sábado, 30 de julho de 2022

Cirurgia sem anestesia

     Eu sou a videira verdadeira". A gente pode achar que é pura pretensão. Mas se for verdade essa afirmação de Jesus, a nossa verdade corre sério risco de ser posta no papel.

   Paulo fala uma linguagem parecida, quando menciona que somos cartas abertas. E o autor de Hebreus aprofunda a temática, quando diz que devemos sair para fora das muralhas da cidade, caminhando em direção ao lugar da morte de Cristo, carregando a nossa vergonha.

   Fora da muralha combina com a expressão inglesa out door, muito já velha conhecida nossa, todo mundo conhece esses antigos murais externos de propaganda assim denominados. Hoje, com a internet, foram turbinados: out door, hoje em dia, atravessa oceanos.

   E nos lembra, nesse mesmo fio de raciocínio, se você quiser, nessa mesma fibra ótica, a recomendação do Altíssimo (Deus, na intimidade) ao profeta Habacuque: "Ponha no out door". Pôr o quê? Ponha que "o justo viverá pela fé".

    E seguindo a mesma fibra ótica, sim, porque a Bíblia, como livro, foi dada para que essa correspondência entre seus textos fosse muito clara, cada texto reforçando o outro, Paulo diz que somos justificados mediante a fé, que por ela temos acesso à graça de Deus, na qual estamos firmes.

    Sem fé, é impossível agradar a Deus, ecoa, de novo, o autor anônimo de Hebreus, e vale a pena conferir no Livro, o texto e contexto do out door: "Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela fé" Hb 2,4. Para a geração de minha época, Hb não é Hanna-Barbera, mas Habacuque.

   Somente a fé nos livra da soberba. Desculpe insistir que, se a sua opção é crer, vai estar nivelado por baixo. Até onde Jesus chegou para se nivelar conosco. E caso se queira, de novo, recorrer ao livro, há um versículo curioso sobre essa justa troca. Se não, vejamos:

    "... o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação". Romanos 4:25. Esse "o qual" se refere a Jesus. Justa troca, no sentido de ser autêntico fruto do modo como Deus entende justiça: Jesus assume o pecado de quem crê, e esse que crê assume sua justificação pela fé. 

    Visto como, pelo fato de assumirmos fé, é por causa da denúncia de nosso pecado, assim diz a Bíblia, essa mesma fé é o único antídoto para a nossa soberba. Então, saiamos ao encontro de Cristo, cada um com nossa vergonha própria. A má fama de cada um é proporcional à suma necessidade da cruz a nosso favor.

    Sem esquecer que só há uma cruz. Não existem, como queremos, níveis de pecado. Existem variedades. Que se manifestam de modo e intensidade diferentes. Mas assim como Jesus é videira verdadeira, na qual somos enxertados como ramos, aparece também a nossa verdade.

   Cumpramos, pois, todos os estágios dessa aproximação. Vamos assumir, cada um, a vergonha própria. Ninguém pode assumir a do outro em lugar de sua mesma. Quem sabe, agora é Paulo, de novo, quem diz, possamos, nessa operação, nesse processo individual, nessa cirurgia sem anestesia, conferir se estamos na fé. Isso cabe a cada um, diria, pois, o Apóstolo, ironicamente:

    "Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados". 2 Coríntios 13:5.

   

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Não acredito: que gosto, meu!

Não fostes vós que escolhestes a mim. Eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça".

    Certos versículos da Bíblia são problemáticos. Esse é um deles. Indica ações de Jesus. Numa primeira aproximação, ele fala de autenticidade. Aliás, todo o capítulo no qual está inserido, fala de autenticidade.

   Porque começa com uma afirmação de Jesus: "Eu sou a videira verdadeira". Bem, poderia ser discutível, caso embarquemos, de carona, na argumentação da teologia liberal, perguntando: "Espera ainda: foi mesmo Jesus que falou isso ou puseram essas palavras em sua boca?

   Bem, mas aqui vamos assumir que foi mesmo Jesus que tenha falado, para chegar lá adiante no tal versículo que, segundo opino, também fala de autenticidade.

   Esse "não fostes vós que escolhestes a mim", dito por Jesus, indica que, na escolha do Mestre, a prioridade é dele. Claro que, no tempo e no espaço, falava aos apóstolos. Mas sem mais delongas exegético-hermeneuto-argumentativas, afirmamos logo que essa escolha se estendeu a nós. Definitiva (ou lamentavelmente) é Jesus quem escolhe.

   Imagina se fôssemos nós a escolher. Ora, faríamos mesmo uma seleção. E provavelmente, eu não escolheria você e você não me escolheria. Por quê? Porque talvez eu não quisesse você no meu grupo e você não me quisesse no seu.

    Nossa convivência seria avessa, os sorrisos um para outro hipócritas e, somente por uma questão de educação, haveria um suportamento sufocante, quase que não respirássemos o mesmo ar, como num afastamento COVID.

  Talvez Jesus não tenha te escolhido, diria eu. Não escolheu foi você, diria você a mim. Porque eu, se fosse ele, não te escolheria, diríamos nós dois. Mas, caso Jesus, em nossa opinião (que, no caso, vale zero, porque a escolha é dele), tenha escolhido a mim e a você, estamos na mesma igreja.

    NÃO, diria eu. Isso mesmo, não, você confirmaria, e nós dois diríamos: na mesma igreja, JAMAIS. Certo. Ainda bem que existem várias e, geograficamente, pelo menos, (bem) distantes. Mas partidários do mesmo evangelho, teríamos de ser. Porque, como diz Paulo, não existe outro.

   Permita-me discordar do Apóstolo: pode até não existir, mas nós, pelo que parece, criamos uma variedade deles. Sim, porque não dá para aceitar que, nesse gosto de escolha duvidosa ou, se preferir, nessa escolha de gosto duvidoso Jesus tenha escolhido você (diria eu, diria você).

   Nós dois, na mesma igreja e no mesmo evangelho, seria uma escolha equivocada. Muito provavelmente, Jesus não escolheria alguém de seu nível e de sua mentalidade, diria eu, diria você. Deve haver alguém (ou alguns) bastante enganado(s) nessa história.

   Vai ver que Jesus se enganou (contigo, eu diria; comigo, diria você).

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Lembra?

 A minha alma tem sede de Deus [...] lembro-me, , de ti, nas terras do Jordão, e no monte Hermom, e no outeiro de Mizar. Sl 42:2 e 6.


    Ora, então, que memórias temos de Deus? Foi Ele mesmo ou apenas uma sensação indefinida? Nossa alma tem essa sede? Foi educada para ela, ou segue cáustica, rebelde e solitária?

   Em que situações pregressas de nossa vida, em relação a qual(is) dela(s) podemos dizer: Deus esteve presente e lembro disso muito bem. Na experiência de Jó, a tresloucada esposa (na própria avaliação dele) havia proposto o divórcio entre Deus e o marido.

   Jó respondeu que, mesmo na situação dele, Deus continuava presente. E todo o tempo os amigos quiseram provar que a relação entre os dois estava abalada. E todo o tempo Jó argumentou que nunca estivera tão única.

    Lembra de Deus em tua conversão? Como ela determinou o antes e o depois? O modo como, mesmo e ainda antes dela Deus já buscava que você se voltasse para ele. O ministério dos profetas do Antigo Testamento mostra Deus, o tempo todo, buscando intimidade com Seu povo. Sim. Um povo, o povo escolhido para que, por meio dele, todos os outros fossem chamados.

    Um chamado de todos, para todos, mas uma relação individual, específica, íntima, dirigida para despertar sede no coração, na alma, a minha alma tem sede de Deus. Nada mais vai satisfazê-la, senão a relação com Deus.

    Onde e quando, em que fases, lugar e situações você se lembra de Deus? Como te procurou, para se revelar? Paulo menciona que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para quem o ama.

    Deus revela. De modo íntimo. Pelo Espírito que faz habitar em nós. Espírito com que Jesus nos batiza, quando cremos nEle e em Suas promessas. A principal delas diz respeito ao que Jesus nos quer revelar sobre o Pai. Ele disse que ninguém conhece o Pai, senão o Filho, ninguém conhece o Filho, senão o Pai e aquele a quem o Filho quiser revelar.

    Jesus nos revela o Pai. Nos batiza no Espírito para que, por meio deste, tenhamos plena convicção de tudo o que e o quanto Deus nos quer revelar. Daí a memória de Deus. Tudo o que nos lembra, por meio de Sua palavra.

   Chegou a nós a palavra de Deus, com todas as suas lembranças. Ela mantém viva em nós todas as vezes em que Deus nos procura. E a presença dele é pura verdade. Espanta todo o medo. Acolhe-nos em Si e consigo.

   Ao mesmo tempo sacia a sede e aguça ainda mais. Pelo que temos ainda a conhecer do Seu amor. Pelo que ainda, por fé, temos que experientar com Ele. Até o dia em que face a face o veremos. 

domingo, 24 de julho de 2022

Propaganda enganosa

 Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve. Mateus 11:28-30.

    A primeira pergunta por esse texto é se a propaganda é enganosa. Ano eleitoral, a demagogia costumeira vai reinar. É prescrita ao povo por uma classe política desqualificada há anos, para lhes facilitar a reciclagem.

   Desde a chamada Constituição Redentora, de 1988, consolidaram a principal herança do período anterior, 1964-1985, a ditadura, que lhes deixou como acalentada, por eles, herança de corrupção.

     Eles exorbitam nos impostos sobre o trabalho escravo da nação, para gastar com eles mesmos, no ciclo maldito, para nós, bendito, para eles, de engordar com as licitações fraudulentas e alimentar as empreiteiras que, por sua vez, além de lucrar com as obras superfaturadas, vão lhes pagar o que excede da ladroagem e ainda reinvestir na próxima eleição.

    Mas deixa a política suja para lá. A pergunta é se a oferta, posta na conta de Jesus, pelo Evangelista Mateus, que o diga, é propaganda enganosa. Afinal, o que fala garante cumprir o que promete?

   Ora, se a primeira pergunta foi pela autenticidade da palavra, se Mateus existe, se foi honesto colocar na boca de Jesus o que está escrito, afinal, caso Jesus tenha dito, a segunda pergunta é pela amplitude.

   Mais ou menos assim: o que o filho do carpinteiro tem a nós oferecer? Com que hermenêutica, sim, porque se há, hoje em dia, uma ciência da hora, é a hermenêutica. Com que, então, hermenêutica vamos nos aproximar do texto?

    A convocação é geral. Esse "vinde" é para todos. Aqui já estamos assumindo que sim. O "cansado e sobrecarregado", que qualifica a quem Jesus se dirige (sim, também assumimos que foi ele que disse), é porque ele (1) considera que todos estão nessa condição, (2) somente quem está, ou seja, assim se considera, atenda; (3) ele se dirige a uma classe específica, que ele qualifica dessa forma. Qual das três? Há outra(s) opção(ões)?

    A promessa dele é de alívio para esse cansaço e essa sobrecarga, trocadas pelo que ele tem para ensinar. Porque haverá uma troca pelo que ele tem a oferecer, que também será um jugo, uma carga, uma canga, mas ele garante que será suave e leve.

    E o resultado será descanso, classificado de uma forma profunda, porque será na alma. De dentro para fora. Um alívio e um descanso que vem da troca da sobrecarga e cansaço, por um fardo suave e leve.

   Bem, a próxima opção é focar no contexto do texto, para saber o auditório de Jesus, na época, fazendo a transposição para hoje. Outra seria analisar o balé das críticas, da forma, da tradição, da redação, enfim, para saber qual linha teológica e em qual sitz im leben, enfim, forjou-se o texto, caso não haja, para ele, plausibilidade de um contexto histórico de uma autêntica fala de Jesus.

    Ou rumamos, o que será minha opção, para um surf teológico, no qual irei supor que sobrecargas e que tipo de cansaço o homem/a mulher atual carrega(m) consigo que possa, supostamente, ser aliviada ou aliviado por Jesus.

   O prazer. Vivemos num século hedonista. Muito do não permitido, acusam aqueles com mais ou com menos lucidez apurada, vem da tradição judaico-cristã, é claro, antes do advento desta hermenêutica libertadora.

   Portanto, libertos dessas imposições, resta gozar, literalmente e em todos os sentidos, essa nova liberdade. O que Jesus tem a dizer sobre isso? O que seria sobrecarga, cansaço e alívio de jugo nesse particular pós-moderno referente ao império do prazer?

   A moral. Talvez seja essa outra imposição. Um cativeiro que vem de amarras possíveis e passíveis de se acompanhar o rastro. De onde vêm? Mais uma vez pode-se culpar o cristianismo por isso. O certo e o errado estariam, definitivamente, ligados ao sagrado e profano.

    Uma vez rompido esse cativeiro, haveria uma liberdade, outra, não mais subdordinada a preceitos morais de conduta, cuja finalidade, parece, seria imiscuir-se em todas as áreas da vida, casa, escola, trabalho, rua, enfim. Contanto que não se viole a vontade do outro, num contrato, ou contato, de ocasião, tudo pode.

     Em terceiro e último lugar, vamos ao exclusivo que atribuímos a Jesus, como possível referencial para o que disse acima, sempre supondo que tenha dito. Logo antes, no texto, está escrito:

    "Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar". Mt 11:25-27

    Por essa fala que antecede o apelo inicial, deduzimos, ora, quem assim me acompanhar, que Jesus se refere a si como aquele de quem devemos nos aproximar para conhecer o Pai. Dele nos devemos aproximar, caso queiramos, por ele, ter Deus revelado a nós.

   E isso vai aliviar a nossa sobrecarga e vai nos dar descanso. Vamos aprender dele tudo sobre Deus, assim ele promete. Isso vai nos representar um jugo, uma carga, uma troca, uma canga, sim, certamente.

   O conceito de prazer vai mudar, o conceito de certo e errado, de moral ou imoral também. Vamos ter outra ética diversa de qualquer outra oferecida fora, no contexto social. Antigo, moderno ou pós-moderno não fará muita diferença.

    Porque vamos aprender tudo novo e provindo de alguém manso e humilde de coração, para dar descanso à nossa alma. De dentro para fora. Será que podemos confiar nessa promessa? Ou se trata de propaganda enganosa, em pleno ano eleitoral?

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Deus e suas utopias

    Utopia é uma palavra muito interessante. Esse "u", vem do latim, e significa "não". E "topos" significa "lugar". Essa conversa me lembra o herói da revolução acreana, Plácido de Castro, topógrafo, no Amazonas, quando propuseram a ele fazer um guerrinha aqui, por estas bandas.

   Pois sim: topógrafo é quem mapeia, grafa lugares, topografa, portanto. Então, utopia significa um "não lugar", quer dizer, utópico significa sem chance de se encontrar no mapa, no mundo real. Mais exatamente, apenas fruto da imaginação, uma fantasia, sonhar acordado, ideal quimérico  ou seja, uma quimera, um sonho.

    Portanto, a proposta aqui é avaliar como Deus propõe coisas lindas, mas que, por não depender, apenas e exclusivamente dEle, porém decisões humanas entram nessa agenda, tornam-se inexequíveis.

   Utópicas. Sem chance. Relacionamento, no modelo divino, é uma coisa, mas, na simulação humana, outra, totalmente diferente. Consta, por exemplo, nas Escrituras, que "Deus não faz acepção de pessoas". O ser humano, exatamente ao contrário, "faz acepção de pessoas". Castas, na Índia, é uma cultura explícita. No restante do planeta, implícita.

   E essa prática de não fazer acepção de pessoas contamina, no bom sentido, a Trindade. Deus a pratica, o Filho, enquanto carne, entre nós, praticou, e o Espírito, do mesmo modo, seguindo a mesma linha trinitária, pratica. Senão, não estaria apto para glorificar o Filho, sua precípua tarefa.

   O ser humano opera uma seleção de pessoas, para admissão ao seu clube restrito de relações. Há, pelo menos, dois tipos: os íntimos e os outros. Evidentemente, há um modelo social de relações, há o profissional, o familiar, enfim.

   Em sociedade será necessário adotar um padrão que podemos classificar como civilizado: tratável para com todos, sem distinções. O profissional, para esse, há até manuais de como, no ambiente de trabalho, devem-se estabelecer relações construtivas e, pelo mais, produtivas.

   E, em família, que pode ser problemático, mesmo porque não se escolhe em qual se vai nascer, ora, que se mantenha o mínimo de fraternidade. Não será obrigatória uma amplitude de empatias, mas, pelo menos, simpatia será um bom adereço. Aquele "sorriso 25" estampado no rosto.

    A utopia de Deus se configura no que Ele imaginou ser o que as Escrituras chamam igreja. Aqui as fronteiras seriam outras. Na verdade, haveria uma abertura de fronteiras, uma demolição de barreiras e ação efetiva do amor.

   Amor é a mais completa e, ao mesmo tempo, sintética definição de Deus. Não podemos, definitivamente, chamar "amor" utopia. Sob pena de, assim procedendo, chamar Deus de utopia. Ora, a conversa, assim, terminaria aqui.

   Também não podemos dizer que, constante no plano de Deus, implementar amor tenha fracassado. Absolutamente. Podemos até citar Paulo Apóstolo, para dizer que o amor de Deus tem prova. E aqui lembramos o autor anônimo de Hebreus, Deus não precisa provar nada.

    Mas prova, afirma Paulo, o Seu amor, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda (nos dois sentidos, tempo e intensidade), quer dizer, ainda por cima, pecadores. E veja bem: não é "pecadores", e por definição, no sentido pelo qual pecadores nos enxergamos a nós mesmos.

   E nem pelo sentido pelo qual classificamos os outros, e já, antecipadamente, excluindo-os, sempre, numa casta inferior à nossa. E assim procedendo hipócrita, disfarçada e dissimuladamente excluindo. Deus é amor em essência. Ama sem fazer acepção de pessoas. E propõe que assim sejamos.

    Em que lugar isso acontece? Deus pôs como lugar geográfico desse acontecimento a igreja. E nos chama a pôr em prática. Os membros da igreja de Éfeso, aquela do Apocalipse, haviam desenvolvido para si um alto padrão.
  
    Doutrinária, acadêmica, prática, cultural, artística e socialmente, se é que listamos tudo aqui, eles eram elite. Só lhes faltava o que define Deus em essência. E que se constitui, para o Altíssimo, a motivação para tudo o que faz. Faltava-lhes amor. Nisso, Éfeso era semelhante a Laodiceia: pobre, cega, miserável e nua.

    Nua e fora do paraíso. É melhor deixar-se de ser utópico e ingressar-se no íntimo de privacidade que a Trindade usufrui e prática. Talvez, para você, haverá um só inconveniente: compartilhar com todos tudo o que nos faz idênticos.

    Bem, na classe de pecadores, do modo como Deus enxerga, todos já estamos. Esperamos, com sinceridade, que não seja doloroso, mas prazeroso nos enquadrarmos, agora, noutra classe: a que prática amor.

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Palavra rara

 "Naqueles dias, a palavra do Senhor era mui rara; as visões não eram frequentes". 1 Samuel 3:1.


   Por que palavra rara? Deus parou de falar. Ou rareou Sua fala. Então, deduz-se, ora Deus fala mais, ora fala menos, ora nem fala.

   Porque partimos da premissa de que fala. E também de que não oscila, ora falando mais, ora falando menos, ora nem falando.

   O problema vai estar nos profetas. Porque são eles que falam em nome de Deus. Percorrendo a Bíblia, o livro que dá pistas sobre a fala de Deus, encontramos essa convenção.

    Bem, deixando de lado a questão sobre se Deus existe mesmo ou se a Bíblia é requintada mitologia judaico-cristã, resta validar a convenção acima mencionada, qual seja, fé de que Deus admitiu a Moisés, sim, falar por meio de profetas ou prefetisas.

    Porque, como tudo na vida é elitização ou, como diria Salomão, vaidade, ora, Deus falaria, então, por boca de quem? Pescadores, como os do lago de Genesaré? Ha, ha, ha... diremos: porque o pessoal da elite nega que Pedro, João e nem Paulo tenham, pelo menos, escrito todos os escritos que tomam seus nomes.

    Por isso que, quem fala em nome de Deus? Caso seja feita uma concessão e, nesse caso, seria piedoso fazer, quem sabe, como Paulo diz aos coríntios, quando diz "principalmente que profetizeis", quem sabe a igreja fale em nome de Deus.

   Voltamos ao mesmo problema anterior: quais são as vozes da igreja? Quem lhes confere o crivo da pertinência e autoridade no que fala? Aí, vai surgir outra questão: quais das igrejas que a si arrogam o título de "cristãs" e que vozes, nelas, falam em nome de Deus?

  Ora, como diria, agora, o próprio Jesus (se é que esse trecho de João é ipsissima verba de Jesus): "consultai as Escrituras", já que consultais as Escrituras. Para quê? Para saber, conferindo com ela, se o que se disse procede mesmo de Deus.

    Esse teste ganhou fama turbinado pelo sola scriptura da Reforma. Mas, de novo, está posta a ruptura entre os leigos e o clero, ou diríamos entre leigos e acadêmicos, sim, porque o sistema de castas existe no mundo inteiro, explícito na Índia, implícito em todas as outras latitudes.

   Se Deus existe e fala, se a palavra dEle não é rara, resta ouvi-Lo. Será que o próprio Altíssimo regula Sua fala, numa espécie de critério: profetas (e/ou profetisas) que representam a elite da fala de Deus, profetas (e/ou profetisas) que representam pescadores sem voz ou mais gente desse nível.

   Bem, se fosse ipisissima verba de Jesus aquela sentença: "Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos", Mt 11,25, até poderíamos dizer que há uma pista para a identificação das fontes.

   Possa ser. Possa ser. Mas temos de esperar que os entendidos nos esclareçam, se se trata mesmo de palavras de Jesus ou alguém previamente revoltado com a elite. De qualquer modo, socorra-nos Amós:

    "Certamente o Senhor DEUS não fará coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas". Amós 3:7. Bem, resta saber se foi Amós que disse ou, se quem disse, está mesmo falando em nome de Deus.

   Talvez seja essa a resposta por se ter ou não ter como rara a palavra de Deus: ele, certamente, não faz cousa alguma sem antes revelar seus segredos aos profetas (e às profetisas).

   

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Malta maldita

 Porventura, creu nele alguém dentre as autoridades ou algum dos fariseus? Quanto a esta plebe que nada sabe da lei, é maldita" João 7:48,49.


    Replicando a plebe maldita. Ainda que muito disfarçadamente. Visto que não se pode queimar o filme, como se costuma dizer, pagando-se o mico de concordar, abertamente, com essa análise farisaica.

    Plebe maldita são os ignaros, em nome de quem muitos se levantam, porque se não fosse essa massa desvalida, qual seria o sentido da ideologia? Em nome dos pobres muito se diz e pouco se faz.

   Essa plebe é pretexto. Que o digam as autoridades que falam em seu nome. Mas a sinceridade farisaica é notável. Eles expressam o que todos mais escondem. Estes, que escondem, não usariam o termo "maldita", evidentemente. Não queimariam o filme, como já dito.

    Mas parece que Jesus, esse sim, daria a importância precisa a essa malta. Para começo de conversa, na cena acima descrita, era a eles que se dirigia. E os soldados do templo, que retornaram extasiados com o que ouviram, pertenciam a esse nível de gente.

   Porque Jesus não era lá tão acadêmico quanto desejado. Ou se, por acaso, do que falava, por ter relação com Deus, se era teológico, estava mais ao nível da moçada do que dos mestres fariseus. Mais ao nível da malta, do que das autoridades. E haja autoridades, para classificar as falas de Jesus.

    Jesus era meio ruim de ortodoxia, segundo a opinião corrente, e nisso a turma dos saduceus, fariseus, escribas dos dois times e ainda os doutores da lei (de Moisés) concordavam. E, para isso, Jesus não estava nem aí.

    Mas também não se furtava a um bom debate, porém sempre se atendo ao essencial e não ao especulativo. Sempre ao que era urgente para essa amálgama de gente reconhecer.

     Claro que Jesus não escolhia público. Sempre o que falava, aplicava-se a todos. A vaidade de cada um é que se constituía em obstáculo. E haja vaidade entre esses que mandaram os guardas. Haja vaidade entre as autoridades.

    Mas havia, também, o fenômeno dos que se despiam de vaidade. Como, por exemplo, Natanael. Ele havia argumentado, com respeito a Jesus, "pode alguma coisa boa vir da Galileia?", o que representava duplo preconceito: contra a gente e contra o próprio lugar.

    Mas ouviu Jesus. E passou a ter a mesma opinião dos guardas: "Jamais alguém falou como este homem". João 7:46. Mas só prevalece um problema, diante dessa afirmação, e a de Natanael: "Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!". João 1:49.

    Temos um problema: como classificar as opiniões? A dos fariseus, a gente, de cara, pode descartar. Nem tanto por sermos preconceituosos, contra eles, coisa feia, mesmo contra eles. Mas talvez porque eram contra Jesus, de cara, e esse tal Jesus é nosso chegado.

    Mas as opiniões que restam, a dos guardas e a de Natanael, como avaliar que aquilatassem, em relação a Jesus, uma avaliação precisa? Certo, são o público preferido de Jesus, isso até os fariseus enxergaram.

    Mas daí conferir a eles esse grau de perspicácia, de avaliar como soberbo, no bom sentido, sublime, como diria Paulo Apóstolo, o conteúdo da fala de Jesus, ora, quem era essa malta maldita para precipuamente opinar?

    Pois é. Possa ser que alguém atribua a Jesus uma capacidade rasteira de escolher seu público. E até que o conteúdo expresso, ainda que saído de uma boca e uma mente requintadas, terá pouco ou nenhum retorno, pela qualidade e capacidade de quem ouve: definitivamente, não são autoridade.

    Concluiríamos que, em parte, os fariseus tinham razão: vale o quê a avaliação dessa gente? Vale o quê esses guardas dizerem que o que Jesus diz é sublime? Que guardas? Que nível esse deles? Em que escola estudaram e quem foram seus pais? Nível rasteiro, médio ou superior?

   Afinal, qual o essencial de Jesus? Para quem ele dirige esse seu essencial? Quem e quantos aquilatam ser sublime? Olhando assim, de fora, o que temos a dizer sobre isso? Bem, que, tendo ouvido Jesus, seja a nossa opinião essa a dos guardas ou a de Natanael. 

    Mas sem escrúpulos de sermos identificados como malta maldita.