terça-feira, 26 de março de 2024

Ester e uma vida na providência de Deus

 ⁵ Ora, na cidadela de Susã havia certo homem judeu, benjamita, chamado Mordecai, filho de Jair, filho de Simei, filho de Quis, ⁶ que fora transportado de Jerusalém com os exilados que foram deportados com Jeconias, rei de Judá, a quem Nabucodonosor, rei da Babilônia, havia transportado. ⁷ Ele criara a Hadassa, que é Ester, filha de seu tio, a qual não tinha pai nem mãe; e era jovem bela, de boa aparência e formosura. Tendo-lhe morrido o pai e a mãe, Mordecai a tomara por filha. Ester 2.

1.Órfã e exilada, mas sem traumas ou mágoas:

   Neste ponto de partida a um final assombroso, na história dessa menina. Nascida no exílio, ou lá chegada nova na idade, Hadassa havia perdido os pais.

   Mas plena de marcas positivas de cuidado, por parte de Mordecai, sobrinho de Abiail, pai dela. Ester, assim mais conhecida, não sabia, mas um gesto tresloucado da rainha persa Vasti, feminista fora de época, definitivamente mudaria sua vida.

   Assuero, o Xerxes I, da história, rei persa entre 486-465 a.C., promoveu um banquete de 180 dias, exagero típico daquele imperador do mundo. Os persas, hoje iranianos, haviam vencido os babilônios em 539, libertado os judeus em 536 a.C. A história de Ester acontece no reinado desse rei.

    Muito regado a vinho, mandou chamar Vasti, para que se exibisse aos convidados. Ela se recusou. E foi esse gesto que tornou possível a Ester entrar em cena.

⁸ "Em se divulgando, pois, o mandado do rei e a sua lei, ao serem ajuntadas muitas moças na cidadela de Susã, sob as vistas de Hegai, levaram também Ester à casa do rei, sob os cuidados de Hegai, guarda das mulheres. ⁹ A moça lhe pareceu formosa e alcançou favor perante ele; pelo que se apressou em dar-lhe os unguentos e os devidos alimentos, como também sete jovens escolhidas da casa do rei; e a fez passar com as suas jovens para os melhores aposentos da casa das mulheres." Ester 2.

2. Mudança súbita, sem ostentação:

   A rapaziada do Palácio, ora, ideia de cabeças juvenis, sugeriu, literalmente, um concurso de beleza. Ou seja, comissários, por todos os recantos da cidadela de Susã inscreveriam meninas numa rigorosa seleção.

  Destacou-se Ester. Hegai, responsável pelo escrutínio, pondo seu gosto na moça e sem encontrar concorrência, apresentou-a ao rei. Haveria todo um tratamento de beleza por 1 ano.

    Mas não era somente a extrema beleza o destaque de Ester. Mordecai a instruía meticulosamente, e ela não lhe desprezava os conselhos, o principal deles de não revelar sua identidade judia. A tudo ela atendia.

  O primo a acompanhava muito próximo, também atento ao que ocorria no Palácio, principalmente nos bastidores. E  esse senso de observação levou-o a descobrir uma típica intriga palaciana de época.

   Mordecai advertiu Ester e esta ao rei. Ora, não haveria chance maior de tanto ele quanto ela crescerem no conceito de Assuero. A delação e consequente punição dos culpados foi tudo registrado nas Crônicas do reino.

3. O desafio da melhor escolha de uma vida:

¹⁰ "Então, respondeu Ester a Hataque e mandou-lhe dizer a Mordecai: ¹¹ Todos os servos do rei e o povo das províncias do rei sabem que, para qualquer homem ou mulher que, sem ser chamado, entrar no pátio interior para avistar-se com o rei, não há senão uma sentença, a de morte, salvo se o rei estender para ele o cetro de ouro, para que viva; e eu, nestes trinta dias, não fui chamada para entrar ao rei. ¹² Fizeram saber a Mordecai as palavras de Ester. ¹³ Então, lhes disse Mordecai que respondessem a Ester: Não imagines que, por estares na casa do rei, só tu escaparás entre todos os judeus. ¹⁴ Porque, se de todo te calares agora, de outra parte se levantará para os judeus socorro e livramento, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para conjuntura como esta é que foste elevada a rainha?" Ester 4.

    Mas não só de intrigas meia-sola vivia a Pérsia daqueles dias. Aliás, para tempos depois da história de Ester, Assuero/Xerxes I findou, como diz o acreano, assassinado em 465 a.C. Mas essa é outra História.

   Aqui na nossa, o rei, ingenuamente, enalteceu um tal Hamã, vaidosíssimo e nutrindo ódio aos judeus. A ponto de urdir uma intriga aos ouvidos do rei, taxando o povo de Ester de insubordinados à lei persa, intratáveis e conspiradores. Deveriam ser eliminados.

     Hamã exigia, por onde trasitasse, reverência até o chão. Adivinhem que não estava nem aí para isso?  Acertaram: Mordecai. Bastou, para Hamã turbinar sua intriga e seu ódio.

   Ele ajuntou peso de 10 mil talentos de prata, uns 40 milhões hoje, para o expediente de aniquilar os judeus, e mais o saque de seus bens. E se marcou dia e mês para a chacina.

4. Não ao medo e à covardia:

    ¹ "Ao terceiro dia, Ester se aprontou com seus trajes reais e se pôs no pátio interior da casa do rei, defronte da residência do rei; o rei estava assentado no seu trono real fronteiro à porta da residência. ² "Quando o rei viu a rainha Ester parada no pátio, alcançou ela favor perante ele; estendeu o rei para Ester o cetro de ouro que tinha na mão; Ester se chegou e tocou a ponta do cetro. ³ Então, lhe disse o rei: Que é o que tens, rainha Ester, ou qual é a tua petição? Até metade do reino se te dará. ⁴ Respondeu Ester: Se bem te parecer, venha o rei e Hamã, hoje, ao banquete que eu preparei ao rei." Ester 5.

   Mordecai advertiu Ester de tudo. E pediu a ela que intercedesse junto ao rei. Ela mandou avisar que o rei estava incomunicável, num retiro inacessível, sob risco de morte se importunado.

   Mordecai replicou solenemente, assinalando a gravidade do momento: nem ela escaparia ao morticínio de todo o nosso povo. Porque a norma de lei persa, uma vez proclamada, era irrevogável.

   Aqui floresce a virtude de Ester, que assume o risco. Muito diferente de Vasti, foi sábia no desafio de interpelar o rei no tempo proibido. Com refinamento, põe-se no lugar da providência de Deus, como falara Mordecai.
   
   Interessante que, nenhuma vez, neste livro, o nome Deus é mencionado. Mas Sua presença todo o tempo reconhecida. Ester fez-se anunciar ao rei. Havia pedido a Mordecai e seu grupo que por ela jejuassem. O rei lhe estendeu o cetro. Ela lhe tocou a ponta. E fez o seu pedido.

    Que o rei agendasse um banquete, exclusivo para ela, o rei e Hamã. Aqui insinua-se a principal marca de Ester. Vale a pena notar seu expediente, que não brota, por espontaneidade, de uma mulher superficial qualquer.

   Destacava-se, nessa rainha, uma formação de vida forjada em reflexão, de passado sofrido, em exílio e orfandade, mas sem mágoas, continuamente influenciada pela virtude de caráter de Mordecai.

   Porque era típico dele não sair, todo o tempo, de muito próximo à casa do rei. Não era como Hamã, ali presente por egolatria, mas presente para doar-se em serviço. Daí ter descoberto a conspiração, a suprir por conselhos a rainha e servir como referência em momentos cruciais.

6. Prevalece a sabedoria:

¹ "Veio, pois, o rei com Hamã, para beber com a rainha Ester. ² No segundo dia, durante o banquete do vinho, disse o rei a Ester: Qual é a tua petição, rainha Ester? E se te dará. Que desejas? Cumprir-se-á ainda que seja metade do reino. ³ Então, respondeu a rainha Ester e disse: Se perante ti, ó rei, achei favor, e se bem parecer ao rei, dê-se-me por minha petição a minha vida, e, pelo meu desejo, a vida do meu povo. ⁴ Porque fomos vendidos, eu e o meu povo, para nos destruírem, matarem e aniquilarem de vez; se ainda como servos e como servas nos tivessem vendido, calar-me-ia, porque o inimigo não merece que eu moleste o rei. ⁵ Então, falou o rei Assuero e disse à rainha Ester: Quem é esse e onde está esse cujo coração o instigou a fazer assim? ⁶ Respondeu Ester: O adversário e inimigo é este mau Hamã. Então, Hamã se perturbou perante o rei e a rainha." Ester 7. 

    Ester agenda um primeiro banquete porém, magistralmente, somente num segundo vai surprender o bajulador Hamã e ao próprio rei. Inteligente em seu estratagema vai, a um só tempo, denunciá-lo e ainda suplicar pela vida de seu povo, incluída ela mesma.

   Uma cadeia de fatos gera o clímax da história. Hamã compatilha com a esposa a chance do banquete real. Ela sugere que ele mande instalar uma forca para dependendurar Mordecai.

   Enquanto isso, uma iinsônia providencial do rei requer uma leitura na madrugada. Trazem o Livro das Crônicas dos Feitos Memoráveis, onde se registrou a delação oportuna e salvadora de Mordecai.

   Ao perguntar pela recompensa oferecida, nada foi a resposta. Dia seguinte, muito ironicamente, o rei pergunta a Hamã o que fazer a um homem a quem muito se deseja honrar. Num surto decisivo de vaidade, Hamã acha "só pode ser eu" e, pretensioso, exagera: "Seja vestido como rei, com coroa e montaria real. E um 'arauto de mídia' repita, por toda a cidade: 'Assim se deseja fazer ao homem a quem o rei honra' ".

  Só faltou a Hamã infartar, quando soube que o rei falava de Mordecai. Imaginem a cena. Nada mudou em no primo da rainha. Saiu dali para o seu lugar de plantão, próximo, muito próximo, sempre próximo ao rei, para benção e segurança deste.

    Hamã foi chorar com a esposa, que o advertiu: "Já vi tudo: se esse tal Mordecai, perante quem já começaste a cair, é desse povo judeu, você vai cair definitivamente". Certíssima.

  E no banquete do segundo dia, Ester foi dramática, expondo, diante o rei, o culpado de tudo. Ela concebeu e explorou o suspense. Ao ouvir o clamor e denúncia, Assuero se retira ao jardim, para conter sua fúria e idealizar a solução que trouxe pronta.

    E voltando, encontra o covarde Hamã suplicando clemência aos pés de Ester. O rei interpreta esse gesto como afronta à rainha, chantagem ou simulação, e o manda enforcar na mesmo cadafalso disposto por ele para Mordecai. Cumpre-se a dedução de sua arguta esposa.

   E como um monarca persa não pode refutar sua palavra, ele oredena ser armados todos os judeus, para autodefesa contra os inimigos, no dia exato do extermínio previsto.

   E quem lhes transmitiu essas ordens foi o próprio Mordecai, agora ocupando o lugar de Hamã, trazendo consigo o anel que selava os mandados do rei, finalmente em justas mãos.

Lições da menina-rainha:

1. Traumas e perdas, ainda que sejam cedo na vida, podem ser supridas e contornados por dedicação e amor: o primo Mordecai forjou um caráter de fé na criação compartilhada com Hadassa;

2. Uma repentina projeção pessoal de vida, um dos mais cobiçados sonhos paternais, pode reservar uma armadilha de soberba para o ego, e não oportunidade de aprimoração de um caráter de fé;

3. Repostas a momentos de crise, necessárias aos desafios da vida, podem ser covardes ou desafiadoras, quando se alavanca qualquer provação, como ilustra Tiago, para uma prova de fé, perseverança e maturidade;

4. A sabedoria das escolhas certas na vida, para pequenas ou grandes responsabilidades, não é resultado espontâneo ou de improviso, mas provém de um amadurecimento continuo;

5. A formação de fé que a menina Hadassa recebeu de Mordecai, o exemplo de vida deste primo, e sua presença muito próxima quando surge Ester, garante que os personagens desta história tenham experimentado a providência de Deus na preservação deles mesmos e de todo o povo.

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