segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

 A mim me veio, pois, a palavra do Senhor, dizendo: Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações. Então, lhe disse eu: ah! Senhor Deus! Eis que não sei falar, porque não passo de uma criança. Mas o Senhor me disse: Não digas: Não passo de uma criança; porque a todos a quem eu te enviar irás; e tudo quanto eu te mandar falarás. Não temas diante deles, porque eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor. Depois, estendeu o Senhor a mão, tocou-me na boca e o Senhor me disse: Eis que ponho na tua boca as minhas palavras. Olha que hoje te constituo sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares e também para edificares e para plantares. Jeremias 1:4-10

      Jeremias trata em primeira pessoa sua vocação. Irrevogável. Deus se refere ao chamado como antes ainda de nascer. O profeta tenta dissuadir.

     Usa o argumento da imaturidade e do atropelo em sua fala. Deus o repreende. Não digas não passo de uma criança.

     Assim escrito, não dá para ouvir o timbre de voz dessa palavra de Deus. Mas, certamente, foi veemente. "A mim me veio, pois, a palavra do Senhor".

    Assim o profeta retrata seu chamado, aponta a justificativa que o faz se dizer profeta, anota sua tentativa de dissuasão e termina por dizer irredutível sua vocação. 

     Como "palavra do Senhor"? Autêntica, da parte de Deus, ou atribuída a Deus por circunstâncias externas? O que sai da boca de Jeremias, no livro, a denominada ipsissima verba, temos como palavra de Deus a Jeremias ou palavra de Jeremias atribuída a Deus?

     A problemática da palavra. Por si, traz sentido. Situa-se num contexto. É assumida e a ela se confere significado. Jeremias a diz proveniente de Deus. 

     Pelo menos, no tempo de Jeremias, uma parte significativa dos que o ouviam, negavam-lhe o status de profeta, quanto mais atribuir sua palavra a Deus. 

    Mas outra parte lutou para preservar o que Jeremias disse e, como já vimos, ele fala, seus biógrafos falam e os redatores posteriores também falam. 

    Há um contexto que recebe as palavras do profeta, acolhem-nas, inclusive fazendoa-as chegar até nós. Houve quem acreditasse que, realmente, a Jeremias veio a palavra de Deus. 

     Pelo menos, podemos distinguir em sua profecia a palavra de Deus e a não palavra de Deus. Quando, por exemplo, Jeremias denuncia idolatria, ainda no tempo dele, já no século VI, culto a Baal, ainda do tempo de Elias, pelo menos há 150 anos atrás, essa é a palavra de não Deus. 

    Simples equiparar a fé de Jeremias e, portanto, sua rejeição do não culto exclusivo ao Senhor. E derivado dessa troca, de Deus por não Deus, toda uma denúncia se torna decorrente e recorrente.

     O povo que rejeita o Senhor, em função de sua escolha, enfileira uma sequência de erros e desmandos que o profeta atribui à escolha errada. Seria tão difícil, assim, identificar qual seria, então, a palavra de Deus?

     E quais seriam os resultados da opção pela palavra de Deus, em comparação aos não resultados ou, para falar de outra maneira, os resultados da opção pela palavra de Deus comparados ao da opção pela não palavra de Deus? 

    Será fácil ou difícil, na profecia escrita de Jeremias, identificar onde o profeta reclama essa rejeição da palavra de Deus, acusando suas consequências, do mesmo modo que indica, preferencialmente, quais seriam os resultados inversos, caso a opção fosse pela palavra de Deus?

     Como já mencionamos que diz Paulo Apóstolo, não se pergunte como? Como subir ao céu, para trazer do alto o Cristo? Ou como, palavra de Deus? Como discernir palavra e não palavra de Deus?

    Ele mesmo responde: a palavra está perto, na boca e no coração, a palavra da fé que pregamos. Falta colocar fé na palavra de Deus. A fé, diz Paulo, vem pelo ouvir a palavra de Deus.

    Jeremias disse que a ele veio a palavra do Senhor. Houve quem desacreditasse. Mas, por outro lado, houve quem acreditasse. Por isso, chegou aos nossos dias a palavra dessa profecia. E podemos aprender a discernir, com facilidade, entre palavra de Deus e não palavra de Deus.

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