segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Vida e experiência de Jó - 2

     Sabedorias, teologias, porém uma única intimidade 

     Na discussão entre Jó e seus amigos divisamos essas duas, no plural e, a terceira, somente uma, fala franca e atrevida, dirigida  a um parceiro de caminhada, como a um velho conhecido. 

     A sabedoria de Jó, destacada e enfatizada na Bíblia, é a que, no início de sua jornada com Deus, o rei Salomão pediu em oração, praticou e registrou por escrito, antes que ele dela se apartasse em sua velhice. 
    A outra de que falam de modo genérico e em terceira pessoa, do mesmo modo que a anterior, é a teologia que os amigos de Jó demonstram e nela são scholars, mas falam como algo distante da real definição, função e prática teológica. 
    Já a teologia de Jó é resultado de sua vivência. Não que somente fosse dela um curioso diletante, mesmo porque nivela-se com os amigos, em competência, até mesmo acima deles, mas porque a sabedoria que demonstra, assim como a teologia que pratica e confessa tem raízes em Deus. 
     A pergunta é se é possível uma teologia em 3a pessoa, ou seja, falar-se a respeito de Deus, porém com relação nula com Ele ou, ainda que fosse, uma relação rala com Deus. 
     Não é possível afirmar que os amigos de Jó sejam desprovidos de fé ou crentes inautênticos, ou mesmo diminuir-lhes o grau de instrução, preparo e experiência. 
     Mas acentua-se a distância entre eles e Jó. Se podem, os quatro, ser comparados em grau de instrução, retórica e conhecimento, em termos de vivência com Deus, confrontados com Jó, os três se distanciam. 
     A intimidade entre Deus e Jó é notável e demarca a distinção entre a sabedoria e teologia dele, em relação às de seus amigos. Com segurança, a partir dos discursos de Jó, podem-se desenvolver tópicos seguros de teologia.
     Mas na fala dos amigos, é necessário todo um cuidado de garimpo, para não se colher pedrinhas em lugar de pepitas. A sabedoria e teologia de Jó são práticas e vivenciais, resultado de uma íntima comunhão, de uma história que não se constrói artificialmente, nem de uma hora para a outra.
     Já a teologia dos amigos é construída a partir de intuições e a sabedoria é suposição ao nível da notabilidade argumentativa dos amigos: trazem tudo fabricado, a partir de pressupostos pré-estabelecidos.
     Como dizia meu velho pai, já na glória, esta uma expressão da geração dele, sabedoria e teologia sem nenhum sentido prático, porém especulativas. Sem contar a tecla desafinada que, vez por outra, insistem em teclar de novo, na insistência de um suposto motivo oculto, na vida de Jó, que justificasse toda a calamidade.
     Para eles o sofrimento existe como punição, e não como corolário do pecado. Enquanto isso, ouvidos os discursos, réplicas e reclamações de Jó, escandalizam-se, sem razão, como testemunhas de tamanha intimidade. 
     Definitivamente são, pelo menos, duas teologias, dois tipos de sabedoria, porém uma só intimidade. Antes mesmo da afirmação final, já está claro que Jó conhece a Deus não somente por ouvir falar. 

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