terça-feira, 10 de novembro de 2020

Cena comum

    Lucas diz que pastores cuidavam de seu rebanho nos campos, quando uma miríade de anjos advertiram de que o menino havia nascido.

    Um deve ter dito ao outro, cuida, vamos lá. O amigo deve ter respondido, mas com quem deixar as ovelhas? Sim, muito provavelmente eram pastores muito responsáveis. 

    Outros não estariam assim tão ligados e tão na expectativa, que merecessem um anúncio assim tão específico.

    Acharam com quem ficassem as ovelhas. E foi gente de confiança, com certeza. Recomendaram que ficassem atentos. Não dormissem.
  
    Com  certeza, o descampado onde estivessem já havia sido escolha estratégica. Quem sabe, somente raposas fossem assim tão ousadas. 

     Que cantassem, como Davi, salmos ao Senhor. Descansaria as ovelhas, advertiria as raposas. Muito provavelmente nem ursos ou leões, numa Judeia já tão assim urbanizada, estariam por perto.

     Outro pastor deve ter dito vão, que fico por aqui. Mas os primeiros disseram não, o recado foi para nós todos. Mas só disseram que vamos encontrar um menino enrolado em panos, deitado num cocho rústico. 

      Cena por demais comum. Tantas, inúmeras, incontáveis cenas chocantes existem por todo o mundo e em todas as épocas. Não se conhecem todas elas. 

     Mas o seu requinte de crueldade representa as ausentes ou desconhecidas. Sem contar suas repetições. Por que uma cena tão comum, de um menino nascido, enrolado em panos e deitado num cocho rústico sobrepuja a todas as outras cenas?

      Quem é esse menino? Que expectativas se têm posto nesse seu nascimento comum? Em que comum, em que distinto?

     Deixaram o rebanho, convencidos que estavam, de que deveriam seguir esse instinto, ainda por cima que foram advertidos por anjos. Onde está toda a ilusão dessa história?

     Na aparição de anjos que falam e indicam um dado rumo? No lugar comum da cena do menino enrolado em panos e deitado no cocho rústico? Ou foi lenda o que os pastores contaram, desde sempre, e ainda depois quando espalharam o acontecido?

     A gente espera que essa cena feliz, da mulher com seu marido acolhida numa erma hospedaria, que dá à luz um menino enrolado em panos e deitado num cocho rústico se sobreponha a todas as demais cenas tristes de toda a história, que já foram vistas, que estão sendo e ainda serão. 

      Muita expectativa se põe sobre a vida desse menino. 
    

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