sexta-feira, 22 de julho de 2022

Deus e suas utopias

    Utopia é uma palavra muito interessante. Esse "u", vem do latim, e significa "não". E "topos" significa "lugar". Essa conversa me lembra o herói da revolução acreana, Plácido de Castro, topógrafo, no Amazonas, quando propuseram a ele fazer um guerrinha aqui, por estas bandas.

   Pois sim: topógrafo é quem mapeia, grafa lugares, topografa, portanto. Então, utopia significa um "não lugar", quer dizer, utópico significa sem chance de se encontrar no mapa, no mundo real. Mais exatamente, apenas fruto da imaginação, uma fantasia, sonhar acordado, ideal quimérico  ou seja, uma quimera, um sonho.

    Portanto, a proposta aqui é avaliar como Deus propõe coisas lindas, mas que, por não depender, apenas e exclusivamente dEle, porém decisões humanas entram nessa agenda, tornam-se inexequíveis.

   Utópicas. Sem chance. Relacionamento, no modelo divino, é uma coisa, mas, na simulação humana, outra, totalmente diferente. Consta, por exemplo, nas Escrituras, que "Deus não faz acepção de pessoas". O ser humano, exatamente ao contrário, "faz acepção de pessoas". Castas, na Índia, é uma cultura explícita. No restante do planeta, implícita.

   E essa prática de não fazer acepção de pessoas contamina, no bom sentido, a Trindade. Deus a pratica, o Filho, enquanto carne, entre nós, praticou, e o Espírito, do mesmo modo, seguindo a mesma linha trinitária, pratica. Senão, não estaria apto para glorificar o Filho, sua precípua tarefa.

   O ser humano opera uma seleção de pessoas, para admissão ao seu clube restrito de relações. Há, pelo menos, dois tipos: os íntimos e os outros. Evidentemente, há um modelo social de relações, há o profissional, o familiar, enfim.

   Em sociedade será necessário adotar um padrão que podemos classificar como civilizado: tratável para com todos, sem distinções. O profissional, para esse, há até manuais de como, no ambiente de trabalho, devem-se estabelecer relações construtivas e, pelo mais, produtivas.

   E, em família, que pode ser problemático, mesmo porque não se escolhe em qual se vai nascer, ora, que se mantenha o mínimo de fraternidade. Não será obrigatória uma amplitude de empatias, mas, pelo menos, simpatia será um bom adereço. Aquele "sorriso 25" estampado no rosto.

    A utopia de Deus se configura no que Ele imaginou ser o que as Escrituras chamam igreja. Aqui as fronteiras seriam outras. Na verdade, haveria uma abertura de fronteiras, uma demolição de barreiras e ação efetiva do amor.

   Amor é a mais completa e, ao mesmo tempo, sintética definição de Deus. Não podemos, definitivamente, chamar "amor" utopia. Sob pena de, assim procedendo, chamar Deus de utopia. Ora, a conversa, assim, terminaria aqui.

   Também não podemos dizer que, constante no plano de Deus, implementar amor tenha fracassado. Absolutamente. Podemos até citar Paulo Apóstolo, para dizer que o amor de Deus tem prova. E aqui lembramos o autor anônimo de Hebreus, Deus não precisa provar nada.

    Mas prova, afirma Paulo, o Seu amor, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda (nos dois sentidos, tempo e intensidade), quer dizer, ainda por cima, pecadores. E veja bem: não é "pecadores", e por definição, no sentido pelo qual pecadores nos enxergamos a nós mesmos.

   E nem pelo sentido pelo qual classificamos os outros, e já, antecipadamente, excluindo-os, sempre, numa casta inferior à nossa. E assim procedendo hipócrita, disfarçada e dissimuladamente excluindo. Deus é amor em essência. Ama sem fazer acepção de pessoas. E propõe que assim sejamos.

    Em que lugar isso acontece? Deus pôs como lugar geográfico desse acontecimento a igreja. E nos chama a pôr em prática. Os membros da igreja de Éfeso, aquela do Apocalipse, haviam desenvolvido para si um alto padrão.
  
    Doutrinária, acadêmica, prática, cultural, artística e socialmente, se é que listamos tudo aqui, eles eram elite. Só lhes faltava o que define Deus em essência. E que se constitui, para o Altíssimo, a motivação para tudo o que faz. Faltava-lhes amor. Nisso, Éfeso era semelhante a Laodiceia: pobre, cega, miserável e nua.

    Nua e fora do paraíso. É melhor deixar-se de ser utópico e ingressar-se no íntimo de privacidade que a Trindade usufrui e prática. Talvez, para você, haverá um só inconveniente: compartilhar com todos tudo o que nos faz idênticos.

    Bem, na classe de pecadores, do modo como Deus enxerga, todos já estamos. Esperamos, com sinceridade, que não seja doloroso, mas prazeroso nos enquadrarmos, agora, noutra classe: a que prática amor.

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