sexta-feira, 27 de maio de 2022

Não é blindagem

     O contra-argumento de Satanás, no caso de Jó, foi dizer que Deus o havia blindado. O caso de Jó se aplica genericamente.

    Primeiramente, para dizer que Deus se orgulha de todos os dEle. A interpelação feita ao inimigo não foi porque Deus dava a Jó um destaque à parte.

    Nem esnobação divina. Aliás, esnobação é marca característica do adversário. Deus prioriza a humildade.  A razão, portanto, dEle pôr em destaque a personalidade de Jó não era nem autopromover-Se ou promover o Seu chegado.

    Nesse ponto pode-se generalizar o posicionamento de Deus em relação a seus eleitos. Porque as características da personalidade de Jó podem ser elencadas como prioritárias e indispensáveis na vida de qualquer fiel.
    
    Não se trata de blindagem. Assim como a conversa de Deus com o anjo decaído master não foi uma concessão na qual Deus se permitiu tentar. Tiago esclarece muito desse ponto. Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta.

     O homem (e a mulher) criados à imagem e semelhança de Deus, foram postos, no Éden, diante da condição de luta, para vitória contra o mal, sem nenhuma blindagem.

    Mas conscientizados. Sua opção pessoal voluntária e consciente deveria ser pelas escolhas que Deus neles inspirasse. Dessa forma se definiria a personalidade deles e sua intimidade e comunhão para caminharem juntos, homem e mulher, e ambos com Deus.

    Era então indispensável a autonomia de conhecer o mal e vencê-lo, para isso dando atenção à advertência divina. Esse já seria o ponto de partida. O primeiro casal falhou nesse teste essencial.

    Daí que sua relação com Deus se alterou drástica e profundamente. No jardim primordial, Deus estava muito perto, mais perto ainda do que o inimigo. Mas o que brotou de dentro, pela decisão do casal, revelou-se determinante e reprovaram-se nesse teste fundamental.

     Voltamos a Tiago, para checar o modo como, no casal, ele diz que brotou esse primeiro sentimento de aversão a Deus e seu contínuo desdobramento na raça humana até hoje. 

     Tiago indica o modo como o pecado se engendra: seduzidos pela nossa própria cobiça, numa relação íntima promíscua, damos à luz o nosso pecado que, uma vez consumado, produz uma única coisa: morte.

    E revisitamos a afirmação de Jesus quando diz que, de dentro, do coração do homem (e da mulher) procede todo mal. Procede de lá, porque lá se instalou. E lá se instalou, por concessão dela, ou seja, de toda a raça humana.

    Então aqui retornamos a Jó, para ser confrontados com sua personalidade: "Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal". Jó 1:1.

   Pois aí está a finalidade. Deus assim se deleita em Seus servos. Glória compartilhada como, posteriormente, Cristo define para Si mesmo e para a igreja. Isso sim Deus exalta e nisso Ele se deleita.

    Sim, acertivamente, Jó se constitui num padrão para qualquer servo. E o mal que lhe sucedeu, não por aposta entre Deus e Satanás, mas circunstâncias da soberania de Deus, serviu ainda mais de reforço às virtudes primeiras.

    Não há blindagem, segundo Satanás quis pressupor. Mas revestimento pelo poder de Deus, que opera no homem e na mulher, especificamente, por fazê-lo retornar ao estado de comunhão com o Criador.

    Homem e mulher criados à imagem e semelhança de Deus são restaurados, na reconciliação com Deus, regenerados, transformados, santificados por ação neles da parte do Espírito Santo.

    Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo nele e nela operam, de forma a completar a obra que Deus realiza desde sempre, a partir do momento da fé na vida daquele que crê. Essa é a vitória sobre o mal, a derrota para Satanás e a cura para o pecado.

     A exposição de Jó, em sua condição inicial, desafiadoramente proposta a Satanás como modelo, enaltece a obra de Deus no homem e na mulher. Tão radical ela é que até aos espíritos em prisão, muito provavelmente asseclas de Satanás, nem eles foram privados de reconhecer o que, para a glória de Deus, Cristo opera no homem (e na mulher) que lHe reconhecem por fé.

    Assuma como padrão para a sua vida o perfil de Jó. Esteja plantado, na igreja, no mundo e na vida, para a glória de Deus. Exponha-se, por fé, como padrão de boas obras. Como afirma Tiago, e vemos em Jó, mostre-se essa fé pelas obras, fruto do Espírito.


terça-feira, 17 de maio de 2022

Cordas humanas, laços de amor

     Havia uma Vila das Torres. Pelos idos de 1966, cheguei a Cascadura. E ouvia falar da Congregação de Magno e do Diácono Antônio Guedes que lhes dava assistência.

   Era uma sequência ďe sobradinhos, às vezes somente cômodos térreos, espremidos entre a linha férrea, de um lado, e a horta enorme de larga e extensa, de bairro a bairro, do outro.

   Eu tinha 7 anos incompletos. Minha mãe me conduzia pela mão, de casa à igreja, bastando sair de nossa rua, atravessar a avenida do bairro, Ernani Cardoso, entrar também por outra vila, percorrê-la até a fronteira de seu muro com a horta, larga e extensa, descendo a partir da João Romeiro, a rua da Igrejinha Antiga, cercanias do Morro do Fubá, em direção aos lados de Turiaçu.

     Acompanhando o traçado da horta, morro abaixo, Cascadura em direção a Madureira, chegava-se à Vila das Torres. O garoto de 7 anos incompletos mal sabia que, um dia, quase 20 anos depois, seria pastor dessa mesma igreja. E curioso do trabalho que, na época, "seu" Guedes já fazia, mal saberia esse menino quantas lições aprenderia com a gente dessa vila.

    Ali encontrou, pelo menos, três famílias que muito lhe ensinaram, sim, porque igreja é uma troca. Milton e Edinalva, Manoel e Maria, Possidônio e Rita. Vidas marcantes, exemplos de vivência cristã e luta corajosa no dia a dia da vida.

     Certa vez seu Souza, como d. Rita chamava o esposo pelo sobrenome, pedia na igreja oração por emprego. Havia meses que careciam de nossa ajuda, porque não entrava salário. Deus atendeu às nossas orações. Veio o emprego.

    Possidônio Cirilo de Souza resolveu, no primeiro pagamento, dá-lo todo como oferta à igreja. Ora, irmão: isso não é necessário. Deus lhe compreende o esforço. Seja fiel ao dízimo, irmão, já basta.

    Não, pastor. Quem já está até agora sustentado na benção de Deus, pode continuar por mais um mês. Era assim o Souza. D. Rita, certa vez, acercou-se de mim: pastor, o Souza não quer que lhe diga, mas ele está ruim do ciático. Fez arte. Ele não queria que a esposa me incomodasse, para eu não fazer o que fiz, levá-lo, no Fusca azul céu, ao Hospital Municipal Barata Ribeiro.

    Ele também queria manter secreto. Qual arte foi? Possidônio pulou para o outro lado do par de trilhos, a chamada linha auxiliar da antiga Central do Brasil, catando restos de parafusos, restos das placas de apoio dos dormentes, o que houvesse, pondo num carrinho de mão e descendo a Conselheiro Galvão, pela calçada, na contramão do tráfego, até um ferro-velho em Turiaçu.

    Era Campanha de Missões em Cascadura. O Souza queria angariar fundos, junto com Rita, que vendia seus docinhos, balas e amendoins. Pausa. Porque há mais para contar. Manoel Marques e sua oração por todos os filhos, cada filho, cada um, cada uma com sua história.

      De como Joel largou a bebida, embora não declaradamente convertido. De como João Batista por diversas vezes, entre elas uma internação exaustiva no hospital, foi curado e pôde continuar seu trabalho na estiva. E de como, do modo como o próprio pai leu para mim, na Bíblia, numa triste manhã, Jair, como adverte o mandamento, não honrou pai e mãe e, por isso, não teve seus dias prolongados na face da terra.

     Eu saía à noite da UERJ, coladinha no Maracanã, onde estudei entre 1982-1988, chuva torrencial, como dizia meu pai, eu subia a Grajaú-Jacarepaguá, meu destino era a Estrada do Guerenguê, em Curicica para, na Rua Arália 145, encontrar Manoel Marques amparado por seu enorme guarda-chuva, o primeiro a chegar, esperando no portão. Sentava-se no Fusca ao meu lado, enquanto aguardávamos Emilzair, logo chegando, com Rafael no colo e Rogério, carregando uma sombrinha muito grande para seu tamanho.

     Era 5 de julho de 1982. Naquele dia, Milton deve ter ficado chateado comigo. Porque eu saí no Fusca azul do Meier e me mandei para a Vila das Torres. Ora, era Brasil e Itália, com aquele timão de Leandro, Júnior, Toninho Cerezo, Zico e Sócrates, entre outros. Mas Edinalva havia ligado: pastor, ele está aqui, assistindo ao jogo. Me abalei para a Vila das Torres, rapidinho, trânsito zero. Afinal, era a Copa do Mundo.

     A preocupação da esposa era advertir o esposo de que não deveria se afastar da igreja. Aliás, Edinalva fazia isso com todos os filhos. Da primogênita, Márcia, à caçula, Renata, passando pelo menino, Eneas, Liliane e Silvia. Havia dito a mim que eu cercasse Milton, escorregadio que só, e fi-lo em pleno jogo da semifinal de 1982.

     Postei-me de costas para a linha do trem, Milton defronte, de costas para o jogo, ora, muito provavelmente ele estava com atenção dispersa, era claro. Mas eu pensava, ora, haverá de entender minha estratégia, consciente que é de que, por falar em Copa, ele vive driblando o pastor. E todos esperávamos que a conversa terminasse ainda a tempo de se ver um resto de jogo, é claro, com vitória nossa.

     Mas Paolo Rossi fez o seu terceiro no mesmo jogo, contra o Brasil, e isso eu e Milton deduzimos juntos: houve grito de gol, mas não houve fogos espoucando. Assim eu e Milton conversamos naquela tarde de ressaca, armação de d. Edinalva, que deve ter sorrido um de seus sorrisos o mais bonito, tome, seu Milton, a marcação do Brasil falhou, mas eu e meu pastor, na zaga, cercamos você.

     O profeta Oseias menciona: "Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor; fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas e me inclinei para dar-lhes de comer". Oséias 11:4.  Cordas humanas, laços de amor.

    Uma característica marcante da famiia de Edinalva, pastora da casa, que punha o pastor ao encalço do marido no dia da semifinal da Copa do Mundo de 1982, eram essas cordas humanas, esses laços de amor.

    Não carece esconder que os moradores da Vila das Torres eram pessoas de menor poder aquisitivo. Muitas vezes, como ocorreu e aqui descrevemos, a igreja se dispunha a ajudar, como aconteceu com seu Souza. Mas nada foi impedimento para a família desses laços de amor.

    Não por acaso Eneas é pastor. Bem sabe o quanto deve disso a sua mãe. E cada um dos filhos privou e sabe e conhece e vivenciou todo o cuidado de Edinalva que, inclusive, nesse meio de campo, sempre cobria uma brecha ou outra que Milton deixava na defesa. E cada neto ou neta não tem como negar ou esconder a marca de fé e de amor de sua avó.

    Daí que quem encontra hoje essa família, constata sua evolução e maturidade. E constata que marcas de amor prevalecem. Quem entre eles, como a própria Bíblia adverte, teve ouvidos para ouvir, que ainda tenha, traz consigo as marcas de amor que Edinalva soube semear ao longo de sua experiência de vida.

     Brinquei ontem com o pastor da família que exortasse sua mãe, que era ovelha deste pastor longe, assim como do pr Bernardino, mais perto. Vicente de Carvalho herdou a Congregação de Magno, enquanto a urbanização do bairro ainda não implantara o Parque de Madureira.

     Edinalva transferiu-se. Na congregação do céu, o Pastor agora sabemos quem é. Antecipou-se na promessa. Ao filho disse, momentos antes, estou preparada. Cordas humanas, laços de amor. Vocês família Almeida Santos foram e estão, nós igreja de Cristo, junto com vocês, fomos e estamos amarrados por esses laços. Família de Deus. 
    

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Josué e seu modelo de família

 Agora, pois, temei ao Senhor e servi-o com integridade e com fidelidade; deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e no Egito e servi ao Senhor. Porém, se vos parece mal servir ao Senhor , escolhei, hoje, a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais que estavam dalém do Eufrates ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais. Eu e a minha casa serviremos ao Senhor". Josué 24:14,15.


    Josué expõe sua família como modelo. Pelo crivo ao qual estava submetido, pelo tipo de povo que com ele havia convivido, na travessia pelo deserto e nas campanhas da conquista, pelo grau de contestação típico desse povo, era um risco expor-se como padrão.

   As famílias da igreja são essas que se expõe como padrão. Essa fala ousada de Josué pode ser repetida hoje, dirigida à sociedade à volta, espondo nossa casa como padrão de apreciação e conduta. Mais adiante no texto, o povo faz sua réplica, como contestando Josué.

    "Longe de nós o abandonarmos o Senhor para servirmos a outros deuses; porque o Senhor é o nosso Deus; ele é quem nos fez subir, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da servidão, quem fez estes grandes sinais aos nossos olhos e nos guardou por todo o caminho em que andamos e entre todos os povos pelo meio dos quais passamos". Josué 24:16,17.

     Josué faz a sua tréplica, dizendo que, pelo que ele conhece de Deus, pelo que ele conhece do povo, caminharem juntos, cada casa e o Senhor, seria temerário: "Então, Josué disse ao povo: Não podereis servir ao Senhor , porquanto é Deus santo, Deus zeloso, que não perdoará a vossa transgressão nem os vossos pecados". Josué 24:19.

    Mas a comunidade dos textos atestam que aquela geração e a seguinte guardaram consigo, reproduziram e induziram as famílias do povo a guardar o nome do Senhor, dele sendo dignos.

     "Serviu, pois, Israel ao Senhor todos os dias de Josué e todos os dias dos anciãos que ainda sobreviveram por muito tempo depois de Josué e que sabiam todas as obras feitas pelo Senhor a Israel". Josué 24:31.

     O que torna uma família referência? Como dizer "eu e a minha casa?". É possível? É determinante que assim ocorra? O perfil de Josué desde sua juventude. O casamento se prepara em toda a instrução que a família anterior concede em seu próprio contexto.

    A igreja pode ter função restauradora. Precisa ter função restauradora da família. Ela é o lugar da troca. Sua troca fundamental é a vida de Jesus por nós. Essa é a troca fundante e fundamental da igreja. A igreja é o lugar da morte e ressurreição em Cristo. Rm 6,4-7.

    "Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou". 2 Coríntios 5:14,15.

    A igreja de Cristo é o lugar de restauração de toda a condição humana. O que Deus estabeleceu na criação e propôs como bom, não há condição para que o homem inverta. A igreja se torna esse lugar de denúncia do pecado, ao mesmo tempo que lugar de restauração dos efeitos do pecado.

     "Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom. Acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa, causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se mostrasse sobremaneira maligno". Rm 7:12,13.

    O bom (de Deus) não pode se tornar em morte. Senão é Fake: não é o bom de Deus. O bom não se torna em morte. No Gênesis, em 3,6, a serpente fez com que Eva visse distorcida a proposta, porque Deus havia prescrito que não era bom. Aprender a desobedecer a Deus nunca é nem será bom.

    Obedecer é doloroso, porque em nós opera o pecado. As Escrituras chamam de homem natural aquele que está vencido pelo pecado. Hebreus 5,8, "...embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu", o próprio Jesus sofre por aprender a obedecer. Por isso nossa obediência só existe, decorrente de Sua ação, pelo Espírito, em nós.

     "Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço". Jo 15:10.

    Jesus também aprendeu a amar. A obediência de Jesus e, consequentemente, a nossa, nos faz experimentar o amor de Deus. Não podemos mudar a glória de Deus, tornando-o um Deus à nossa própria imagem. Mas experimentar o que se torna necessário para que em nós seja restaurada a imagem e semelhança de Deus.

     "Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou". Gn 1:27.  E se opera uma inversão na condição pecaminosa do ser humano, homem e mulher: "Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis". Romanos 1:22,23.

     No Gênesis a família é instituída por casamento heterossexual, monogâmico e indissolúvel. Esse é o padrão bíblico. Não é obrigatório. É voluntário. Não é para ser implantado na sociedade. É para ser praticado pela igreja. Ainda que se queira adotar uma outra hermenêutica de leitura da Bíblia ou implantar-se uma igreja que adote outros modelos, esse é o nosso.

    Vamos adotar, praticar e proclamar. Assim como Deus disse a Josué em sua vocação: "Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido". Josué 1:8.

    Vamos meditar no livro. Vamos proceder como está no livro. Vamos proclamar o livro. Vamos nos dar ao mundo como modelo. Vamos repetir com Josué: "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor". Dessa forma e desse modo. Quanto a tantos outros modos, modelos e práticas, ora, não são a nossa escolha: "escolhei hoje a quem sirvais".


    

domingo, 15 de maio de 2022

Andando com Deus

Como pois se saberá agora que tenho achado graça aos teus olhos, eu e o teu povo? acaso não é por andares tu conosco e separados seremos, eu e o teu povo, de todo o povo que há sobre a face da terra?


     Na argumentação com Deus, Moisés pressupõe estabelecer as condições pelas quais o próprio Deus deve optar por manter com Ele, agregado a Si a ideia de ter para Si um povo Seu.

    Qual a intenção última de Deus nisso? Moisés procura, em seu argumento, partir de um ideia já posta, de um dado que, com antecipação, Deus tenha já estabelecido como Sua própria intenção e, portanto, não haja saída ou recusa para Deus então admitir.

    Se Deus propõe graça, Moisés pergunta, como posso saber? Que garantias eu tenho? Que garantias Deus me dá? E ele mesmo então propõe um meio, como que, sem o qual, não haveria, para Deus, outra intenção ou outro modo de valer o Seu propósito.

    Como se Moisés usasse como argumento final aquilo que ele supõe, mais do que isso, afirma ser a intenção última de Deus e, portanto, Moisés não vê outra saída ou ele mesmo confronta Deus com Sua intenção revelada, argumentando então que, diante disso, não pode haver, para Deus, recusa em admitir e em pôr em prática.

     Então Moisés afirma que, ora, se Deus é todo graça e dádiva, misericórdia e amor, se Deus visa escolher um povo, sim, com que intenção? Ora, então não há outra saída senão em caminhar com esse povo. Numa aproximação, numa comunhão e mistura em que, tanto a identidade do povo, quanto a identidade de Deus estão, definitivamente, comprometidas, uma pela outra.

    Conceder graça compromete Deus em sua identidade. A ousadia de Moisés é perguntar, ora, mas como se pode saber? Até onde Deus vai com esse povo, vai conosco, vai comigo? Há em Deus uma identidade e, em mim, há outra que é incompatível. Como Isaías em sua constatação: "Ai de mim!", Is 6,5.

     Pelo menos, em Isaías, o cinismo não foi maior do que a fria constatação do pecado. Minha identidade é incompatível com  de Deus. Pelo menos isso eu reconheço. Já é um grande começo. Não dá para acreditar, então, que Deus seja gracioso comigo, conosco, com Seu povo? 

     Como, pois, se saberá? Moisés então sugere uma solução, uma resposta, propondo não deixar, para Deus, outra opção, como que afirmando que, uma vez Deus tendo rejeitado esse argumento, não poderá jamais dizer que, na verdade, tenha se manifestado em graça.

    É uma ousadia de Moisés. Mas, ao mesmo tempo, toma a identidade de um pelo Outro, o povo, então, será autenticamente povo de Deus e Deus o será desse povo. O distintivo será andar com Deus e Deus andar com o povo, para que esse traço distintivo seja visto e constatado por todos os demais å volta.

     E Deus toma para si quem anda com Ele. Foi assim com Enoque. Gn 5,24. Foi assim com Elias. 2 RS 2.11. Será assim com a igreja. 1 Ts 4,16-17. Mais do que distintivo nomear alguém como homem ou mulher de Deus, é reconhecer este ou aquele, essa oi aquela como com quem Deus anda.

    Andar com Deus tem como distintivo manifestar na vida a graça de Deus. Esse o traço distintivo, e não outro qualquer de vaidade ou soberba. Muito comum na vida humana o traço de soberba, atributo típico de Satanás. Mais determinante deve ser o traço de humildade, atributo identitário de Jesus.

     Mas o que seria andar com Deus? Como se daria a manifestações da graça na vida dos que, verdadeiramente, andam com Deus? Paulo aos Gálatas e aos Efésios vai indicar que andar com Deus é andar em plenitude do Espírito, Gl 5,16 e 25 e Ef 5,18. Andar com Deus é andar no Espírito.

     Andar com Deus é guardar a palavra de Deus, pela qual somos santificados, Jo 14,23 e Jo 15,3. É a obediência à palavra de Deus que nos santifica, atesta em nós a presença e regência do Espírito Santo em nossa vida e que em nós torna possível o amor do Pai, Jo 15,10.

    E por fim, andar com Deus é andar em amor, porque a obra de Deus em nossa vida pressupõe a ação da trindade em nós. A obra que Deus exerce em nós, Fp 1,6 e 2,12-13 Ele não delega a ninguém, senão ao Filho e ao Espírito. E isso se chama igreja.

     Pelo Espírito em nós, Cristo em nós habita, andando nós em amor, até que sejamos tomados de toda a plenitude de Deus, Ef 3,14-19.

     

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Josué e a nossa vocação

 Sucedeu, depois da morte de Moisés, servo do Senhor , que este falou a Josué, filho de Num, servidor de Moisés, dizendo: Moisés, meu servo, é morto; dispõe-te, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, à terra que eu dou aos filhos de Israel. Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como eu prometi a Moisés. Desde o deserto e o Líbano até ao grande rio, o rio Eufrates, toda a terra dos heteus e até ao mar Grande para o poente do sol será o vosso limite. Ninguém te poderá resistir todos os dias da tua vida; como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei. Sê forte e corajoso, porque tu farás este povo herdar a terra que, sob juramento, prometi dar a seus pais. Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares. Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o Senhor , teu Deus, é contigo por onde quer que andares. Josué 1:1-9.

     Confirma-se o chamado de Josué. Tanto o chamado, quanto a personalidade do vocacionado, incluído o preparo com que Deus o adestra, estão contidos na vocação.

    Vocação com que todos nós somos chamados. Este chamado é para todos, sem exceção. Podemos percorrer a biografia de cada profeta, no AT, reconhecendo a autenticidade, forma e termos dessa vocação.

     Deus coloca Josué diante da palavra dEle, para que nela medite, ininterruptamente, porfie por cumpri-la e a proclame todo o tempo. Este é o chamado individual para todo crente e o mesmo modelo de compromisso.

    E o próprio texto indica com que finalidade: "...para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares", ainda garantindo e acrescentando: "...então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido". Mas aqui não se trata de "sucesso" e "prosperidade" mediante os critérios banais da vaidade humana.

    Mas critérios afeitos ao padrão bíblico. No texto de Is 53,10 consta a menção do preço e natureza desse "prosperar nas mãos do Senhor": "Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos". Isaías 53:10.

    A vontade do Senhor que prospera, nas mãos e na personalidade do vocacionado tem a ver com o modelo e matriz que há em Jesus Cristo. É por meio dEle e nEle que toda e qualquer vocação está confirmada.

    Quando Josué é indicado para liderança, há menção, como José, em Gn 41,38, de que nele o Espírito de Deus atua com liberdade, Nm 27,18-21. Assim como Daniel, na Babilônia, bem como Samuel, enfim, para isso foram esses homens e mulheres vocacionados, para isso somos, individualmente, e como igreja vocacionados.

    Quando Josué, em seu discurso de despedida, confronta toda a congregação, por família, pondo a sua como padrão, não o faz sem que esteja pressuposta a ação do Espírito Santo na vida de cada um. Assim como Neemias reconhece, em Ne 9,20 que, já na congregação do deserto, Deus concede o Espírito para ensinar o povo, esse mesmo ministério é concedido hoje à igreja.

    Que também é uma congregação do deserto. E o Espírito, segundo mesmo Joel havia profetizado e Pedro, em Pentecoste, confirma, foi derramado, como indicação dos fins dos tempos, para o ministério da igreja que é final, que consta em tempo de urgência, segundo o próprio Jesus indica quando, em Mc 1,14-15, afirma:

     "Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deusestá próximo; arrependei-vos e crede no evangelho" Marcos 1:14,15. Este texto adverte a igreja que o seu ministério, a sua vocação e o seu chamado se dá num tempo de urgência.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Josué e nossa identidade como povo de Deus

Então, disse Moisés ao Senhor: O Senhor, autor e conservador de toda vida, ponha um homem sobre esta congregação que saia adiante deles, e que entre adiante deles, e que os faça sair, e que os faça entrar, para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor. Disse o Senhor a Moisés: Toma Josué, filho de Num, homem em quem há o Espírito, e impõe-lhe as mãos; apresenta-o perante Eleazar, o sacerdote, e perante toda a congregação; e dá-lhe, à vista deles, as tuas ordens. Põe sobre ele da tua autoridade, para que lhe obedeça toda a congregação dos filhos de Israel. Apresentar-se-á perante Eleazar, o sacerdote, o qual por ele consultará, segundo o juízo do Urim, perante o Senhor ; segundo a sua palavra, sairão e, segundo a sua palavra, entrarão, ele, e todos os filhos de Israel com ele, e toda a congregação. Fez Moisés como lhe ordenara o Senhor, porque tomou a Josué e apresentou-o perante Eleazar, o sacerdote, e perante toda a congregação; e lhe impôs as mãos e lhe deu as suas ordens, como o Senhor falara por intermédio de Moisés. Números 27:15-23.

    Josué foi aqui oficialmente comissionado por Moisés, perante o sacerdote Eleazar, bem assim diante de todo o povo. Neste texto, em Dt 31,7-8, bem como em Js 1,1-8, o próprio Deus, de modo direto, aprova e indica Josué.

    Até que se mostrasse assim preparado, foi servidor de Moisés, Ex 24,13 e 33,11, atribuição não menos distintiva que, uma vez cumprida com integridade, e era esse o caso de Josué, é a mais notável distinção e principal traço de personalidade na Bíblia, vide Mc 10,45.

    Josué sempre se posicionava equidistante, tanto com Moisés, quando este subiu ao Sinai, quanto à espera, defronte a tenda, quando Moisés assistia o povo. Significa prontidão, ao mesmo tempo que temor, respeito e reverência, sem que nunca ambicionasse nenhuma posição de liderança que não lhe fosse concedida.

    Josué, líder entre os espias, na rebelião de Nm 14,6-10, juntamente com Calebe, tentou conduzir o povo à obediência, mas correram risco de ser apedrejados. A interferência do Senhor os livrou, sendo os rebeldes justiçados, perante toda a congregação e diante do Senhor, Nm 14,36-38, somente tendo escapado Josué e Calebe.

    É esse o homem que, todo o tempo junto à Moisés e o tendo como referência, acompanha toda a trajetória do povo no deserto, desde a saída do Egito, passando pelo concerto, a Aliança no Sinai, comissionado na estratégia dos espias e, após a rebelião, acompanha o povo na peregrinação dos 40 anos, mas com promessa de sobreviver.

    Por fim, ser o líder da conquista, nas campanhas militares em Canaã. Josué, servidor de Moisés, entende o projeto de Deus para o povo, no deserto, a fim de dotar com identidade o povo de Deus para a tarefa de história da salvação que as Escrituras revelam, Ex 19,5-6.

    Josué entende, a meio caminho, com Moisés, no Sinai, ao mesmo tempo que ouvindo do alto, atento, ao que ocorre no arraial, está ali para compreender o projeto de Deus para a congregação do deserto. Assim como aquele povo, a igreja hoje é a congregação do deserto. Paulo, em Fp 2,15, define a igreja como "luzeiros do mundo", resplandecentes no meio de uma geração "pervertida a corrupta".

    A igreja está posta para bênção ao mundo, para identidade com Cristo, assim como para rejeição, na mesma proporção que Jesus foi rejeitado, Jo 15,18-20. Josué começa a compreender o sentido que Deus quer dar à instituição do tabernáculo e do sacerdócio.

     Precisamos compreender qual o sentido dado por Deus à missão da igreja. Qual o seu papel no mundo. Compreender e pôr em prática a nossa vocação. O nosso chamado. Josué teve plena consciência do seu chamado.

   Deus transmitiu a Moisés, de modo detalhado, o modelo de tabernáculo. Como sua construção representaria a presença de Deus no meio do povo. Em Ex 33,15-16, em meio à crise, dentro da qual Josué também se achou, Moisés, em oração, diante de Deus, profere o termo de identidade que caracteriza o povo de Deus, seja a congregação do deserto, seja a igreja de hoje.

    Por isso Deus quer uma tenda em que habitasse no meio do povo, não a improvisada por Moisés, diante da qual Josué também assistia, mas uma da qual o próprio Senhor fosse o arquiteto.

    A tenda do tabernáculo seria como que uma tenda qualquer, vazia de qualquer imagem, porque não se vê o rosto de Deus, tenda onde houvesse o que em todas as demais havia. Uma mesa, um candelabro. Sobre a mesa, o alimento. O pão da vida.

    Nessa mesma antessala, para cá de uma cortina, o altar da oração, que não pode faltar em nenhuma tenda. Para depois da cortina, a arca que guardava os maiores tesouros, não monetários, mas principalmente a palavra, ali havia uma cópia representativa da lei de Moisés e outros indicadores da provisão do Senhor a cada dia de jornada peregrina.

     A tenda, como um todo, era retrátil, ou seja, desmontada e remontada a cada estação pelo deserto. Havia detalhada instrução de como ser construída, que material utilizar, madeira, metais, tecidos e couro.

   Quem reunir e quem, artesanalmente, construir. Montar e desmontar, carregar consigo e remontar onde parar e onde estiver são metáforas do que a igreja representa. Nós a carregamos dentro, conosco, somos igreja, somos a tenda, somos o altar, somos edifício articulado, Ef 2,19-21, casa de Deus.

     E a outra instrução detalhada foi para os ofícios a realizar na tenda. Porque Deus queria que Israel fosse reino de sacerdotes, exatamente o mesmo que estabeleceu ser a igreja, 1 Pe 2,9-10. Portanto, cumprir a vocação de Deus, tanto para a congregação do deserto, quanto para a igreja, implica reconhecer o serviço do sacerdócio e como experimentar a santidade de Deus no dia a dia, em todo e em cada lugar.

    Josué presencia e antecipa, em sua vocação e em sua proximidade com Moisés, o projeto de Deus na história da salvação e como assumir, para tanto, a vocação com que Deus chama. Josué nos ajuda a reconhecer nossa identidade.

sábado, 7 de maio de 2022

Aprendendo com três mães da Bíblia

    Para tudo na Bíblia há um padrão. Podemos chamar de padrão divino. Pedro vão mencionar sermos "participantes da natureza de Deus", enquanto Paulo vai dizer "tomados de toda a plenitude de Deus".

    Uam vez terminada a criação, no padrão de qualidade de Deus, a Bíblia diz: "Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom" . Gn 1:31. Homem e mulher já estavam incluídos nessa avaliação.

   Deus ver, com Seus olhos de avaliação, e dizer que está "muito bom" é o padrão. Com a continuidade da história não foi bom que o homem estivesse só. Deus lhe deu uma auxiliadora idônea.

   Quem precisa de auxílio é porque, sozinho, não levará a bom termo o que tem para fazer. E se o auxílio for idôneo, é porque não há outro melhor de que esse. Estavam homem e mulher na condição original:

      "Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou". Gn  1:27. Para logo depois de não agirem mais dentro do muito bom de Deus, a relação entre os dois mudar: "...o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará". Gn 3:16.

    A partir daí houve um desnível, tanto na relação com Deus, quanto na relação entre o casal, questão que se reflete, até hoje, na relação entre os seus descentes. Aliás, tragédia anunciada, o Filho mais velho desse casal assassinou o mais novo.

    Ninguém esperava ou desejava que fosse assim. Mas estava inaugurada a era da intolerância e do valor mínimo desprezível dado pelo homem ou mulher ao seu semelhante. Deus logo vai instituir o padrão "amar a Deus sobre todas as coisas" e, por lógica e por extensão, "ao próximo como a si mesmo". Mt 22,36-40.

     Ao longo das Escrituras é possível acompanhar o perfil de homens e de mulheres, por vezes casais que estabeleceram, com Deus e entre si, o padrão. A começar pela própria Eva. Uma mulher de oração, mãe e avó de testemunho.

   Eu às vezes penso que a fé que é legado de Abel, ele aprendeu com Eva, e a mágoa de Caim ele a viu primeiro em seu pai Adão. Vem daí a mania do homem em ver, na mulher, mais culpa e mais defeitos do que nele mesmo. Pura ilusão. E machismo.

     Eva transmite ao neto Enos, como Loide fez a Timóteo, uma fé sem hipocrisia. E quem anotou Gn 4,26: "...daí se começou a invocar o nome do Senhor"., esqueceu as mulheres. Porque se Abel, que "mesmo depois de morto ainda fala", invocava o nome do Senhor, antes de Enos ter aprendido com sua avó Eva, esta mulher já o fazia.

    Com Eva aprendemos a invocar o nome do Senhor e com Abel, como depois Deus ensina a Samuel, a não olhar o exterior, porque o Senhor vê o coração. E para ver como Deus vê, e isso se chama, para nós, fé, precisamos aprender a ver o homem (e a mulher) como Deus vê, e isso se chama igreja.

    E a mãe Ana ensina a orar. Clamor sussurrado. Nem o juiz Eli entendeu que assim se podia orar, derramando a alma. E podia um filho. Mas não era para si. Para devolver ao Senhor. Porque os filhos são herança do Senhor.

"E disse ela: Ah! Meu senhor, tão certo como vives, eu sou aquela mulher que aqui esteve contigo, orando ao Senhor . Por este menino orava eu; e o Senhor me concedeu a petição que eu lhe fizera. Pelo que também o trago como devolvido ao Senhor , por todos os dias que viver; pois do Senhor o pedi. E eles adoraram ali o Senhor". 1 Sm 1:26-28.

    Ana é a mulher que compreende uma única vocação, que é a entrega total ao Senhor. Bênção da família que tem uma esposa e uma mãe que compreende que os filhos são herança, benção e vocação do e para o Senhor.

    E a mãe Maria. Com fama de mulher que trai o marido ou mãe solteira. Mas uma mulher que guardava no coração a palavra do Senhor. Por isso o Espírito a procurou. Por isso que sua palavra ao anjo sobre a gravidez: "Como será isso?", Lc 1,34, foi diferente no tom daquela de Zacarias, em Lc 1,18.

    Maria educou Jesus, que aprendeu a obedecer, em Lc 1,80 e 2,51-52, está registrado o desenvolvimento do menino e sua resposta, no Templo, quando surpreendeu sua mãe, demonstrando o modo como compreendia a história que ouviu sobre sua concepção e seu nascimento.

     Três mulheres, três mães, com quem aprendemos invocar o nome do Senhor, orar derramando a alma e guardar no coração a palavra do Senhor. 

domingo, 1 de maio de 2022

Escolhei hoje a quem sirvais

"Agora, pois, temei ao Senhor e servi-o com integridade e com fidelidade; deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e no Egito e servi ao Senhor. Porém, se vos parece mal servir ao Senhor , escolhei, hoje, a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais que estavam dalém do Eufrates ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais. Eu e a minha casa serviremos ao Senhor". Josué 24:14,15.

    O imperativo do óbvio. Josué estabelece princípios que soam, para quem ouve, óbvios, bem afeitos e em acordo com a ortodoxia vigente.

    Como que temer ao Senhor, servir com integridade e fidelidade e deitar fora os ídolos fosse automático e efadonhamente rotineiro. Parece encaixar-se à crítica de Malaquias.

   Que saco! "Enfadais o Senhor com vossas palavras; e ainda dizeis: Em que o enfadamos? Nisto, que pensais: Qualquer que faz o mal passa por bom aos olhos do Senhor, e desses é que ele se agrada; ou: Onde está o Deus do juízo?". Malaquias 2:17.

    Para se afirmar, com segurança, como procedeu Josué, ainda incluindo toda a sua família, não se trata de um blefe. Não se pode mais viver a vida cristã como se fosse um blefe.

   A quem enganamos? Essa tentativa de ser falso e cínico é antiga como Adão. Ele que ensaiou dizer, para Deus, diretamente ao Altíssimo: "Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi". Gn 3:10.

    Aliás podemos tomar a pergunta de Deus feita a Adão como modelo: Onde estais? Como estamos? Diante de Deus, os critérios mencionados por Josué se aplicam à nossa vida?

    Temer ao Senhor. Servir com integridade e fidelidade. Deitar fora os ídolos. Raquel tinha consigo ídolos de estimação: Então, disse ela a seu pai: "Não te agastes, meu senhor, por não poder eu levantar-me na tua presença; pois me acho com as regras das mulheres. Ele procurou, contudo não achou os ídolos do lar". Gn 31:35.

    Aqui encontramos uma mulher que não tem a sinceridade de Eva. Josué expõe sua família à análise. Igreja é o lugar onde vidas se expõe para análise. Famílias se expõe para análise.

    Somos o que nossa família é. Ou não somos. Somos, como pessoas, caso se confirme em nós a fé e não uma simulação, que pode até mesmo nos enganar, mas devemos ser, explicitamente, o que Deus deseja que sejamos.

    Josué expõe-se a si, à sua família, e a todo o povo como modelo. Aliás, o povo de Josué era chamado, foi chamado a ser modelo: "Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel". Êxodo 19:5,6.

    A igreja é composta por famílias, benção maior é toda a família estar na igreja. Mas não é um milk-shake. Cada qual tem seu papel. Há uma relação de retorno em bençãos, porque igreja é lugar de se dar totalmente, receber tudo em troca e de mostrar ao mundo o rosto de Jesus.

    Não é um lugar mágico, não é um lugar místico, não é o cassino de apostas nem a "fábrica de chocolate". É o lugar da morte e ressurreição em Cristo, compreendida a cada dia. De uma vez por todas, não é simulação.

    Josué adverte o povo de que, por sua própria experiência, do que ele conhece que representa servir ao Senhor, ele duvidava do compromisso que o povo estava confirmando: "Então, Josué disse ao povo: Não podereis servir ao Senhor , porquanto é Deus santo, Deus zeloso, que não perdoará a vossa transgressão nem os vossos pecados". Josué 24:19.
  
     O modelo é Jesus. Evidente que todos somos chamados a ser modelo. Mas a palavra de Deus é nossa matriz. Se somos verdadeiramente convertidos, somos chamados a modelar nossa vida pela palavra. Então a Igreja é o único lugar onde isso acontece.

    Somos chamados a ser igreja e a estar verdadeiramente na igreja e como igreja. Não há família sem que verdadeiramente cada ator ocupe o seu papel, como a Bíblia indica, e não como simulacro.

    Costumo até dizer que uma esposa pode encolher não ser submissa a um marido que não a ame, como Cristo ama a igreja, que é o modelo bíblico, mas como, por exemplo, amar uma esposa voluntariosa, ou seja, não voluntária, cheia de caprichos e vontades?

    Josué estabelece que a congregação do deserto, que agora ele estabelece como congregação em Canaã precisa, família a família, pessoa a pessoa, servir no temor do Senhor, com integridade e fidelidade.

    Integridade, além de significar totalidade, também indica inteireza, sem faltar nenhuma parte, sem nenhuma brecha, nenhuma perda. E fidelidade significa adesão única, sem nenhuma duplicidade de compromisso, sem nenhum retrocesso.

    O compromisso de uma família começa pelo compromisso individual com Deus. O que Josué cobrava de seu povo era esse compromisso individual, sem o qual não se constrói a comunhão que promove igreja.

    Igreja é compromisso com Deus. Por isso que é possível ocorrer uma reflexibilidade, uma reciprocidade, caso o compromisso individual com Deus, que cria igreja, seja estendido à família. Mas isso vai depender do grau de compromisso individual com Deus, para que se possa dizer:

     "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor".