrativo, na história do rico e de Lázaro, contada por Jesus, supor que o milagre de um morto ressuscitando, para pregar aos entes queridos, seria um facilitador da fé. Jesus autorizou o ministério profético em curso, afirmando que, se não creem nos profetas, ainda que ressuscitasse um dentre os mortos, para pregar aos vivos, a descrença prevaleceria.

     Boca a boca, a palavra de Deus está acessível e compreensível ao que crê, ao que prega a palavra e ao que ouve. Em Jeremias vemos a cobrança pela palavra profética não ouvida, a autenticação da palavra pregada, frente aos discursos da demagogia, e a palavra sendo escrita, em curso, para servir como referência às gerações futuras. 

sábado, 21 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

    "Velo sobre minha palavra para a cumprir", diz o Senhor a Jeremias quando o vocaciona. Qual é a palavra,  como ouvir ou dizê-la e quem a transmite?

    Esse era o destaque da profecia de Jeremias. Por isso aparece na introdução do livro, na narrativa de sua vocação. O contexto do ministério de Jeremias tem a regência da palavra de Deus. 
    Josias foi guindado à posição de rei pelo grupo "povo da terra", do qual se conhece pouco de sua identidade, mas se tem certeza de sua força política. 
     Garantem o menino no trono, contra uma conspiração que assassinou Amom, seu pai, mal completara 2 anos no trono. Com 16, afirma o texto das Crônicas, Josias dispõe o coração para buscar a palavra do Senhor.
   Em meio às reformas que manda empreender, exatamente na faxina do templo de Jerusalém, encontram um rolo que, levado a Josias, torna-se chave no empenho de legitimar as reformas que já empreendia. 
      Por todos os lados cercam as palavras. As que impulsionam o adolescente Josias, neto de Manassés, símbolo do que foi pior como rei, em Judá, apontado como causa do exílio por vir. E bisneto de Ezequias, rei que resiste, em oração, ao cerco de Senaqueribe, em 701 a. C., rente às muralhas de Jerusalém, limite até onde vem o assírio.
     Palavra escrita no rolo do Deuteronômio, encontrado esquecido em meio aos entulhos, dentro do templo. Tradição que vem, de etapa a etapa, sendo reeditada pela escola canônica de reformistas, até alcançar o reinado do último rei piedoso antes do colapso.
      Desde a fuga de egressos do reino do norte, colapsado pelos assírios em 722 a.  C., quando trouxeram o que se supunham ser as tradições escritas no período de prosperidade de Salomão, reunidos agora em rolo os escritos que darão sobrevida ao povo, de 586 a 536, no período do exílio em Babilônia, até ao retorno e valorização da Torah, sob Esdras e Neemias, a palavra de Deus escrita dá contínuo suporte ao povo de Deus. 
     E agora com o naar Jeremias, esse a quem Deus repreende por se dizer ser muito jovem, querendo escapar de sua irredutível responsabilidade, com ele somam-se à palavra previamente escrita e tradicionada, a autêntica e atual palavra do Senhor dirigida àquele povo.
    Quem fala, como fala, de que modo fala, qual é a palavra de Deus por boca de Jeremias? E Deus ainda hoje fala? Então, do mesmo modo, quem, como, de que modo e quando, por boca de quem e de quantos? É nítida essa palavra? Discerne-se a palavra e a não palavra de Deus? 
     Urge identificar que discursos são não palavra, quando esta cumpre o papel de confundir. Cumpre seu papel ao inverso e deve ser desacreditada. A não palavra e o não discurso trazem em si mesmos os indicativos de sua hipocrisia.
     No tempo e época de Jeremias, no tempo e época de hoje. Jeremias ensina a identificar onde e como estão estruturados os discursos de falsidade. Questiona e denuncia todas as pseudo autoridades de seu tempo, do rei ao ancião caduco e corrupto, do príncipe ao falso juiz, do sacerdote idólatra, vendido e imoral ao falso profeta.
     Desmascara. Porque Deus vela sobre sua palavra para a cumprir. E essa palavra é martelo que esmiuça a penha.
     

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

       Na vocação de Jeremias, Deus lhe diz "velo sobre minha palavra, para a cumprir". E vota que Jeremias seja um "cara dura", contra tudo e contra todos. 

    Em Judá de seu tempo, o que restava, na virada do séc VII para o VI a. C, do povo judeu, no reino de sul, cuja capital era Jerusalém, a vida política se resumia na conjunção entre trono e sacerdócio.

     Ele começa no tempo de Josias, um rei de autoridade forte, garantido politicamente por um grupo misterioso, denominado "povo da terra", que, após o assassinato de seu pai, Amon, em apenas dois anos de reinado, garante sua subida ao trono, com apenas 8 anos de idade.  

     Rei reformista, que contrariou uma gama de religiosos mistos, simuladores da religião de Israel, mas servidores nos templos idólatras, os chamados "altos", que eram templos de religiões alienígenas, inaugurados ainda por Salomão, e mantidos até essa época. 

      Josias foi o único com coragem para profanar as sepulturas dos antigos sacerdotes desses cultos, desenterrando e queimando seus ossos nos altares desses templos. Poupou uma única sepultura, quando foi informado de que ali repousava um profeta que anunciara esses dias. 

     Jeremias, sacerdote fora de função e, por isso mesmo, odiado entre seus iguais, começa seu ministério nessa fase alvissareira. Sofonias havia profetizado pouco antes e não poderia haver clima melhor para a vida de qualquer profeta. Até Hulda, uma mulher guindada a essa mesma condição de profetiza, apoia as reformas de Josias, com respaldo no livro que foi encontrado nas faxinas do templo em Jerusalém, muito provavelmente um rolo do Deuteronômio.

     Com garantia e força política, a palavra desses profetas tinham eco e efeito garantido para fazer valer o empenho em sanear uma sociedade tão intrincadamente corrupta, hipócrita e de fé esquizofrênica. Pelo que Jeremias e Ezequiel denunciam em sua profecia, a respeito do lado de dentro da estrutura moral daquela sociedade, somente o cataclisma que se avizinhava no horizonte poderia fazer com que toda a chaga desaparecesse. 

     Como bem havia definido Isaías, quase um século e meio antes, Israel, naquela época ainda dois tronos, Norte e Sul, era, "do alto da cabeça à ponta dos pés" uma chaga só, não cuidada e nem tratada com a profilaxia de uma fé genuína e saneadora. A única solução mais amena seria a conversão ao Altíssimo, desde os tempos de Amós, Oseias, Isaías e Miqueias, profetas contemporâneos, reclamada, mas nunca atendida. 

     Ao tempo de Jeremias, o que Judá viu acontecer a Efraim, em 722 a. C., diz o profeta, de nada adiantou e, como bem descreve Joel em sua curta profecia, os mesmos gafanhotos destruidores, babilônios ao sul, tanto quanto foi com os assírios ao norte, vão pôr fim ao que restou do último reino, do miúdo reino da dinastia e casa real de Davi. 

     Ao final da sequência de livros canônicos do Antigo Testamento, o aporte histórico indica perda total: a "terra prometida", a (meia) liberdade política do trono, já tributário de egípcios e babilônios, desde a morte precoce de Josias, em 609 a. C., e a demolição e incêndio do pavilhão do templo e toda a cidade, em 586 a. C., marcando um desfecho que nenhum profeta desejaria confirmar. 

      Jeremias punha-se, como que meio forçado pela não pesada de seu parceiro, como muralha e, semelhante a Ezequiel, com cara de diamante diante de tudo e de todos, em Jerusalém, indicando que há palavras e palavra. E sobre esta última, há zelo, da parte de Deus, o parceiro do profeta, em que seja mantida e cumprida. 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Vida e experiência de Jó - 2

     Sabedorias, teologias, porém uma única intimidade 

     Na discussão entre Jó e seus amigos divisamos essas duas, no plural e, a terceira, somente uma, fala franca e atrevida, dirigida  a um parceiro de caminhada, como a um velho conhecido. 

     A sabedoria de Jó, destacada e enfatizada na Bíblia, é a que, no início de sua jornada com Deus, o rei Salomão pediu em oração, praticou e registrou por escrito, antes que ele dela se apartasse em sua velhice. 
    A outra de que falam de modo genérico e em terceira pessoa, do mesmo modo que a anterior, é a teologia que os amigos de Jó demonstram e nela são scholars, mas falam como algo distante da real definição, função e prática teológica. 
    Já a teologia de Jó é resultado de sua vivência. Não que somente fosse dela um curioso diletante, mesmo porque nivela-se com os amigos, em competência, até mesmo acima deles, mas porque a sabedoria que demonstra, assim como a teologia que pratica e confessa tem raízes em Deus. 
     A pergunta é se é possível uma teologia em 3a pessoa, ou seja, falar-se a respeito de Deus, porém com relação nula com Ele ou, ainda que fosse, uma relação rala com Deus. 
     Não é possível afirmar que os amigos de Jó sejam desprovidos de fé ou crentes inautênticos, ou mesmo diminuir-lhes o grau de instrução, preparo e experiência. 
     Mas acentua-se a distância entre eles e Jó. Se podem, os quatro, ser comparados em grau de instrução, retórica e conhecimento, em termos de vivência com Deus, confrontados com Jó, os três se distanciam. 
     A intimidade entre Deus e Jó é notável e demarca a distinção entre a sabedoria e teologia dele, em relação às de seus amigos. Com segurança, a partir dos discursos de Jó, podem-se desenvolver tópicos seguros de teologia.
     Mas na fala dos amigos, é necessário todo um cuidado de garimpo, para não se colher pedrinhas em lugar de pepitas. A sabedoria e teologia de Jó são práticas e vivenciais, resultado de uma íntima comunhão, de uma história que não se constrói artificialmente, nem de uma hora para a outra.
     Já a teologia dos amigos é construída a partir de intuições e a sabedoria é suposição ao nível da notabilidade argumentativa dos amigos: trazem tudo fabricado, a partir de pressupostos pré-estabelecidos.
     Como dizia meu velho pai, já na glória, esta uma expressão da geração dele, sabedoria e teologia sem nenhum sentido prático, porém especulativas. Sem contar a tecla desafinada que, vez por outra, insistem em teclar de novo, na insistência de um suposto motivo oculto, na vida de Jó, que justificasse toda a calamidade.
     Para eles o sofrimento existe como punição, e não como corolário do pecado. Enquanto isso, ouvidos os discursos, réplicas e reclamações de Jó, escandalizam-se, sem razão, como testemunhas de tamanha intimidade. 
     Definitivamente são, pelo menos, duas teologias, dois tipos de sabedoria, porém uma só intimidade. Antes mesmo da afirmação final, já está claro que Jó conhece a Deus não somente por ouvir falar. 

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Vida e experiência de Jó

 Suposições 

   O adversário de Jó esperava que a fraqueza dele fosse supor o vazio existencial passível de, por essa abertura, penetrar e devastar a vida do patriarca.
    O que satanás nunca supõe é o grau de intimidade que existia entre Deus e Jó. Entre Deus e o homem ou mulher a quem Deus ama. Sobre o amor, satanás nada supõe. 
     Nesse caso, é às escuras que propõe caso Jó perca, desista de Deus, supondo que a esposa vá acertar no palpite dela, que vai amaldiçoar a Deus e morrer.
    Há uma hierarquia nos bens de Jó e seu inimigo sabe disso. Mesmo com o Altíssimo o apresentando como íntegro, reto, temente a Deus e que errasse o mal, satanás aposta consigo mesmo. 
     Deus conhece Jó. Jó conhece Deus. A sucessão de perdas o abala, perda maior, certamente, foram os filhos, tudo o mais desaba, com a perda dos bens materiais e tudo junto, seu círculo social, pessoal a seu serviço e posses. 
     Até que também desabam sobre ele as dores físicas que, junto com as emocionais, avassalam o homem. Sua fantasia é supor que nunca nacesse, como se pudesse imaginar o não sofrimento. 
    Resolve amaldiçoar uma hipótese. Magistral saída. Nem que, ainda que Deus sondasse seu coração, como a todos faz, encontrou algum traço da sugestão de sua esposa. 
     Nem de leve amaldiçoa a Deus. Mesmo quando os argumentos dos amigos começam a pesar contra ele, e levantam a suposição que vem, de Deus, toda essa punição, por um suposto pecado que Jó, abrigando escondido, nem assim, nunca Jó acusou Deus de ser sentencioso.
     Uma brecha na vida de Jó procurada por satanás. Sabe que temos brechas, falhas, carnalidades. Mas algo que nunca supõe é o grau de intimidade com Deus. 
    Nada entende de amor, da rapidez com que Deus e seus(as) amigos(as) dialogam e nada entende de conhecimento de Deus. Talvez conheça Deus só de ouvir falar. Perdeu, ele sim, a chance da intimidade. Jogou fora. Perdeu para si mesmo.
     Porque não sabe, apenas supõe, o grau com que Deus se revela. Nada sabe disso. Nunca desejou saber. Ainda que se insinue, perde, por ser Deus, sempre, o primeiro a vencer e a ensinar a vencer o mal com o bem. 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Cena comum

    Lucas diz que pastores cuidavam de seu rebanho nos campos, quando uma miríade de anjos advertiram de que o menino havia nascido.

    Um deve ter dito ao outro, cuida, vamos lá. O amigo deve ter respondido, mas com quem deixar as ovelhas? Sim, muito provavelmente eram pastores muito responsáveis. 

    Outros não estariam assim tão ligados e tão na expectativa, que merecessem um anúncio assim tão específico.

    Acharam com quem ficassem as ovelhas. E foi gente de confiança, com certeza. Recomendaram que ficassem atentos. Não dormissem.
  
    Com  certeza, o descampado onde estivessem já havia sido escolha estratégica. Quem sabe, somente raposas fossem assim tão ousadas. 

     Que cantassem, como Davi, salmos ao Senhor. Descansaria as ovelhas, advertiria as raposas. Muito provavelmente nem ursos ou leões, numa Judeia já tão assim urbanizada, estariam por perto.

     Outro pastor deve ter dito vão, que fico por aqui. Mas os primeiros disseram não, o recado foi para nós todos. Mas só disseram que vamos encontrar um menino enrolado em panos, deitado num cocho rústico. 

      Cena por demais comum. Tantas, inúmeras, incontáveis cenas chocantes existem por todo o mundo e em todas as épocas. Não se conhecem todas elas. 

     Mas o seu requinte de crueldade representa as ausentes ou desconhecidas. Sem contar suas repetições. Por que uma cena tão comum, de um menino nascido, enrolado em panos e deitado num cocho rústico sobrepuja a todas as outras cenas?

      Quem é esse menino? Que expectativas se têm posto nesse seu nascimento comum? Em que comum, em que distinto?

     Deixaram o rebanho, convencidos que estavam, de que deveriam seguir esse instinto, ainda por cima que foram advertidos por anjos. Onde está toda a ilusão dessa história?

     Na aparição de anjos que falam e indicam um dado rumo? No lugar comum da cena do menino enrolado em panos e deitado no cocho rústico? Ou foi lenda o que os pastores contaram, desde sempre, e ainda depois quando espalharam o acontecido?

     A gente espera que essa cena feliz, da mulher com seu marido acolhida numa erma hospedaria, que dá à luz um menino enrolado em panos e deitado num cocho rústico se sobreponha a todas as demais cenas tristes de toda a história, que já foram vistas, que estão sendo e ainda serão. 

      Muita expectativa se põe sobre a vida desse menino. 
    

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Deus e o dilema do amor

   Oseias é o profeta que retrata bem isso. Deus indica que se case com uma mulher infiel. Para que ele sinta, do mesmo modo que Deus sentia, a infidelidade de quem era alvo de seu amor.

     E no caso os infiéis somos nós. Essa ideia de que são eles, no caso, não existem eles: infiéis somos todos nós e também alvo do amor de Deus. 
    O dilema do amor é amar, entre infiéis que reconhecem sua condição, aceitando o amor de Deus, e infiéis que perduram em sua condição e rejeitam o amor.
    A profecia de Oseias mostra como é a reação de Deus diante desse dilema. Começa com os nomes dos filhos do profeta: Jesreel, Lo-ruama e Lo-ami. 
    Cada um, pelo nome recebido, carregava sinais de infidelidade. O sangue do vale de Jesreel, onde morreram pela espada de Jeú os filhos de Acabe, e "Desfavorecida" e "Não meu povo". A identidade dos filhos representava a distorção da identidade do povo. 
     Chamados a ser o povo de Deus, sacerdotes entre as nações, na antiguidade, Deus se empenhava por lhes devolver a identidade perdida. 
     Deus dedicou-se a resgatar seu povo do Egito. No deserto, falava-lhe ao coração. Se por um lado Números mostra as "estações da rebeldia", Oseias chama de namoro esse período. 
    Deus não pode deixar de denunciar as particularidades da infidelidade, mas sua história de amor com o povo perdura e se configura Seu esforço para que prevaleça o amor sobre o pecado. 
    "Irei e voltarei para o meu lugar, até que se reconheçam culpados e busquem a minha face; estando eles angustiados, cedo me buscarão, dizendo: Vinde, e tornemos para o Senhor, porque ele nos despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará. Depois de dois dias, nos revigorará; ao terceiro dia, nos levantará, e viveremos diante dele. Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor; como a alva, a sua vinda é certa; e ele descerá sobre nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra".
      Deus espera a conversão. Ela chama à conversão. Conhecer o Senhor é privar de Sua comunhão. É Deus que atrai com cordas de amor. "Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho. Quanto mais eu os chamava, tanto mais se iam da minha presença; sacrificavam a baalins e queimavam incenso às imagens de escultura. Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomei-os nos meus braços, mas não atinaram que eu os curava. Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor; fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas e me inclinei para dar-lhes de comer".
     Em Seu dilema Deus renega a condição humana, indicando que não se pode deixar dominar por sentimentos que O privem do seu amor: "Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como fazer-te um Zeboim? Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à uma, se acendem. Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira".
      Vence e prevalece o amor de Deus.  "Volta, ó Israel, para o Senhor, teu Deus, porque, pelos teus pecados, estás caído. Tende convosco palavras de arrependimento e convertei-vos ao Senhor; dizei-lhe: Perdoa toda iniquidade, aceita o que é bom e, em vez de novilhos, os sacrifícios dos nossos lábios".
     Incondicional o amor. Mas não pode prescindir das palavras de arrependimento e da conversão. Oseias deixa claro a necessidade da maior e definitiva demonstração do amor de Deus,  que foi amar como homem, tendo se feito homem, na pessoa de Jesus Cristo para, definitivamente, salvar. 
     "Eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte; onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua destruição? Meus olhos não veem em mim arrependimento algum".
     Somos chamados a deixar de lado nossa infidelidade. E quanto a Deus, não se arrepende de amar assim.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

"Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?" Lucas 18:8.

      Propusemos à igreja a leitura dos Evangelhos nessa semana. Para as duas próximas, a leitura dos profetas menores, assim chamados.

    Cuidado: não são menores na importância e, talvez, nem no tamanho, embora sobre este não temos como saber. A Bíblia não lhes fornece a altura. 
    Mas no tamanho dos livros. Bem, embora Zacarias seja maior do que Daniel, com 14 capítulos, é assim mesmo chamado "menor".
     Os Evangelhos lidos nesta semana que passou, para quem conseguiu ou está em curso, são 89 capítulos, média de 12 a 13 por dia. Pesado, vamos dizer assim.
      Para os profetas, de Oseias a Malaquias, serão 67, o que nos dá de 9 a 10 por dia. Bem, o desafio está lançado. Eu ainda acho que faz diferença, muita diferença na vida do crente a leitura da Bíblia.
      Desejo mencionar um exemplo de leitura em nossa igreja, a nossa irmã Antônia, carinhosamente chamada Bebé. Há outros, certamente. Mas ela é flagrante, vista ao amanhecer no portão de casa, mergulhada sobre o Livro. 
     Se o próprio Jesus, no versículo acima, destacado por Lucas, perguntou-se se, na Sua vinda, encontraria fé na terra, é claro que se referia a nós. Porque fora da igreja não há fé, assim esperamos. 
     Ou dizendo de outra forma, esperamos que, principalmente, fé exista dentro dela e/ou na vida dos crentes que nela estão abrigados, como foi no Egito, na noite da primeira Páscoa, abrigados dentro da casa que tem a marca do sangue.
      Três coisas podem provocar a fé (ou a falta dela). Primeiro, a fé vem pelo ouvir a palavra de Deus, Romanos 10,17. Mais do que somente ouvir o sermão de domingo, emitindo nota de 1 a 10 sobre ele. 
     É fazer como os bereanos, de Atos 17,11, que provocaram em Lucas, tão cuidadoso nos seus comentários, um arrojo de preferência. Ouvir a palavra significa ler a palavra, conferindo tudo por ela.
      Segunda coisa é promover em si os efeitos da fé. Sim, porque pode-se ouvir a palavra de Deus, sem que venha acompanhada pela fé, não por ruído na comunicação, mas por causa de quem a ouve, veja em Hebreus 4,2.
      Neste versículo, o autor anônimo desse livro diz que, quem ouviu (ou leu), não creu e não exercitou, para isso, sua fé. Lembremos da parábola da semente, que aparece nos 3 evangelhos sinóticos, falando sobre 4 tipos de ouvintes. Vale ser o número 4. 
      Veja em Marcos 4,3-9; Lucas 8,4-8; ou Mateus 13,1-9. E, em terceiro lugar, não devemos fazer parte da geração que se estressou de ouvir a palavra de Deus, como ocorreu em Juízes 2,10-13. 
     Em sua vocação, Deus disse a Josué que meditasse em sua contínua leitura da Bíblia, cumprisse tudo nela escrito e somente então pregasse essa mesma palavra, veja Josué 1,7-8. Em seu "discurso de aposentadoria", Josué presta contas, como Samuel, poucas centenas de anos depois, recomendado ler e cumprir a palavra de Deus, veja em Josué 23,6.
     Chegou a ser interpelado, no trecho que está em 24,16-18, pelo que havia dito um pouco antes, em 24,15, quando supôs que aquela geração de seus conterrâneos abandonaria a palavra de Deus. Confira lá, como os de Bereia.
     Não sejamos a geração culpada pelo mau exemplo dado à seguinte de não lermos, com afinco e dedicação, a Bíblia. Nesse tempo de preguiça intelectual, em que poucos vão ler este texto, porque as imagens e vídeos da internet mais cativam a atenção do que o natural e benfazejo exercício da imaginação, ilustrada pela palavra de Deus. 
     Não sejamos como essa geração pós-Josué que decidiu dar seu mau exemplo, desconhecendo a palavra de Deus. Ativa em ignorar o testemunho que a precedeu. Se em Suas palavras Jesus supõe que, próximo à Sua vinda haverá um derrame de incredulidade entre nós, neste planeta, que nós mesmos não sejamos responsáveis por isso.
    Vamos dar aos nossos filhos exemplo de leitores da Bíblia, permitam-me dizer, como fizeram Cid e Dorcas para mim mesmo. Se li e leio menos do que deveria, ou faço menos do que deveria com o que leio ou já li, a culpa não foi deles dois.