domingo, 31 de março de 2024

Vivendo na plenitude da ressurreição

 ¹ "Mas, no primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo, levando os aromas que haviam preparado. ² E encontraram a pedra removida do sepulcro; ³ mas, ao entrarem, não acharam o corpo do Senhor Jesus. ⁴ Aconteceu que, perplexas a esse respeito, apareceram-lhes dois varões com vestes resplandecentes. ⁵ Estando elas possuídas de temor, baixando os olhos para o chão, eles lhes falaram: Por que buscais entre os mortos ao que vive? ⁶ Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos de como vos preveniu, estando ainda na Galileia, ⁷ quando disse: Importa que o Filho do Homem seja entregue nas mãos de pecadores, e seja crucificado, e ressuscite no terceiro dia. ⁸ Então, se lembraram das suas palavras. ⁹ E, voltando do túmulo, anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os mais que com eles estavam. ¹⁰ Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; também as demais que estavam com elas confirmaram estas coisas aos apóstolos." Lc 24.


    A pergunta dos anjos às mulheres deslocam-nas para a lógica da fé. Quando aparecem anjos, dignificam ainda mais o que está reservado aos que creem. O acontecimento maior da fé estava diante delas.

   A sua rotina envolvia uma expectativa triste. Era costume pôr unguentos sobre o corpo dos finados até o quarto dia. Era a madrugada do terceiro. Elas seguiram para o túmulo com essa intenção.

   Seu primeiro impacto foi encontrar o túmulo aberto. Então entraram, e o encontraram vazio. Ao avistar os anjos, assustaram-se. Baixaram os olhos com temor, daí o questionamento deles.

   "Por que buscais entre os mortos ao que vive?" A ressurreição de Jesus nos coloca dependente do poder de Deus. Porque o mesmo poder que Deus exerceu em Jesus é o que nos converte de nossa condição de morte.

¹⁸ "...iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos ¹⁹ e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; ²⁰ o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais". Efésios 1.

   A ressurreição de Jesus nos coloca diante das bênçãos celestiais, mas não no sentido da alienação, porém no sentido de buscar em Deus o sentido dos valores originais de Seus propósitos.

¹ "Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. ² Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra; ³ porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus. ⁴ Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória."Cl 3.

   E a vida prática do crente, em sua vivência de fé, suprido pelo poder de Deus, constitui-se numa vida em constante renovação, na qual os valores dos céus definem as escolhas e opções na experiência e vivência no mundo.

³ "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ⁴ para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros ⁵ que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo"1 Pe1.

   Viver pela fé é viver na plenitude do poder da ressurreição de Jesus. O dom da vida, em seu sentido original, provém de Deus. Viver de modo pleno, com os valores do amor, é viver nessa plenitude do Espírito.

¹⁹ "Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo; ²⁰ logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim. ²¹ Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão." Gálatas 2.

terça-feira, 26 de março de 2024

Ester e uma vida na providência de Deus

 ⁵ Ora, na cidadela de Susã havia certo homem judeu, benjamita, chamado Mordecai, filho de Jair, filho de Simei, filho de Quis, ⁶ que fora transportado de Jerusalém com os exilados que foram deportados com Jeconias, rei de Judá, a quem Nabucodonosor, rei da Babilônia, havia transportado. ⁷ Ele criara a Hadassa, que é Ester, filha de seu tio, a qual não tinha pai nem mãe; e era jovem bela, de boa aparência e formosura. Tendo-lhe morrido o pai e a mãe, Mordecai a tomara por filha. Ester 2.

1.Órfã e exilada, mas sem traumas ou mágoas:

   Neste ponto de partida a um final assombroso, na história dessa menina. Nascida no exílio, ou lá chegada nova na idade, Hadassa havia perdido os pais.

   Mas plena de marcas positivas de cuidado, por parte de Mordecai, sobrinho de Abiail, pai dela. Ester, assim mais conhecida, não sabia, mas um gesto tresloucado da rainha persa Vasti, feminista fora de época, definitivamente mudaria sua vida.

   Assuero, o Xerxes I, da história, rei persa entre 486-465 a.C., promoveu um banquete de 180 dias, exagero típico daquele imperador do mundo. Os persas, hoje iranianos, haviam vencido os babilônios em 539, libertado os judeus em 536 a.C. A história de Ester acontece no reinado desse rei.

    Muito regado a vinho, mandou chamar Vasti, para que se exibisse aos convidados. Ela se recusou. E foi esse gesto que tornou possível a Ester entrar em cena.

⁸ "Em se divulgando, pois, o mandado do rei e a sua lei, ao serem ajuntadas muitas moças na cidadela de Susã, sob as vistas de Hegai, levaram também Ester à casa do rei, sob os cuidados de Hegai, guarda das mulheres. ⁹ A moça lhe pareceu formosa e alcançou favor perante ele; pelo que se apressou em dar-lhe os unguentos e os devidos alimentos, como também sete jovens escolhidas da casa do rei; e a fez passar com as suas jovens para os melhores aposentos da casa das mulheres." Ester 2.

2. Mudança súbita, sem ostentação:

   A rapaziada do Palácio, ora, ideia de cabeças juvenis, sugeriu, literalmente, um concurso de beleza. Ou seja, comissários, por todos os recantos da cidadela de Susã inscreveriam meninas numa rigorosa seleção.

  Destacou-se Ester. Hegai, responsável pelo escrutínio, pondo seu gosto na moça e sem encontrar concorrência, apresentou-a ao rei. Haveria todo um tratamento de beleza por 1 ano.

    Mas não era somente a extrema beleza o destaque de Ester. Mordecai a instruía meticulosamente, e ela não lhe desprezava os conselhos, o principal deles de não revelar sua identidade judia. A tudo ela atendia.

  O primo a acompanhava muito próximo, também atento ao que ocorria no Palácio, principalmente nos bastidores. E  esse senso de observação levou-o a descobrir uma típica intriga palaciana de época.

   Mordecai advertiu Ester e esta ao rei. Ora, não haveria chance maior de tanto ele quanto ela crescerem no conceito de Assuero. A delação e consequente punição dos culpados foi tudo registrado nas Crônicas do reino.

3. O desafio da melhor escolha de uma vida:

¹⁰ "Então, respondeu Ester a Hataque e mandou-lhe dizer a Mordecai: ¹¹ Todos os servos do rei e o povo das províncias do rei sabem que, para qualquer homem ou mulher que, sem ser chamado, entrar no pátio interior para avistar-se com o rei, não há senão uma sentença, a de morte, salvo se o rei estender para ele o cetro de ouro, para que viva; e eu, nestes trinta dias, não fui chamada para entrar ao rei. ¹² Fizeram saber a Mordecai as palavras de Ester. ¹³ Então, lhes disse Mordecai que respondessem a Ester: Não imagines que, por estares na casa do rei, só tu escaparás entre todos os judeus. ¹⁴ Porque, se de todo te calares agora, de outra parte se levantará para os judeus socorro e livramento, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para conjuntura como esta é que foste elevada a rainha?" Ester 4.

    Mas não só de intrigas meia-sola vivia a Pérsia daqueles dias. Aliás, para tempos depois da história de Ester, Assuero/Xerxes I findou, como diz o acreano, assassinado em 465 a.C. Mas essa é outra História.

   Aqui na nossa, o rei, ingenuamente, enalteceu um tal Hamã, vaidosíssimo e nutrindo ódio aos judeus. A ponto de urdir uma intriga aos ouvidos do rei, taxando o povo de Ester de insubordinados à lei persa, intratáveis e conspiradores. Deveriam ser eliminados.

     Hamã exigia, por onde trasitasse, reverência até o chão. Adivinhem que não estava nem aí para isso?  Acertaram: Mordecai. Bastou, para Hamã turbinar sua intriga e seu ódio.

   Ele ajuntou peso de 10 mil talentos de prata, uns 40 milhões hoje, para o expediente de aniquilar os judeus, e mais o saque de seus bens. E se marcou dia e mês para a chacina.

4. Não ao medo e à covardia:

    ¹ "Ao terceiro dia, Ester se aprontou com seus trajes reais e se pôs no pátio interior da casa do rei, defronte da residência do rei; o rei estava assentado no seu trono real fronteiro à porta da residência. ² "Quando o rei viu a rainha Ester parada no pátio, alcançou ela favor perante ele; estendeu o rei para Ester o cetro de ouro que tinha na mão; Ester se chegou e tocou a ponta do cetro. ³ Então, lhe disse o rei: Que é o que tens, rainha Ester, ou qual é a tua petição? Até metade do reino se te dará. ⁴ Respondeu Ester: Se bem te parecer, venha o rei e Hamã, hoje, ao banquete que eu preparei ao rei." Ester 5.

   Mordecai advertiu Ester de tudo. E pediu a ela que intercedesse junto ao rei. Ela mandou avisar que o rei estava incomunicável, num retiro inacessível, sob risco de morte se importunado.

   Mordecai replicou solenemente, assinalando a gravidade do momento: nem ela escaparia ao morticínio de todo o nosso povo. Porque a norma de lei persa, uma vez proclamada, era irrevogável.

   Aqui floresce a virtude de Ester, que assume o risco. Muito diferente de Vasti, foi sábia no desafio de interpelar o rei no tempo proibido. Com refinamento, põe-se no lugar da providência de Deus, como falara Mordecai.
   
   Interessante que, nenhuma vez, neste livro, o nome Deus é mencionado. Mas Sua presença todo o tempo reconhecida. Ester fez-se anunciar ao rei. Havia pedido a Mordecai e seu grupo que por ela jejuassem. O rei lhe estendeu o cetro. Ela lhe tocou a ponta. E fez o seu pedido.

    Que o rei agendasse um banquete, exclusivo para ela, o rei e Hamã. Aqui insinua-se a principal marca de Ester. Vale a pena notar seu expediente, que não brota, por espontaneidade, de uma mulher superficial qualquer.

   Destacava-se, nessa rainha, uma formação de vida forjada em reflexão, de passado sofrido, em exílio e orfandade, mas sem mágoas, continuamente influenciada pela virtude de caráter de Mordecai.

   Porque era típico dele não sair, todo o tempo, de muito próximo à casa do rei. Não era como Hamã, ali presente por egolatria, mas presente para doar-se em serviço. Daí ter descoberto a conspiração, a suprir por conselhos a rainha e servir como referência em momentos cruciais.

6. Prevalece a sabedoria:

¹ "Veio, pois, o rei com Hamã, para beber com a rainha Ester. ² No segundo dia, durante o banquete do vinho, disse o rei a Ester: Qual é a tua petição, rainha Ester? E se te dará. Que desejas? Cumprir-se-á ainda que seja metade do reino. ³ Então, respondeu a rainha Ester e disse: Se perante ti, ó rei, achei favor, e se bem parecer ao rei, dê-se-me por minha petição a minha vida, e, pelo meu desejo, a vida do meu povo. ⁴ Porque fomos vendidos, eu e o meu povo, para nos destruírem, matarem e aniquilarem de vez; se ainda como servos e como servas nos tivessem vendido, calar-me-ia, porque o inimigo não merece que eu moleste o rei. ⁵ Então, falou o rei Assuero e disse à rainha Ester: Quem é esse e onde está esse cujo coração o instigou a fazer assim? ⁶ Respondeu Ester: O adversário e inimigo é este mau Hamã. Então, Hamã se perturbou perante o rei e a rainha." Ester 7. 

    Ester agenda um primeiro banquete porém, magistralmente, somente num segundo vai surprender o bajulador Hamã e ao próprio rei. Inteligente em seu estratagema vai, a um só tempo, denunciá-lo e ainda suplicar pela vida de seu povo, incluída ela mesma.

   Uma cadeia de fatos gera o clímax da história. Hamã compatilha com a esposa a chance do banquete real. Ela sugere que ele mande instalar uma forca para dependendurar Mordecai.

   Enquanto isso, uma iinsônia providencial do rei requer uma leitura na madrugada. Trazem o Livro das Crônicas dos Feitos Memoráveis, onde se registrou a delação oportuna e salvadora de Mordecai.

   Ao perguntar pela recompensa oferecida, nada foi a resposta. Dia seguinte, muito ironicamente, o rei pergunta a Hamã o que fazer a um homem a quem muito se deseja honrar. Num surto decisivo de vaidade, Hamã acha "só pode ser eu" e, pretensioso, exagera: "Seja vestido como rei, com coroa e montaria real. E um 'arauto de mídia' repita, por toda a cidade: 'Assim se deseja fazer ao homem a quem o rei honra' ".

  Só faltou a Hamã infartar, quando soube que o rei falava de Mordecai. Imaginem a cena. Nada mudou em no primo da rainha. Saiu dali para o seu lugar de plantão, próximo, muito próximo, sempre próximo ao rei, para benção e segurança deste.

    Hamã foi chorar com a esposa, que o advertiu: "Já vi tudo: se esse tal Mordecai, perante quem já começaste a cair, é desse povo judeu, você vai cair definitivamente". Certíssima.

  E no banquete do segundo dia, Ester foi dramática, expondo, diante o rei, o culpado de tudo. Ela concebeu e explorou o suspense. Ao ouvir o clamor e denúncia, Assuero se retira ao jardim, para conter sua fúria e idealizar a solução que trouxe pronta.

    E voltando, encontra o covarde Hamã suplicando clemência aos pés de Ester. O rei interpreta esse gesto como afronta à rainha, chantagem ou simulação, e o manda enforcar na mesmo cadafalso disposto por ele para Mordecai. Cumpre-se a dedução de sua arguta esposa.

   E como um monarca persa não pode refutar sua palavra, ele oredena ser armados todos os judeus, para autodefesa contra os inimigos, no dia exato do extermínio previsto.

   E quem lhes transmitiu essas ordens foi o próprio Mordecai, agora ocupando o lugar de Hamã, trazendo consigo o anel que selava os mandados do rei, finalmente em justas mãos.

Lições da menina-rainha:

1. Traumas e perdas, ainda que sejam cedo na vida, podem ser supridas e contornados por dedicação e amor: o primo Mordecai forjou um caráter de fé na criação compartilhada com Hadassa;

2. Uma repentina projeção pessoal de vida, um dos mais cobiçados sonhos paternais, pode reservar uma armadilha de soberba para o ego, e não oportunidade de aprimoração de um caráter de fé;

3. Repostas a momentos de crise, necessárias aos desafios da vida, podem ser covardes ou desafiadoras, quando se alavanca qualquer provação, como ilustra Tiago, para uma prova de fé, perseverança e maturidade;

4. A sabedoria das escolhas certas na vida, para pequenas ou grandes responsabilidades, não é resultado espontâneo ou de improviso, mas provém de um amadurecimento continuo;

5. A formação de fé que a menina Hadassa recebeu de Mordecai, o exemplo de vida deste primo, e sua presença muito próxima quando surge Ester, garante que os personagens desta história tenham experimentado a providência de Deus na preservação deles mesmos e de todo o povo.

domingo, 24 de março de 2024

Vai ver que Deus nem existe

    Decisivamente, estou velho para me tornar um apóstata. Este termo se refere a quem abandona a fé. Vira de costas para ela, caminha na direção oposta e esquece, definitivamente, todo o compromisso com ela.

  Eu não tenho apetecimento pelo mundanismo. Já este outro termo vem de "apetecer", ou seja, ter um apetite incontido, desejar muito, cobiçar. O que um velho, nessa altura da vida, vai esperar do mundo?

  Mais ou menos essa ideia. Mas também não arrisco. Escondido dentro de mim, às vezes até patente, para bons observadores, habita o que as Escrituras chamam de "velho homem". Sim, sempre um velhaco.

  Que, permanentemente, vive para me desqualificar. Sim, já obteve sucesso muitas vezes. Porque ele, esse velhaco, sou eu mesmo, dúplice, dúbio, dobre, duplo. Mas também ferido de morte na morte de Cristo na cruz.

   Cristo e Messias significam a mesma Pessoa: Ungido por Deus para expiação do pecado dos que creem. É o meu caso. Nesta altura do texto, se não te incomoda, estou dentro das Escrituras. Desde muito cedo, mais ou menos igual a Samuel, filho de Elcana e Ana, sou criado dentro da igreja.

   Mas não pense que cheguei até aqui porque meus pais, Cid e Dorcas, fizeram-me a cabeça, de tal modo que vim numa inércia, até essa altura, desde 1957, quando nasci. Não. Engano seu. Este lado você desconhece.

  Porque é meu lado de dentro. Nem pense que sabe muito ou alguma coisa sobre isso. Mas mais do que eu e você, sabe o Espírito. Desculpe mais esta vez, mas continuo surfando nas páginas do Livro.

   Porque o Espírito, diz o Livro, perscruta, ou seja, sonda, bisbilhota, indiscretamente, até as profundezas de Deus. Quem sabe Ele tenha algo que dizer sobre Deus. A mim, sempre me mostrou que não foi o verniz da instrução dos meus pais que mudaria em mim alguma coisa.

   Se eu ficasse só nessa caiação, o velhaco venceria. A vitória definitiva do velhaco até pode ser que faça feliz quem é meu desafeto. Espero não ter nenhum, ninguém que torça ao contrário a meu respeito. Mas se houver, oro por você.

   Então, por isso, por minha própria conta e risco afirmo, sim, sou cristão. Possa se dizer que com minha própria demão. E, repito, a essa altura, convicto, e cada vez mais, de continuar sendo. E ainda mais para dentro do Livro.

  Que afirma que Jesus, ao fazer a leitura de meu avesso do avesso, como diz Caetano, Ele me amou. E deu sua vida, derramou sangue para me lavar de todas as manchas. E olha que eram empedernidas.

   Mas não se decepcione com isso. Porque você tem as mesmas manchas. Ou as suas manchas. Acha que não são tão renhidas ou incrustadas como as minhas. Ora, não vou disputar grau de pecado com ninguém.

   Ora, os meus têm a minha assinatura. E alhures, os de cada um têm a sua assinatura. Mas só houve um sangue derramado, capaz de retirar todas as manchas, em qualquer grau. E é o sangue de Jesus Cristo.

   Não espere gotinhas de sangue como vacina, para satisfazer teus escrúpulos de abstinência. E isso também consta nas Escrituras. Portanto, se for tua escolha, não tenha escrúpulos, repito, de ficar fora delas, entendeu, fora das Escrituras. Vai ver mesmo que Deus nem existe.

   Mas caso queira estar dentro, o sangue é por transfusão. E cai sobre todos. Como está escrito no Apocalipse, "toda tribo, língua, povo e nação". João viu um Cordeiro, como havia sido morto, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo.

    Está nas Escrituras. Desde esse tempo, Deus me ama. Velho demais para ser apóstata. E tarde demais para não enxergar os atrativos que dentro delas, das Escrituras e da igreja, me mantêm.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Propício no ponto de inflexão

 ¹³ "O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!" Lucas 18.

  Não dá para simular humildade. Ao mesmo tempo que ela tem uma origem espontânea, é resultado de uma construção interna. E vem acompanhada ou forjada após uma série de constatações.

  A primeira delas está associada à real dimensão da condição humana, em toda a sua fragilidade e vocação. Evidente que, para isso, ainda se depende de um ponto de vista.

  Pois há quem seja tangido por vaidade, exatamente o inverso, e nunca terá uma avaliação isenta, nem de uma coisa e nem da outra. Pois não se enxergará frágil, porém suprido de empáfia.

   E sua vocação será seu próprio ego. Assim, a humildade será um artefato que compõe a autoimagem, obrigatória como um atenuante, mais um item de composição do verniz social. Aí, sim, há simulação.

   Mas humildade revela a dimensão exata. É matemático. No caso bíblico, sua menção cola com a personalidade de Jesus. E Paulo sugere que tenhamos esse mesmo sentimento.

  Esta declaração, aos Filipenses, com a outra, aos Colossenses, de que "perdoemos como Deus e, acima disso, esteja o amor", as duas compõem como uma terceira, aos Efésios, os absurdos extremos das "cartas da prisão". 

    Ou até onde pode chegar a condição humana. Porque afirmar "tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus", com a dos Colossenses, "perdoem como Deus perdoa e, acima disso (ainda) o amor", somam-se aos Efésios: "conheçam o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, e sejam tomados de toda a plenitude de Deus".

   Ou o apóstolo pirou, permitam-me o termo, devido às condições carcerárias, ou conduziu ao limite sua leitura do evangelho. Humildemente reconheçamos isso. Porque humildade é, diante de Deus, o retrato de nossa real condição.

  E sua (de Deus) vontade vem expressa:
³⁹ "E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia. ⁴⁰ Porque a vontade de meu Pai é que todo o que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia".  João 6.

  Esse o ponto de partida da humildade. A justa diferença entre a oração do fariseu, autossuficiente, e a do publicano, reconhecido de sua total dependência. E ser propício ao pecador tem, na cruz, o ponto de inflexão.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Charla misionera

 

   Eu havia pensado numa conversa, de missionário para missionária. Mas tinha dúvida. Porque há uma diferença de 50 anos, ou mais. O que um velho teria a dizer a uma menina de 15 anos?

   Mas há algumas identidades. Começa pela amizade com o avô, a condição de pastores e nossa condição de troca do lugar de nascimento, por uma terra distante.

   A sua, ainda mais distante. Aqui, no meu canto, onde estou já há quase 30 anos, ainda é Brasil. Remoto, mas o mesmo país. As estranhezas são menores.

  Aqui e ali se encontra gente do sul. Cariocas mesmo, paranaenses, paulistas do interiorrrrr e até sul-riograndenses. Mas lotado de acreanos, gente muito mais acolhedora. Mas o que se encontra em Espanha? 

    Você está descobrindo. Que apego tem Deus pelas gentes, que tanto nos fascina? Como nos coloca assim, em condições de tanta estranheza, para que encontremos caminhos de amor?

   Eu lembro de seu avô, tentando entender a minha escolha. E até hoje eu olho å volta, para a mesma paisagem de 1993, retocada aqui e ali, e me pergunto o que nela ainda me atrai.

   Ruas acanhadas. Cheguei aqui, havia dois edifícios, um de 8 e outro de 5 andares. Duas pontes sobre o rio Acre, uma de 1970 e a outra de 1974, a primeira de ferro, a segunda de alvenaria.

   Iluminação amarelada, ainda por motores a diesel. Certa vez, era o feriado de 12 de outubro de 1993, Regina grávida de Isaac, 3 meses, eu dei de cara com a paisagem da Estação Experimental.

   Nome de bairro de uma estação agrícola que não deu certo. O pessoal foi invadindo, para arranjar onde morar. História de 80% dos bairros daqui. Eu enxerguei a Estação.

  E disse para mim: como vim parar aqui? É para cá que venho? Trazer a esposa, sem ainda ter nem um ano de casado? Nunca mais consegui ver assim a Estação.

   Deixou de ser remoto e distante. Deixou de ser miúdo e acanhado. E a gente deixou de ser estranha e desconhecida. Ainda me falta aprender amar como Deus ama.

   Noutro dia, estava dentro da casa de meu filho, ele me fez um café, sentado ao lado da esposa dele, que me promete um(a) primeiro(a) neto(a). Desculpe essa conversa de velho.

   Ele veio no colo da mãe, com 8 meses de nascido. Loucuras nossa. Eu e teu avô cismamos de fazer Rio-Campo Grande, ainda no meado da década de 80.

  A gente via um cartaz rabiscado Porto Velho, no para-brisas dos ônibus Andorinha. Aprendemos que Campo Grande, Mato Grosso do Sul, era baldeação para gente que ia até Porto Velho, Rondônia.

  Teu avô olhou desconfiado. Não vamos a Porto Velho, ele ameaçou: você tem mania por aventuras missionárias. Tínhamos. Temos. De onde vem esse vírus?

  Eu acho que Deus tem mania missionária. Chegamos a Rio Branco. Nelson Rosa, que neste ano faz 40 anos de Acre, disse que, talvez, fosse tempo de fazer missões em Minas Gerais.

   O casal Rosa nunca deixa de ser missionário. Deus nunca deixa de ser missionário. Deus é amor. E aí, eu disse ao seu avô: se ele sai, eu entro. Se ele vai, eu venho.

  Ia esquecendo de dizer: nessa saga missionária, até o interior de Minas, o casal Rosa passou em Porto Velho e deixou lá plantada uma igreja. Toma mais essa, Paulo Leite.

  Nunca sabemos direito por que viemos. Tentar conhecer o amor, como diz Paulo, excede todo o entendimento. Mas ele também diz que faz ser tomado por toda a plenitude de Deus.

  Julia, seja essencialmente missionária, como Deus. Em amor, tomada por toda a plenitude de Deus. Amor é a reposta de Deus a esse mundo. E nós, o rosto de Jesus para todas as gentes.

   Não sei se aos 15 se sabe muito sobre isso. Eu, com 66, não sei se aprendi muito. Porque o amor de Cristo excede todo o entendimento.

domingo, 10 de março de 2024

As cartas de Jesus às 7 igrejas: aplicação permanente

   As cartas do Apocalipse são avaliações feitas pelo próprio Jesus sobre um circuito de igrejas. Torna-se representativo, pelo que apresenta sobre cada uma, em separado, mas também pelo todo, pelo conjunto.

  Porque são vícios e virtudes mesclados, expostos. E são nossos esses vícios e essas virtudes. Muitas vezes até gostamos de nos referir a igrejas, porque fica parecendo fofoca.

  E acabamos nos revestindo de uma blindagem que nos isenta de, aparentemente, pertencer ao grupo. Pomo-nos fora, para criticar, pomo-nos dentro, para enaltecer o próprio ego.

   Pois Jesus é o único isento para avaliar. Mas o Espírito Santo, que ele deixou em Seu lugar, tem a mesma percepção e autoridade. E cabe a nós atender-lHe a voz.

   Paulo Apóstolo ele mesmo que afirma, "a letra mata, mas o Espírito vivifica". Cabe distinguir entre nossa(s) leitura(s) e aquela resultante da ministração autêntica do Espírito. E não basta mencionar Espírito a toda hora, nem brandir a Bíblia, a todo o momento.

   Mas, afinal, o que Jesus diz, de essencial de:
ÉFESO: abandonaste o primeiro amor; ESMIRNA: não temas as coisas que tens de sofrer; PÉRGAMO: coservas o meu nome e não negaste a minha fé; TIATIRA: eu sou aquele que sonda mentes e corações; SARDES: lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, guarda-o e arrepende-te; FILADÉLFIA: guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome; LAODICEIA: aconselho-te que compres de mim ouro, vestiduras e colírio.

   1. Uma igreja não vive sem o essencial, que é o amor, sendo o único contexto onde pode ser conhecido e vivenciado: Ef 3,19;
2. A igreja sofrerá a medida da rejeição de sua identidade com Cristo. E isso não será apenas de fora para dentro, a partir do mundo, mas dentro, na luta interna pela prevalência do amor em nós: Jo 15,20;
3. O testemunho de Cristo é a missão única da igreja e, para isso, recebe poder do Espírito Santo. Ainda que sobrevenham provações, e certamente virão, a perseverança é a sua  qualificação: Hb 12,1-2;
4. Para a igreja e para a vida individual do crente e essencial depurar mente e coração. Não basta definir-se cristão para que haja uma isenção premente. Sempre carece do agir do Espírito: 1 Co 2,9-11;
5. A igreja tem um legado recebido por Jesus, em tudo que a suores para dar continuidade ao ministério de Jesus. As Escrituras são fundamentais, a agência do Espírito essencial e a comunhão dos santos o lugar dessa benção: At 2,42-47;
6. Guardar a palavra, na assistência do Espírito, é essencial para a igreja. Ela será a segurança do crente, guia permanente de sua caminhada e correção permanente de sua identidade: 2 Tm 3,16-17;
7. Somente em Jesus, modelo para a igreja, residem os valores que a suprem com poder do Espírito: são a sua riqueza, vestes e visão: Ef 1,19-23.

    Cada igreja segue um contexto próprio. E as mensagens são específicas. Mas as reações a essas situações são princípios gerais de conduta. Podem ser, por assim dizer, sacados de seu contexto e ser adotados como exortações atemporais, portanto, permanentes.

   E sempre retornar às cartas de Jesus, para entender seu método de avaliação. Porque é o que devemos aplicar a nós mesmos, visto que igreja somos nós. E nunca devemos a elas nos referir como se fossem à parte de nossa própria condição.

   Para nos avaliarmos, as Escrituras, debaixo da orientação do Espírito, são nossa bússola, modernamente, o GPS. E seu contexto sempre será a igreja. Pois assim Jesus indicou quando convocou os apóstolos.

   Em Lucas 24,27, Jesus demonstra como, pelas Escrituras, advém a instrução sobre ele mesmo. E em At 1,1-2, a indicaçãode como, pelo Espírito, era que o próprio Jesus transmitia, para entendimento, fixação e ação a sua própria instrução. E sempre o fez em companhia deles, no contexto da congregação que ele mesmo edifica, Mt 16,17-18.

sábado, 9 de março de 2024

Mulher modelo Eva

 ²⁷ "Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." Gênesis 1.

¹⁸ "Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea." Gênesis 2:18.

   Neste texto, homens e mulheres são postos no mesmo nível, diante de Deus. O que significa ter a mesma importância. Portanto, nada diminui nenhum em relação ao outro.

  Qualquer leitura, até mesmo de textos bíblicos, que imponham à mulher uma condição inferior, estão lidos de modo equivocado. Pois logo virá o questionamento:

   "Mas o texto do casamento não as coloca em posição subalterna?" Porque dizer sejam submissas implica estar por baixo.

  Porém falta lembrar que esse texto está inscrito no mesmo contexto que pontifica ao homem amar a esposa.

  Não existe submissão sem que ocorra amor. Submissão a quem ama, é a mesma que temos em relação a Deus. Pois então, em que somos diminuídos nisso? Ao contrário, somos glorificados.

  E a condição da identidade feminina condiz com uma parceria de origem, entre homem e mulher. Auxiliar sigjfica quem se coloca ao lado, para que o que vai ser levado a efeito seja perfeito.

  E idôneo significa que não haverá outro auxílio que substitua este e nem outra pessoa presente que possa efetuar essa mesma função.

¹³ "Disse o Senhor Deus à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi." Gênesis 3.

  A experiência da queda afetou o casal. Assim como, definitivamente, todos os descendentes. deles. Deus, que havia instruído e advertido em relação a essa possibilidade, interpela o casal a fim de ouvir causas, razões e justificativas.

   O homem foi o primeiro a ser confrontado, visto que sobre ele a responsabilidade pela vigilância, com relação a toda a criação e ao próprio casal.

   Num grave momento, o homem procurou eximir-se de sua responsabilidade. Independentemente dos resultados, essa tentativa revelou um covardia histórica, quando decidiu responder do modo que fez:

¹¹ "Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses? ¹² Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi." Gênesis 3.

   Era apenas necessário dizer: "Eu comi". A introdução a esta expressão, procurando deslocar para a mulher toda a responsabilidade, manchou a nossa reputação.

  Deus, como se houvera atendido à justificativa dele, inquiriu a mulher sobre o fato. Lembrar que a responsabilidade sobre transmitir à mulher sobre a palavra de Deus sobre a árvore do conhecimento do bem e do mal foi toda de seu esposo Adão.

   Por isso, a cobrança recaiu, primeiramente, sobre ele. Pois Eva, agora questionada por Deus, foi absolutamente sincera. Ela respondeu de forma direta: "A serpente me enganou e eu comi". Para Eva, não houve réplica, porém absoluta sinceridade.

²⁵ "Tornou Adão a coabitar com sua mulher; e ela deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Sete; porque, disse ela, Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel, que Caim matou.
²⁶ A Sete nasceu-lhe também um filho, ao qual pôs o nome de Enos; daí se começou a invocar o nome do Senhor." Gênesis 4.

   Aqui parece haver um franco engano sobre um importante destaque, que foi a crise aberta após o assassinato de Abel. Aparece na Bíblia a menção das orações de Eva, a cada vez que engravida.

  Constam, textualmente, as orações de gratidão e consagração pelo nascimento de Caim e, posteriormente, pelo nascimento de Sete. E vem escrita a observação acima transcrita.

   Enos é o neto de Eva, filho de Sete, a quem ela menciona como dádiva, em função da morte de Abel. E certamente instruiu o neto, como Paulo afirma que ocorreu com Timóteo, filho e neto de mulheres crentes, herdeiro, na afirmação do apóstolo, de uma fé não fingida.

   "Daí se começou a invocar o nome do Senhor", aplicado a Enos, certamente exclui Eva, mas inclui Adão, ou seja, exclui Eva de o ter invocado, o que é um equivoco, como mulher invocou, mas inclui Adão, como homem, por não tê-lo e exercido.

   Três marcas distintas da primeira mulher, uma delas numa ocasião sensível e definitivamente negativa para a história humana. Mas suas reações a colocam em destaque.

   Mulheres que tomam Eva como exemplo, e mesmo homens que o fazem, tornam-se exemplo de conduta cristã autêntica e honrada por Deus.

   A primeira, na condição estipulada por Deus para a sua conduta e postura diante do homem, a resposta sincera e lúcida, de arrependimento, na hora da maior crise, é a nota fundamental da opção clara pela busca de Deus.

Habacuque, o profeta da plaqueta, denuncia a violência

 ² "Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! E não salvarás" Habacuque 1:2

   Pergunta difícil. Não dá para sondar os desígnios de Deus. Assim como responsabilizá-lo por decisões humanas.

  A violência é essencialmente humana. Um camarada chamado René Girard (leia /ê/), filósofo, antropólogo e teólogo, desenvolve uma teoria mimética.

  Esta palavra provém de mimeses e significa "imitação". Esse filósofo afirma que toda sociedade elege, para si, um bode expiatório, no qual enxerga a si mesma.

  E a morte desse animal alivia a sede humana intrínseca por violência. A seguinte frase dos fariseus, em relação a Jesus, reflete essa dedução funcional de Girard:

   ⁴⁹ "Caifás, porém, um dentre eles, sumo sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vós nada sabeis, ⁵⁰ nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação." Jo 11.

   Espelha-se, dessa forma, em quem morre desse jeito, o alívio, a vingança, enfim, mesmo o simples descaso pela vida alheia. Mas isso é um lance à frente.

  Essa ginástica dedutiva de René merece reflexões filosóficas. Porque a violência brota, de seu elemento primordial, de raiz, de dentro do ser humano.

   Provém do íntimo. Se foi mesmo criado à imagem e semelhança de Deus, operou-se um corte tão decisivo, de semelhanças, que o instinto assassino foi incorporado.

  E por razões nenhumas, por assim dizer. Ódio não tem motivação. Amor sim, visto que o mandamento de Jesus se dirige até ao inimigo declarado e último, em grau.

   Em pleno dia da mulher, por assim dizer, data de destaque para pô-las sob resguardo de proteção, respeito e senso de mesma importância, em relação aos homens, destaca-se dupla modalidade de violência.

   Uma delas, aliás, por assim dizer, ambas vulgares, ocorrendo todo o tempo, mas desta, e mais esta vez, talvez mais frequente do que a outra, é a violência de homens contra elas.

   O sujeito atropelou propositadamente a mulher que ele julgava sua e no direito de punir, sob alegação de ciúme possessivo. Jazia no chão, já ferida, e o vídeo mostra a manobra desesperada dele para, de novo, atropelar, agora passando por cima.

   E o outro vídeo mostra a mãe, com o padrasto da filha, carregando o corpo da menina, a qual espancaram até a morte, carregado numa maleta, procurando onde esconder. Ela chama um Uber para simular sequestro da menina. A polícia cumpre sua rotina de interrogatórios, confrontação de versões, investigação, até que ele conduz ao lugar de ocultação.

   Estes dois requintes estão aqui em destaque somente como exemplos de violência gratuita, praticadas contra e pela mulher para se constatar, no caso, que elas podem ser vítimas ou algozes.

  Da mesma forma o homem. Ora, haverá exemplos diversos nessa vitrine humana da violência. Habacuque, o profeta, diz o texto, põe-se numa torre para saber, de Deus, uma reposta à violência. Na minha opinião, por uma lado, Deus se surpreende, e, por outro, não.

   Como se Deus dissesse: "Ora, Habacuque, você esperava o quê?". E o profeta pensasse, ou nem dissesse: "Mas o Senhor, com todo o respeito, não vai fazer nada? Nenhuma atitude de sua parte?"

   Qual atitude deseja-se ou se espera de Deus? Terá sido a que a Bíblia indica? De que se faz homem para, com amor, tentar dissuadir de toda a violência? Se foi essa a tentativa divina, Girard deve estar certo (e os fariseus também).

   Mataram o Filho, como bode expiatório. E, de certa forma, resolveu-se o problema da violência. Mas, de outra forma, está pendente. Como triste espetáculo de mídia.

   Contrassenso definidor da condição humana. Vendo Jesus Cristo assassinado, vejo nele estampado o meu instinto assassino. Mas, em contrapartida, dEle provém a solução.

  Erguido na cruz, para ela converge toda a vista do estandarte de toda a violência. Jesus Cristo é o bode expiatório de toda a violência. Avisem ao profeta, que Deus, num só ato, resolveu.

  Avisem Girard. O Cristo é o Sumo bode expiatório. Acho até que o filósofo pensava nisso. Deus, então, espera, por amor, que haja arrependimento. Essa é a resposta de Deus à violência.

  Enquanto isso, assiste ao espetáculo triste, muito triste, da violência exposta como rotina vulgar. 



sexta-feira, 8 de março de 2024

Cercados num doce cativeiro

 Ora, as mulheres. Ou são taxadas culpadas, por uma leitura errada do equívoco de Eva, ou são enaltecidas mas, exatamente, por seu papel secundário.

  Injustiça nossa, homens acovardados pela grandeza delas. Somos, desde sempre, por elas paparicados, desde os dengos de mãe, que nos defendiam até dos direitos dos pais.

   A minha, por exemplo, ah, que saudade, aplicou-me, pelo menos, três peias (no Rio, surras) memoráveis. Esclareço: saudades dela, e não das surras.

  Pois sim, agregavam, no combo existencial, o direito de somente elas. Meu pai, por exemplo, nunca exerceu esse direito bíblico, hoje impugnado pela reles lei.

   Certa vez, ele tentou, mas desistiu, procurando o ângulo certo para aplicar o tapa, de mão côncava, inapropriada para o efeito. Os dois rimos, e ficou somente nessa tentativa.

   No seu último dia de vida, testemunhou minha mãe, orou por Ana Luísa. Deus atendeu. Estou cercado por elas. A mãe, a filha, Dorcas, mãe e avó, Lourdes, que preparou Regina, e agora Amanda, preparada por Aldione, esta a sogra do filho Isaac.

   Estamos todos cercados por elas. Um dia sonhamos, em meio a uma bruta solidão. Adão, naquele dia, dormiu, depois das tarefas cumpridas, de guardar o jardim, enquanto arava, plantava, cuidava, nomeava os animais, enfim.

   Acordado, pensou: "Estou, ainda, sonhando! Que que é isso, meu Deus!", falou, admirado, sem saber se dirigia-se ao Altíssimo, pela surpresa, ou se, simplesmente, acabava de inventar a usual exclamação: "Meu Deus!".

  Mas Deus logo respondeu: "Ora, Adão, é a mulher". E ele disse: "Puxa, Altíssimo, afinal". Poderia ter ficado neste termo, evitando o grande mico que, definitivamente, manchou nossa reputação, quando quis jogar somente sobre ela a responsabilidade pela dupla queda (ou queda dupla).

   Afinal. Elas são maiores do que o termo. Mas imaginem a criação sem elas? Como comenta Vinicius de Moraes e Rubem Alves, boa ideia do Altíssimo criar e plantar um jardim.

  Jardins são lindos. Certo, precisam de mãos delicadas e dedicadas para cuidar. Mas não são nada sem as mulheres. Imagina um jardim silencioso, ou só com o canto de pássaros?

   Sem a algavaria, o falatório, a algazarra das mulheres? Adão iria logo reclamar: "Vamos parar com esse silêncio aí!". Sim, leia direito: Adão e Eva tiveram filhos e filhas.

  Completou com o falatório delas, com as risadas delas e com (agora mais perigoso, muito perigoso) o murmúrio delas. Ora, seríamos muito melhores se guardássemos conosco todos os toques que tivemos desde os dias do acalanto.

   Deus as fez sua cara, tanto quanto a nós homens: "Criou Deus a sua imagem, a imagem de Deus os criou, homem e mulher os criou", mas se lê depreciativamente, forçando a barra para colacá-las abaixo.

  Após a desobediência estudada e compartilhada, viram (os dois) que estavam nus, mas nós dissemos, representados em Adão: "Foi culpa dela, a mulher que Tu nos deste", nós homens, referindo-nos ao Altíssimo.

   Quisemos pôr nelas toda e isoladamente a culpa. Herdamos, assim, a marca da covardia. Se Deus nos fez mais fortes, foi para proteger as mulheres. Elas foram postas no jardim, para nos auxiliar a cultivar. 

   Nunca saberíamos fazer sem a ajuda delas. Como disse o Altíssimo, são idôneas. Cultivam o jardim e nos cultivam juntos. Quanto maior o nosso cuidado com elas, mais nos ensinam o amor.

   Ou alguém ainda tem dúvida de que, se, realmente, existe amor, foi com elas que aprendermos? Desde as orações de Eva pelos meninos que nasciam: Senhor, ensina-os a amar, devia orar assim. E certamente os ensinou a assim proceder. Abel acolheu e aprendeu.

   Homens, somente somos, e grandes, se quisermos ser, amando-as. Alguém disse, lá atrás, que, somente a partir de Enos, netinho de Eva, por causa da abrupta morte de Abel, seu tio, foi que se começou a invocar o nome do Senhor.

  Enganou-se quem disse, porque a primeira mulher sempre invocou o nome do Senhor. E talvez, muito talvez, mais do que o marido. Não cessemos de aprender com elas.

   Lembremos do Salmo 32, nada gentil conosco todos: "Não sejamos como cavalo ou mula, carentes de freios, senão não se deixam conduzir, não aprendem" (livre citação). E não sejam soberbas, mulheres. Basta ser como planejou Deus, mais do que sonhou Adão, uma visão real.

   Faltava você, mulher, naquele jardim. Faltavam vocês em nossa vida. Faltavam intercessoras sensíveis a invocar o nome do Senhor. Faltava alguém para nos ensinar a amar.

terça-feira, 5 de março de 2024

Páscoa na chácara 2023


 É dia de Páscoa

 
Deleite pros pequeninos: vale pelo sorriso

 
E mostram sua arte

 

 
Sorriso de mídia e conferindo os brindes

Serviço de lanchinho nota 10

Com os cânticos e a devocional

E a despedida ao final.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Alegria de um encontro

 ²⁷ "Neste ponto, chegaram os seus discípulos e se admiraram de que estivesse falando com uma mulher; todavia, nenhum lhe disse: Que perguntas? Ou: Por que falas com ela?" Jo 4.

  Observe as expressões: "Neste ponto", "admiraram-se" e "todavia". Elas definem momento ("Neste ponto"), a estranheza ("admiraram-se") e a autocensura ("todavia").

  Retornamos a esse texto, também pela insistência com que, no dia a dia de nossa existência comum, esbarramos no preconceito social, na discriminação por valor menor, estes impingidos, é claro, por nós, ao outro. Como diz Rubem Alves: "As comparações são a raiz mais profunda da infelicidade humana".

   Outro é pronome indefinido. Pois o uso acima, bem entendido, significa dizer que impomos a menos valia a qualquer um e isso é tão automático quanto o texto revela que foi em relação aos discípulos.

  E Jesus, em sua pedagogia, pareceu não ter percebido, e sim contra-argumentou, resolvendo dizer que o ato dele, em diálogo com a mulher, tinha o sentido de (1) fazer a vontade do Pai, (2) recolher para o celeiro do céu mais uma preciosa vida e (3) fazia o que todos eles foram enviados a fazer.

  Donde se conclui que discriminar o outro com menos valia (1) não consta no fazer de Deus, porque (2) todos nós e os outros Ele deseja acolher em Sua colheita e ainda (3) somos, por Ele, comissionados a não nutrir preconceito ou discriminação, mas a semear e acolher.

   Não é por raça. Nem por DNA. E nem por sangue mais nobre. O único "sangue bom" foi o de Jesus. E não foi por uma gotinha 💉 de sangue que, como dizem as Escrituras:

¹⁸ "...sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, ¹⁹ mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, ²⁰ conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós". 1 Pedro 1.

   Não pense que se pode ser vacinado dessa soberba racial. Identifiquemo-nos com a samaritana. Para de se achar. Em que somos superiores? Em nada.

   Foi prata ou ouro? Nem um, nem outro. Foi sangue, pelo "precioso sangue, como de cordeiro, sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo". Nem vacina. Foi transfusão.

   Então, como diz Paulo, ou seu correlato Tiago, a jactância está excluída. ²⁷ "Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída". Rm 3. E Tiago: ¹⁶ "Agora, entretanto, vos jactais das vossas arrogantes pretensões. Toda jactância semelhante a essa é maligna." Tg 4.
 
   Jactância é ostentação. Aqueles apóstolos, definitivamente, avaliavam-se como superiores àquela mulher. Pobre pretensão. Aos olhos de Cristo, bem, Jesus preferiu, amorosamente, pôr em destaque:

 (1) o Seu próprio ministério, que é acolher todos, (2) indicar que sempre é tempo para acolher em amor e (3) eles mesmos, imitadores de Cristo, teriam a chance de praticar esse acolhimento e esse mesmo amor.

   Só mesmo Jesus para reagir desse modo diante da ostentação, à qual Tiago denominou maligna. Não que Jesus discorde. Mas é que no contexto da história da samaritana, talvez, a alegria daquele encontro o tenha contagiado.

domingo, 3 de março de 2024

Há exortação em Cristo (?)

 "Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, ² completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. ³ Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. ⁴ Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros." Fp 2.

   A primeira anotação no texto menciona "exortação em Cristo", precedida da conjunção "se". Significa uma chamada próxima de alguém sempre perto, que representa despertamento, encorajamento, admoestação.

   Esse pessoa corresponde a Cristo? Mas que Cristo? Ou como Cristo? De que modo chega a nós essa exortação? Ou quem, a que e como nos exorta?

A. Exortação em Cristo: que Cristo?

1. O Cristo é o da experiência pessoal: sim, mas não somente. Ele fala individualmente, mas não exclusivamente. A orientação pessoal recebida, pode valer como exemplo geral a todos, mas é específica para o fiel.

2. O Cristo é o da experiência com a Bíblia: sim, mas não de exclusiva interpretação individual. Sempre que a palavra de Deus vem ao homem/mulher, é no contexto da comunidade. Por ela se conhece a instrução geral, que reforça a individual.

3. O Cristo é o da experiência com a ortodoxia ou doutrina: sim, para todos, a "disciplina da fé" ou a síntese, que referencia o grupo, que não sofre profundas alterações. Mas é como roupa velha, que somente deve ser usada, de forma restrita, a esse mesmo grupo.

B. Pensar a mesma coisa: em que sentido? Conflito da opinião própria X opinião sábia.

1. Por exemplo, da ortodoxia. O que Paulo define como "discutir opiniões" aplica-se a não gastar tempo ou energia divergindo, de modo estéril ou carnal, por opiniões mal fundamentadas ou defesa teimosa de pontos de vista particularíssimos.

   Ter sincronia, mesma percepção, o mesmo senso de valor em relação ao que provém de Cristo. 

2. Ter o mesmo amor: pode parecer fácil, porque amor somente há o verdadeiro. Ele é divino, distribuído de graça e ao alcance de qualquer um. Talvez por ser uma aspiração legítima ou desenhar um belo horizonte, seja tão cobiçado e facilmente falsificado. Já avaliamos o que se torna necessário para obter, amadurecer, vivenciar e praticar esse amor?
2.1. Conversão (arrependimento);
2.2. Fruto do Espírito (luta contra a carne);
2.3. Santificação - até a glorificação (ação da Trindade).

3. Unidos de alma: são estágios cumulativos. Ninguém se torna unido de alma sem pensar a mesma coisa e ter o mesmo amor. Refletindo sobre essas etapas, percebemos algumas coisas:
3.1. Paulo deseja que percebam somente ser possível alcançar coletivamente as virtudes citadas;
3.2. Não há, como igreja, outra tarefa maior, mais nobre ou urgente do que essa;
3.3. Essa busca constitui-se na construção do sentimento que corresponde ao de Cristo, pois somente Ele e nEle é possível agregar esses valores.

Paulo termina definindo o equilíbrio entre o eu e o outro. Partidarismo (rivalidade) ou vanglória (orgulho vazio) estão fora. Humildade, que ele define como pôr à frente o interesse do outro e não o (meu) nosso próprio.