sábado, 27 de março de 2021


       Eu quero agradecer, primeiro a Deus, pela vida de Dercilia. E acho que comigo toda essa linda família agradece. Mas também desejo agradecer a Cláudio, Lilian, Inez e Miguel, por compartilhar comigo a mãe de vocês.

    Nós não éramos nem nascidos ainda, e essa história Dercilia me contou, Cid, meu pai, irmão de José, pai de Dercilia, levou minha mãe à roça, no Farope, para conhecer a família dele.

    Dercilia cantou para mim os corinhos que tia Maninha, pelo apelido que ela chamava minha mãe, ouvidos por ela, ainda uma menina de 12 ou 13 anos. Desde essa época nunca mais Dercilia esqueceu de Jesus.

    Eu ainda me lembro, vagamente, de meus 5 ou 6 anos, de vez em quando, brincava com meus primos, seus filhos, muito rápido, na época que moravam em Nilópolis, perto da igreja Congregacional, ali na Mena Barreto.

    Mas a marca de Dercilia e sua fé caiu como um manto de consolo sobre minha vida e de minha mãe no ano de 2016. Cheguei ao Rio de Janeiro no início de março, porque, muito provavelmente, a tia Maninha tinha uma grave doença.

     Nessa época, já anos antes, Dercilia já fazia companhia a ela. Isso era reconfortante para nós, aqui no Acre, porque sabíamos que Dorcas precisava de alguém que a ajudasse. A idade, para mais de 80 anos, já pesava.

     Dercilia era esse anjo humano que Deus deparou na vida de minha mãe. Quando nos visitava, sempre falava da tranquilidade que era ter Dercilia em sua companhia e, na sua ausência, cuidando do ap no Meier. Total e incondicional confiança.

     Na primeira noite que cheguei, encontrei as duas no ap, minha mãe às voltas com o mal-estar no estômago, diagnóstico ainda incerto, mas uma coisa era certa, certíssima: a dedicação de minha amada prima Dercília.

     Eu, deitado na sala, ouvia as orações de Dercilia, que repousava no quarto, acompanhando minha mãe. Naquela noite, não sei se foi emocional, cochilei de cansado, pela viagem aérea, mas acordei com forte dor de cabeça.

      Nada falei com nenhuma das duas. 23h45 saí para a rua. A única farmácia aberta marcou minha pressão 17/10. Avancei pela Dias da Cruz, a pé mesmo, pensando no Salgado Filho. Mas no meio do caminho tinha o posto de saúde  Cesar Pernetta.

    A atendente me disse que eu estava com sorte: havia pouca gente. 40 min depois, colocaram um captopril sublingual em minha boca, pediram para esperar por ali, a pressão diminuir, e me dispensaram hora depois.

     Abri bem devagarinho a porta, para não incomodar as duas. Lá por 1h e pouca da manhã.  Havia sussurro de oração no quarto. Não vou cansar aqui com muitos detalhes. Mas é exatamente nos detalhes que Dercilia se mostra maior.

      Só mais uma história de pressão alta. Desta vez, cerca de 4h, na enfermaria de Dorcas, no Cardoso Fontes. Eu disse a ela que não dava para esperar amanhecer. Eu havia improvisado aquela noite a mais, contrariando a Assistente Social que orientou não acompanhar duas noites seguidas.

     Esquecera o losartana. No hospital, relutavam em disponibilizar, pois alegaram tudo tem de ser prescrito. Ela não se preocupou. Era mãe. Quando alcancei a ladeira da Grajaú-Jacarepaguá, então pensei, não há ônibus nessa hora, apenas amanhece.

     Junto com esse raciocínio, justo na chegada à beira do asfalto, descia um taxista solitário. Sinalizei. Parou, mas de novo pensei, para perguntar, ainda em corrida? Indo para casa. Puxa. Mas para onde o Sr vai? Méier. Ladeira acima voltando.

     Levo o Sr lá. Eu disse, mas não, onde você mora? Jacarepaguá. Ladeira abaixo. Ele insistiu, não, levo o Sr lá. Levou. Agradeci muito, depois de ter contado toda essa história, misturado com Deus e sua providência.

     Cheguei ao Meier, ainda ia dar 5h no relógio. De novo, abri a porta de ferro e vidro bem cuidadoso. Não queria acordar Dercilia no quarto. Não. Deparei Dercilia sentada no sofá da sala orando em voz alta. Nem precisa dizer por quem.

     Mais silencioso ainda fiquei. Tomei o tal remédio. Banho. Sono. Ouvindo Dercilia ainda orando, em voz alta, na sala. A marca de Dercilia.  Com todas as outras com que, em sua vida, presenteou-nos. Sou um dos primos acima de 60 anos. Isso significa que convivi com os pais dela.

     Meu tio José e minha tia Odete, pais de Dercilia e mais 4 filhas e 3 filhos, marcaram a vida de todos com o evangelho. Creram a partir dos primeiros convertidos, Cid Gonçalves de Oliveira, meu pai, e do caçula Isaías Barcelos de Oliveira, este um jovem de 19 anos, recém-convertido, que ajudou meu pai na evangelização dos irmãos deles, meus tios e tias.

     Esse sorriso lindo de Dercilia todas as irmãs e os irmãos tem igual. Herdaram dos pais. O evangelho nos ensina a sorrir. Ainda que tristes, tocados pela perda, como ocorre a tantos nesse tempo, a mesma fé de nossos pais nos sustenta.

    Tenho muito mais que falar de Dercilia, minha prima. Dizer aos filhos que tentei cuidar dela, nessa época da luta de minha mãe, mais do que Dercilia cuidou de mim. Não consegui. Ninguém cozinha como Dercilia. Não há café da manhã melhor preparado do que o dela.

     Mas eu me preocupava. Nunca permiti que ela pernoitasse no hospital. Ficava durante a manhã e sempre dizíamos que retornasse de táxi. Eu dizia a mim mesmo que devia satisfações aos filhos dela. Porque, nessa época, com toda essa dedicação, carinho e amor, Dercilia chegava aos 78 anos.

     No dia seguinte a sua internação, cheguei a ver uma chamada do dia anterior em meu celular. Ela havia ligado para mim. No retorno, fui informado de que já estava hospitalizada. Pela conta que Dinair, sua irmã, informou, durou uns 3 meses a sua luta. Mais ou menos o tempo que durou a luta de minha mãe.

     As duas venceram essa luta. Dercilia e tia Maninha, como ela chamava aquela que cantou corinhos "Como é bom ser um crente, como é bom" e "Eu vou ali cantando/E volto aqui trazendo/Almas preciosas pra Jesus, meu Salvador". Pelo seu testemunho, ao longo de sua vida, agiu assim.

   Gratidão a Deus pela vida de Dercilia. Gratidão aos filhos dela que a compartilharam comigo, nos cuidados com a minha própria mãe. Aqui no Acre oramos todo o tempo por vocês e mencionamos nos cultos on line essa necessidade. Como com minha mãe, em 2016, nem a sentença, a toda hora, mencionada pelos médicos, ela é terminal, tirava-me a esperança em Deus.

   Com relação  a ela, mais vocês do que eu, agimos assim. Não esperávamos e não nos conformamos com a morte. Mas Dorcas e Dercilia nos ensinaram a fé de seus pais. Por isso, temos certeza de que estão juntas, com seus sorrisos, ao lado de Jesus e o sorriso dEle
 





sexta-feira, 26 de março de 2021

Visões da Bíblia - Monte Sinai - 12

       O povo reunido no deserto, em frente ao Sinai, era o cumprimento da promessa feita a Moisés, diante da sarça: "depois de haveres tirado o povo do Egito, servireis a Deus neste monte". Êxodo 3:12.

    E o espetáculo preparado seria assustador. Não para que aterrorizasse o povo, mas para que se reconhecessem a si mesmos íntimos do Altíssimo, aquele que, com mão poderosa, os resgatara do império mais poderoso que havia.

     O monte, ao mesmo tempo, fumegaria, como se fosse um vulcão, tremeria, como num terremoto, haveria nuvens e relâmpagos, como se fosse numa tempestade brutal.

     Mas entre todos esses sons, incluídas as trombetas que soariam em advertência a todos, para que não traspassassem os limites para dentro, em direção ao sopé do Sinai, seria assustadoramente distinta a voz de Deus.

       A incapacidade humana de conceber Deus, assim como seu descuido em reconhecer o que representa a santidade dEle tornam arriscada, para o próprio homem, a proximidade com o Todo-Poderoso.

     Deus abomina o pecado. Pelo estrago que ele a si mesmo propõe na vida humana. Deus não pode ser afetado pelo pecado e nem tentado pelo mal. Mas se levanta contra ele para vencê-lo onde se manifesta.

     E a manifestação da Sua glória se dá, para que o homem compreenda esse limite entre luz e trevas, entre o bem e o mal. Em razão de o pecado estar estacionado no homem, é que Deus estabelece esse limite de segurança.

    Em razão disso, somente Moisés sobe à presença de Deus. Até Josué, substituto à altura dele, fica à parte, sem participar dessa entrevista íntima entre Moisés e o próprio Deus. Mas não pensem ser tão próxima assim.

     Moisés ainda curioso pede para ver mais, que Deus, definitivamente, mostre-lhe a Sua glória. Emblemática é a solução de Deus, aconchegando Moisés numa caverna com o dorso das mãos e deixando o legislador vê-Lo pelas costas.

     Ninguém jamais viu a Deus, a não ser o Unigênito que o revela. Nesse dia naquele monte, além de ouvirem a voz de Deus, selando a aliança de obediência à lei, veriam escritas, pelo próprio "dedo" de Deus, as tábuas dos 10 mandamentos, em mais essa concessão de Deus ao se manifestar no mundo físico.

    Mas tão insidioso é o pecado que, sob pressão do povo, o pusilânime Arão cedeu e permitiu um festival aos deuses do Egito, bem em meio ao arraial. Josué, no monte, alarmou que fosse guerra. Moisés, experiente, confirmou ser alarido de festa.

    Nem bem havia descido, o legislador arrebentou com as "tábuas da lei", esculpidas pelo poder de Deus, sem que ninguém as visse inteiras, a não ser ele mesmo e Josué. De nada adiantou o monte fumegar, tremer ou abrigar relâmpagos assustadores.

      De nada adiantou nem ouvir a voz de Deus, tão assustadora que até Moisés quedou terrificado. E não foram as tábuas esculpidas e escritas pelo poder de Deus que foram parar guardadas dentro do baú da arca do concerto, no lugar santíssimo da futura tenda.

     Ficaram estiihaçadas ao pé do Sinai, espedaçadas pelo próprio legislador. Porque a palavra de Deus se fez carne e habitou em tendas no meio de nós. Ali a história estava apenas começando. Porque a aliança foi outra, num outro dia, com outro sacrifício e pelo único sangue derramado que, verdadeiramente, santifica. 

quarta-feira, 24 de março de 2021

Mulher incomum

      Ester, nome persa, talvez em homenagem à deusa Ishtar, Hadassa, lindo nome hebraico, foi mulher que pensou que passaria, deslumbrada, pela vida, em razão de uma cadeia de coincidências.

    Mas ao final, entendeu (e ensinou) o que, da parte de Deus, significa providência. Era uma obscura porém, certamente, inteligente e bela jovem residente entre os exilados, já para o final do período, quando os persas já haviam derrotado os babilônios, em meados do séc. VI a. C.

     Houve uma festarada na capital do reino, quiçá do mundo, quando Assuero mandou reunir a nobreza da Média e da Pérsia, os sátrapas de suas 127 províncias e mostrou todo o seu luxo em iguarias, prata e ouro, roupas, incensos e perfumes, tudo programado para 180 dias.

    Num ápice de uma dessas reuniões, mandou vir Vasti, sua consorte e rainha, recado dado por seus 7 eunucos, provavelmente mandada buscar em meio ao próprio banquete que ela patrocinava, por sua vez, à mulherada da nobreza.

     Sabe-se lá qual era o assunto, o resumo da história é que ela mandou dizer que não compareceria. Não estava o mínimo disposta a ouvir galanteios e conversa de bêbedos, ainda que fossem desse grau descrito de sangue imperial.

     Claro que numa sociedade machista como aquela, a atitude de Vasti, que poderia estar no direito dela, não estava no direito de todos eles. Aí começou o problema. E o rei tinha um time de 7 sábios conselheiros, todos homens, é claro, com o curioso título de "entendidos dos tempos", que definiram para o rei que aqueles tempos não seriam feministas.

     Assinaram embaixo da avaliação de que não somente a rainha, belíssima por sinal, não apenas havia desmerecido, numa tacada só, toda a rapaziada, mas também "deu asa" (ou azo) a que todas as meninas quisessem imitá-la, tirando o sossego dos maridos.

     Aqui que entra nossa heroica Ester. Memucã (feministas, guardai esse nome), além de ter aconselhado que o mal exemplo de Vasti fosse assinalado com um edito real publicado, como alerta às mulheres, em geral, também sugeriu, bem, agora sim, para as modelos, um concurso geral de beleza para escolha da nova rainha.

     Com direito a tratamento estético, nutrição e hidratação da pele, aulas de etiqueta e todo um preparo de 1 ano, passando pelo crivo de Saasgaz, eunuco chefe das concubinas, e Hegai, guarda da mulherada do rei, o fato é que Ester, ainda e principalmente com a assistência diária, isso mesmo, 365 dias, de Mordecai, tio dela, conquistou o rei Assuero.

    Simplesmente está registrado que o rei a amou mais do que todas as outras, ela lhe alcançou favor e Assuero lhe pôs sobre a fronte uma coroa: Média e Pérsia têm uma nova rainha. Publique-se.

    Mas estejam certos que não foi deslumbramento ou capricho pueril o que marcou a escolha de Ester. E o que vai suceder, que não vou cotar aqui, para que seja lido, com detalhes, nesse livro da Bíblia com nome de rainha, não acontece por acaso.

     Ester foi preparada antes. Não seria de uma hora para outra, por improvisação que, alertada pelo tio, teria a inciativa de engendrar e pôr em operação uma trama que desmascarou um sujeito chamado Hamã, campeão da bajulação, mau-caratismo e vaidade, que pretendia promover uma chacina nacional contra o povo de Hadassa.

     A advertência do tio, para que Ester considerasse estar ali, naquela posição, por providência de Deus, mudou toda a situação, permitindo que ela refletisse e reconsiderasse, assumindo uma iniciativa de liderança no processo que culmina no desmascaramento do inimigo público n° 1 dos judeus.

     Não é de uma hora para outra que se configura a inciativa assumida por Ester. Desde a fala de seu tio à maestria com que contornou os caprichos da cultura persa, ainda posto em xeque seu cartaz pessoal recém-conquistado com o rei, já prevenido pelas teimosias de Vasti, somente ressaltam o talento dessa jovem.

     A jornada de Ester, do anonimato e obscuridade entre os cativos, à posição de rainha da Média e Pérsia e provedora, em sabedoria, do livramento de seu povo, demarcam todas as possibilidades da fé. Ela correspondeu ao apelo do tio e rogou que orassem por ela.

     A sutileza com que cria uma expectativa para o rei e seu 1o ministro inimigo do povo judeu, nos dois banquetes que encadeia, aguçando a curiosidade do soberano no primeiro dia e somente revelando toda a trama no segundo dia, em meio a uma insônia providencial, que promove justiça ao tio Mordecai,  completam o agir de Deus em parceria com essa invejável mulher.

     Como assinalou o sábio Salomão séculos antes, não foi somente a graça e a formosura que concederam a Ester um lugar de destaque na história. Mas a sabedoria que vem por meio da fé no Deus da providência, esses sim adereços e destaque pessoal de Hadassa.

    Não careceu de desafiar frontalmente nenhum dos homens do império. Sua sabedoria a distinguiu como a mulher que promoveu a salvação de todo o seu povo, alcançando lugar de honra não pela simples reivindicação de direitos ou por equiparação ao nível de nobres, príncipes ou reis. Mas reconquistou o lugar de todos os que reconhecem que sua vida não é anônima, mas consta, como dois parceiros, na agenda providencial de Deus. 

segunda-feira, 15 de março de 2021

Declaração de amor

     "Uma oração ao Deus da minha vida". O salmista deixa escapar essa frase, no salmo 42, no final do versículo 8. Trata-se de uma declaração de amor.

    Pelo fato, sim, de nomear o Altíssimo como "Deus da minha vida", porque a vida é um ato do amor de Deus. Mas também por mencionar "uma oração".

    Porque oração é, também, um ato de amor. Porque a oração interpela o Deus de amor. A primeira oração que alguém faz, é para se encontrar com o amor de Deus.

    Porque se alguém ora, crê. Portanto, compreendeu a principal oferta de Deus ao homem, o Seu amor. Todas as demais falas do salmo são trechos da oração maior do salmista.

     Muitos podem ser os assuntos de uma oração. Mas se, como diz Paulo, o apóstolo, que se "põe de joelhos diante do Pai", como ele mesmo confirma em sua oração, é para falar de amor.

    "A minha alma tem sede de Deus". Antes de conhecer Deus, todo homem ou mulher tem essa sede. Pode ainda não saber e, reconhecendo, pode até lutar contra.

     E quem admite e sacia, como aquela mulher samaritana, sabe que a sede só aumenta. O salmista enfrentava grande angústia, a ponto de dizer que se "alimentava de lágrimas" e que elas mesmas lhe perguntavam, vejam bem, continuamente: "E Deus, onde está?".

     Ele então reconhecia que estava sedento. Era por isso. E se perguntava, "quando (então), irei e me verei perante a face do Deus vivo?". Após uma fase de intenso sofrimento, Jó afirmou que então via Deus como nunca antes houvera.

     Veja bem, estamos falando de Jó, definido pelo próprio Deus como "íntegro, reto, temente a Deus e que se desviava do mal". Provavelmente, por nossa avaliação, alguém bem íntimo do Altíssimo.

       Mais interessante ainda é o salmista dizer "quando irei e me verei perante a face de Deus?", porque é Deus, por amor, que vem ao nosso encontro e nos revela Sua face. Mas deve ser porque, muitas vezes, como a menina do conto de Lispector, "Felicidade clandestina", a gente se perde de Deus dentro da gente mesmo. Bendita sede.

     O salmista, na oração, afirma que "sente, dentro de si, abatida a sua alma". Ele reconhece e avalia sua condição. Expressa sua sensação como alguém sobre quem passaram "todas as vagas e ondas", da parte de Deus.

    Literalmente comparado ao profeta Jonas, talvez sem nunca ter entrado no mar. Mas essa era a sua sensação. "Um abismo chamava outro abismo", enquanto com fragor essas catadupas de ondas passavam sobre ele.

     Devemos interpretar esse salmista como alguém lúcido, ou do tipo que exagera um pouco em sua espiritualidade? Ainda vai afirmar que era com "ossos esmigalhados" que se sentia, afetado pelo escárnio dos inimigos e candidatos a opressores, enquanto ouvia o insulto desses adversários.

     E Deus, onde? Para logo dizer, de Deus tenho recebido misericórdia, o mesmo que amor, durante o dia, e cântico, como disse Jó, que a noite lhe inspirava, e então, nesse contexto, como fôlego, era a sua oração.

    Deduz e decide, encerrando a oração com a frase ou tema do começo: "Por que abatimento?". Coisas da alma. Que remédio? Espera em Deus. Louvor é resposta consciente ao que Deus opera em nós, por nós e ao nosso redor. É resposta consciente ao testemunho do que Deus realiza.

     Em meio à oração, o salmista já se havia recordado do muito que Deus havia realizado em outras ocasiões, oportunidade de "gritos de alegria, louvor e multidão em festa". Não é tempo de festas. Agora, são um desrespeito.

     A alma pode se sentir abatida. Isso até revela uma sensibilidade dela. A ponto de se perturbar. Nessa ora, "uma oração ao Deus da minha vida". E espera. Nunca frustra esperar em Deus.

terça-feira, 9 de março de 2021

Ana Lu

     Ana Lu Rangel Alves, como aparece no frontispício da premiação que recebeu, nos Estados Unidos, por sua diligência em prestação de serviço no hospital onde trabalha, tem uma escalada de vida surpreendente.

   Nasceu filha de minha prima Neusa, que muito cedo nos deixou, assim como a necessidade de darmos assistência às suas três meninas e um menino, entre elas Ana Lúcia.

    Neusa, e seus outros seis irmãos, eram filhos de Jani, irmã de meu pai, e Manoel Siqueira, uma família corajosa e desbravadora. Começaram sua vida na zona rural, minha tia contava das derrubadas de mata de que participou com ele nas paragens de Aparecida do Taboado, MS, quando ainda era tudo MT.

     Ana Lúcia, com a morte de sua mãe, juntamente com a irmã e o irmão, estiveram no Abrigo Evangélico da Pedra de Guaratiba na década de 70, no período das Diretorias Nezia e Rute, de 1971 a 1977.

     Tanto Rute, irmã caçula, quanto Ana Lúcia revelavam-se muito inteligentes. Ao atingir a idade que prescrevia a transição para a adolescência, Dorcas, minha mãe, pensou em ter Ana Lúcia morando conosco no Meier. Seria fácil a adaptação, visto se tratar da casa de seu tio-avô, Cid, irmão da avó.

     Mas a casa de Dorcas era um ambiente, como diríamos hoje, pré-formatado para o modelo de vida que já se esboçava na menina que, àquela altura, avançava pela juventude adentro. Não era tão óbvio o seu enquadramento dentro da mesma forma do filho único, e primo em segundo-grau, Cid Mauro.

     Dorcas havia, anos antes, assumido Vanderleia, via pátrio-poder, o que todos avaliamos que tornaria a adaptação de Ana mais suave, visto se tratar de duas adolescentes de idade parecida. Mas, com o retorno da meio-irmã à casa dos pais, Ana ficou mesmo solitária.

    Foi quando uma outra intervenção, na vida de Ana, revelou-se providencial. Certamente as orações de Cid e Dorcas depararam Gislaine, irmã de Dorcas, 17 anos mais jovem que, certamente, possuía expedientes de diálogo, compreensão e flexibilidade, que fizeram tão bem a Ana Lúcia.

       O Rangel de seu nome tem procedência do esposo de Gi, Dirley, que aliou-se à esposa na capacidade de compreender a fase de transição por qual minha linda prima passava. E essa aliança entre Gislaine e Dorcas, em atenção a uma descendente da família de meu pai, reeditava um dom.

     Esse dom do pessoal da roça, da beira-rio, como são os Rangel, lá das paragens de Campos, à beira do Paraíba do Sul, ou dos Oliveira, rio acima, em Itaocara, que vieram se unir aos Araujo, de Nilópolis.

    Acolheram os Alves, de Ana Lúcia, como haviam feito, os Araujo, com meu avô Antonio Gonçalves de Oliveira, em 1957, no ano em que nasci, na casa de Nilópolis.  Gislaine lembra dessa cena. Meu avô paterno faleceu amparado na casa de minha avó materna Eunice.

      O desbravamento dos EUA, que Ana Lucia fez, na loucura que a gente imagina ser a rota por Governador Valadares, via Nicarágua, somente Ana Lúcia vai contar, no livro que pretende escrever.

     Mas Gislaine e Dirley, com os filhos e irmãos dela, Gisley, Alexandre e Carlos Eduardo, dois da área médica, a mesma de Ana, e outro da área jurídica, essa família conhece e tem marcada a saga e epopeia dessa garota. Esses sonhos vêm de longe.

    Talvez quem tenha mirado nesses olhos vivos que Ana Lúcia conserva até hoje, ou, mesmo que de perto ou rápido, convivido com o seu espírito irrequieto -- e Dorcas, põe irrequieto nisso! --, para vislumbrar um raio, um flash antecipado de onde essa menina chegou e ainda não parou de avançar.

    Não parece, mas já é avó. Linda neta, lindo filho e nora. Gi e Di são bi. Talento reconhecido. "A premiação simboliza e representa alguém que enfrentou desafios na vida e conseguiu transparecer alegria, amor, compaixão e, acima de tudo, luta". Na face do prêmio que ganhou.

      Recebeu uma notificação do Courage Award Winner Notice, algo como Notificação para o Vencedor do Prêmio de Coragem, que se traduz como segue abaixo.

"Bom dia Ana,

É com grande prazer que anuncio que você foi escolhida como ganhadora do Prêmio Mailen Izquierdo Coragem. Como você sabe, este é um prêmio que homenageia um funcionário da TFPS que está lutando contra um evento desafiador na vida, mas ainda assim exemplifica a força do espírito humano. Várias nomeações queriam reconhecer o espírito edificante enquanto você atravessa esse momento desafiador de sua vida.

Com isso, você receberá um convite para participar de nosso Prêmio de Serviço Anual em 18 de maio de 2018.


Agradeço antecipadamente.
Syria Rule, Diretora de Recursos Humanos.
Tenet Florida Physiciam Services".

       "Ana Lúcia apresentou palestras no Arizona, Atlanta e Massachusetts, sobre prevenção de câncer no pulmão. E também promoveu um programa de assistência para pacientes desabrigados, providenciando ajuda em suas necessidades pessoais, fora da Instituição onde trabalha. Também presidiu o evento Light the Night (Ilumine a Noite) da Sociedade do Câncer de Pulmão para 2020 e, embora a arrecadação de dinheiro desse ano pudesse ser realizada apenas virtualmente, Ana Lu trabalhou incansavelmente para promover eventos e criar "carrinhos de venda" virtuais e na instituição, contendo artes e trabalhos manuais feitos por pacientes (ajudando-os assim a passar por suas dores e tristezas durante o tratamento de câncer), incentivando  os colegas de trabalho, ao longo de várias semanas. Ela até recrutou colegas, familiares e colaboradores que adquiriu, ao divulgar o aviso da necessidade de arrecadar dinheiro adicional.

Ana Lu aceitou este desafio e dedicou o seu tempo, talento e empenho pessoal à causa, mesmo quando a possibilidade de angariar fundos parecia sombria, durante a pandemia. Ela é VERDADEIRA e HEROICA, um modelo para a Tenet Health, Good Samaritam Medical Center e toda a nossa comunidade".

   Valeu, prima. Todos nós orgulhosos de você. Os avós Siqueira e Jani, os tios-avós Cid e Dorcas, a mãe biológica Neusa, lá no céu, e os papais Gislaine e Dirley, com os manos, e toda a família Rangel, Alves, Araújo e Barcelos de Oliveira.

     E mais onde chegar essa sua linda jornada, como exemplo de arrimo para tanta gente de sua geração e da que chega, entendendo até onde pode alcançar alguém que faz pontaria no alvo certo e ganha o prêmio. Amamos você.





      

segunda-feira, 8 de março de 2021

Tal Pai, tal Filho.

      Falar sobre as mulheres. A gente, como homem, tem de entrar manso nesse assunto. Porque os disparates praticados contra elas, em sua esmagadora responsabilidade, é nossa. Por isso, ainda que saiamos em defesa delas, nossa condição e discurso vão despertar suspeitas.

    Mas temos que falar. Eu, principalmente, que tive mãe dominante, que para onde eu esperneava, via as marcas dela em minha vida. Pior ainda, quando as profecias dela se cumpriam. Até hoje vivo sob efeito  das principais.

    Posso citar três. Ela me acostumou na igreja, querendo ensinar, e conseguindo, que não era lugar de onde sair ou me afastar. Como professora, vivi à sombra de suas escolas e corri atrás de me safar, procurando ajuda nas disciplinas mais difíceis, que se avizinharam ser, justamente, português e matemática.

     Deu tão certo, que cheguei a ser aprovado em vestibular de engenharia e hoje sou professor de português. E, com certeza, a mais importante escolha da minha vida, o casamento, foi palpite dela.

    Agora, diz que conselho de mãe é bobagem. Para mim, nunca foi. Aliás, a Bíblia previne que os pais sejam honrados. Também os previne a não provocar (e nem derramar) ira nos filhos. Uma situação contrabalançada, mas compete ao filho, incondicionalmente, com peso e reponsabilidade maior, cumpri-la.

     E, por falar em Bíblia, um monte de gente desmerece o livro, responsabilizando-o inclusive por uma suposta depreciação do valor e dignidade da mulher, reforçada por ele. É necessária uma abordagem sensata, porque é injusta e equivocada essa afirmação.

      Por um lado, por ser autêntica literatura de época, a Bíblia apresenta reflexos dessa discriminação da mulher, no quadro histórico que delineia mas, por outro lado, seus autores defendem a posição da mulher, demarcando e confirmando sua efetiva importância.

       Vamos começar por Jesus. Depois iremos ao Antigo Testamento. Começar dizendo que eram mulheres que lhe sustentavam as estiradas dele. Mateus diz que andava por toda a parte fazendo todo o tipo de bem. E eram mulheres de toda a classe social. Só para citar Joana, esposa do procurador de Herodes.

       Maria Madalena nunca foi prostituta, confusão que fazem, muito menos amante de Jesus. Desnecessária essas duas intrigas para mostrar Jesus mais íntimo delas. Mas ele dignificou todas e vamos mencionar, pelo menos, três entre elas, discriminadas por sua condição social, injustamente vista com suspeição.

     A samaritana, depois aquela que, na casa de Simão, derramou unguento, secou com seus cabelos e beijou o pé de Jesus, e ainda a que foi arrastada por uma turba à presença do Mestre, acusada, tendenciosa e manipuladamente, de adúltera.

     A todas, sem distinção, Jesus colocou na posição que mais ofende quem a si mesmo se enaltece, em detrimento dos que seleciona, depreciativamente, ao seu redor: na posição de igual.

     Desde a introdução, a Bíblia nivela iguais homem e mulheres, desde quando afirma que "Deus criou a sua imagem e semelhança, à imagem de Deus os criou, homem e mulher os criou". Bem definido, detalhista e enfático o Livro, desde sua introdução. Homem e mulher têm a cara de Deus.

     E para encerrar, vamos citar Agar, uma serva, Rute, uma viúva camponesa, e uma rainha deslocada de lugar, mas não de foco, Ester.

     A escrava foi dada por amante, pela esposa, ao próprio marido, Abrão, porque avaliava que o menino nascido seria seu, por direito, mas nunca foi de fato. Claro que o velho gostou da ideia, serviu-se da escrava, engravidou-a, tentou enquadrar como "herdeiro das promessas" o bebê nascido, deu tudo errado.

     E, como sempre, a corda arrebenta do lado mais fraco, Sara mandou Abrão enviar Agar sem rumo, ao deserto, deserdando mãe e filho a sua própria sorte que, na verdade, seria a morte. Cínico esse tal de Abrão.

    Deus apareceu à escrava. Um dos textos mais lindos do Antigo Testamento. Dessa mulher nasceram príncipes. Todos pais das nações árabes. A promessa feita a Abrão se cumpria: judeus, árabes e todos os povos, tribos, línguas e nações são de Deus.

     Deus não faz acepção de pessoas, como costumamos fazer. A gente se arvora em juiz da conduta alheia. Contra uma recomendação bíblica de que não devemos julgar ninguém. Exatamente porque, como ensinou Jesus, somos, entre nós, todos iguais. É duro, para você, reconhecer isso?

     Vendo o erro no outro, como escreveu Obadias, sim, lamente, mas ao invés de condenar ou se alegrar com a falência declarada dele (ou dela), ore, com sinceridade, por ele(a). Às vezes, a maldade do outro faz por revelar a nossa própria.

     Deus mandou Agar voltar e se humilhar diante do casal patriarcal. Ela obedeceu. E só mais tarde, de novo sob orientação de Deus, seguiu seu rumo, mas sempre debaixo da providência de Deus. A camponesa foi Rute. Dessa vez, Deus escolheu entrevistar uma moabita.

    A chamada somente poderia ser por meio de uma família inteira que não agregava preconceitos. Havia uma recomendação na lei civil e cerimonial judaica que nunca houvesse casamento entre judeus e mulheres moabitas.

    Por causa dos únicos sobreviventes da catástrofe sobre Sodoma e Gomorra. As meninas, filhas de Ló, sabe-se lá por que prática herdada ou ideia acolhida, embebedaram o pai e engravidaram dele. Não precisa desculpar a Bíblia por essa narrativa: é a realidade humana nua e crua.

     Nasceram Amon e Moabe. Então, mulheres amonitas ou moabitas eram discriminadas. Mas a família de Elimeleque, Malom e Quiliom fizeram a leitura certa. Escolheram para si Orfa e Rute, pelos critérios que devem compor esse tipo de escolha, porque não agregavam nenhum preconceito.

     Mas uma tragédia em série deixou viúva Noemi, a sogra das meninas e, posteriormente, viúvas as próprias meninas. Abateu-se sobre Noemi tremendo ressentimento e mágoa, entrou em conflito com Deus e decidiu retornar a sua cidade, Belém de Judá.

     Noemi não sabia que a vida em comum da moabita no contexto de uma família despojada de preconceitos, definitivamente, marcara com fé a vida de Rute. Na tocante despedia das três mulheres, Rute não de afastou de Noemi e resolveu enfrentar, desafiadoramente, toda a rejeição que uma moabita iria encarar defronte, apenas do outro lado do rio Jordão.

     Quanto mais perto, mais dói o preconceito. Ester, de Ishtar, escondeu que era Hadassa. Com esse nome judaico, jamais venceria o concurso de beleza, estética e etiqueta promovido pela Corte Persa, para substituir como rainha a feminista Vasti. Ester aprendeu a impor seus direitos por outras vias, sem "bater de frente" com aquela sociedade machista.

    E foi sábia em conseguir. Advertida pelo tio, Mordecai, arquitetou, com todo o seu charme, um esquema de revelação/ocultação em dois banquetes seguidos, onde compareceu Haman, o que intrigava os judeus diante do rei, e o desmascarou.

    Haman pretendia eliminar todos ou quanto mais judeus pudesse. Ele odiava a todos. Não pensem que ódio coletivo contra judeus ou outras nações seja algo que só se vê na Bíblia. Está na tela. Está nas ruas. Cheira ódio aí ao lado.

     Deus não faz acepção de pessoas. Tratou igual a escrava, a camponesa e a rainha. Ama igual judeus, árabes, moabitas, amonitas, enfim, toda língua, povo, tribo e nação. E como e porque a Bíblia afirma ser Jesus, o Filho de Deus, Jesus nasceu sem e nunca praticou preconceito. Lição que temos, mais essa, de aprender com o Pai e o Filho. Mas nunca pensem que é fácil. 




     

domingo, 7 de março de 2021

Perdas e ganhos

      Nesse mundo, não simplesmente pelo sistema capitalista, mas porque impregna e é inerente ao ser humano, avaliar perdas e danos. Quem já viu os filhos ou crianças disputando um brinquedo, entende perdas e ganhos.

    Para quem acredita, homens e mulheres das cavernas se empenharam, durante muito tempo, nessa luta renhida. E na fase atual, há muita gente ganhando muito com a perda de tantos.

    Se fosse para falar de assuntos desgastados e sem solução, mencinaríamos aqui os políticos brasileiros, experts em nossas perdas e seus (deles) ganhos. Mas o que se impõe agora é falar sobre outras perdas.

     Paulo Apóstolo, sobre quem, frequentemente, pesava o risco de ser morto, em função de sua escolha, de pregador itinerante do evangelho, certa vez, preso e sem saber direito se escaparia ileso, afirmou: "Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro".

     Ninguém, de sã consciência, vai querer ou buscar esse "lucro". Dizer "para mim, o viver é Cristo", algum(a) demagogo(a) poderá até repetir, ou alguém simplório, que não entende o que Paulo quis, coerentemente, dizer quando, originalmente, afirmou.

      Nesse tempo de pandemia, quando o assunto vírus se impõe, por toda a parte, em todas as telas, ninguém vai querer porfiar por entender o mérito dessa afirmação, de pôr em prática o "viver em Cristo".
      
      Sejamos imediatistas: a preocupação é o vírus. Se for com perdas e ganhos, serão esses cálculos do prejuízo provocado pela praga, que e quais perdas, é claro, a toda hora nos impactam, querendo nós ou não. 

     E secundária (ou até inescrupulosamente), as perdas financeiras que, dependendo de quem, levando-se em conta, preocupa em primeiro, e talvez segundo e terceiro lugar. 

     Quem vai dizer que o morrer é lucro? Para a farmácia, não vai ser. Talvez, para a funerária seja. Ninguém vai querer para si esse "lucro" e nem para outros, num arroubo de se salvaguardar a reputação. 

      E Paulo Apóstolo falava de ser lucro, caso fosse morte de mártir, em defesa do evangelho, dispondo com coragem a própria vida, se fosse o caso, por e para uma causa nobre, a defesa e pregação do evangelho. 

      Não como hospedeiro de um vírus maldito, alcunha já tão comumente mencionada, que priva o vivente de sua vital respiração, impedindo a troca nos alvéolos, com a injeção de oxigênio no sangue. 

     Nenhum lucro em morrer nessa vil condição. Ninguém vai querer trocar essa perda por qualquer ganho. Apenas se for, antecipadamente, encarada como lucro, já que se impõe inexorável. Diante de uma fatalidade que não se poderá evitar, já que não tem outro jeito, alardear como lucro. 

     Sim, ora, porque "estar com Cristo" é garantido e, como diz o próprio Apóstolo, incomparavelmente melhor. A morte não terá uma "aura de grandeza" como, posteriormente, o martírio  cristão adquiriu. Mas estar com Cristo e ser isto incomparavelmente  melhor, essa parte da afirmativa, é real. 

       De trás para diante, ou seja, vista a partir do desfecho, qualquer morte de um homem ou mulher de fé, no sentido real de estar com Cristo, será lucrativa, neste sentido específico. 

       Assim como qualquer morte é dolorosa (ou indiferente, para alheios), seja ela heroica ou não. Onde queremos chegar? Ainda que não desejássemos (de sã consciência), todos chegaremos, mais dia, menos dia, à morte. 

     Que sempre será um lucro, e não, simplesmente, uma perda, para quem reconhece sua fé.  Vai se encontrar com Cristo. Sempre, incomparavelmente, melhor.  Ainda que não queiramos falar desse assunto. 

sábado, 6 de março de 2021

Visões da Bíblia - a sarça de Moisés - 11

"Apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Midiã; e, levando o rebanho para o lado ocidental do deserto, chegou ao monte de Deus, a Horebe. Apareceu-lhe o Anjo do Senhor numa chama de fogo, no meio de uma sarça; Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo e a sarça não se consumia. Então, disse consigo mesmo: Irei para lá e verei essa grande maravilha; por que a sarça não se queima? Vendo o Senhor que ele se voltava para ver, Deus, do meio da sarça, o chamou e disse: Moisés! Moisés! Ele respondeu: Eis-me aqui! Deus continuou: Não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa. Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus". Êxodo 3:1-6


       O autor da Hebreus vai mencionar, em relação a Moisés, uma característica que também vimos em José e, por extensão, em qualquer herói de fé do Antigo Testamento: "...porquanto considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito, porque contemplava o galardão". Hb 11:26

     Somente possível pela ação do Espírito Santo nesses homens e mulheres. Moisés também foi adestrado, do mesmo modo que José, seu antepassado de 4 séculos atrás. O autor de Hebreus anota as atitudes dos pais, em sequência, tendo antevisto no menino os desígnios de Deus.

     "Pela fé, Moisés, apenas nascido, foi ocultado por seus pais, durante três meses, porque viram que a criança era formosa; também não ficaram amedrontados pelo decreto do rei". Hb 11:23. E, quando adulto, a postura de conflito para a escolha certa se desenha em sua personalidade.

     "Pela fé, Moisés, quando já homem feito, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado". Hb 11:24,25. Muito provavelmente, ouvira sobre José e ansiava por ocupar um posto em que pudesse minorar o sofrimento de seu povo.

     Certamente identificava-se com a história de José, uma vez adotado como "filho da filha de Faraó". Mas Deus, que chamou José como escravo, para ser 1o ministro, vai chamar Moisés como "filho da filha de Faraó", para ser escravo.

      A visão da sarça, nessa altura da vida de Moisés, encontra-o expatriado, fugitivo de um assassinato e frustrado por se avaliar um covarde. Tudo isso junto o consumia. Até que avista a sarça que queima, mas não se consome.

      Ardia o coração de Moisés, consumia-se o povo em seu sofrimento, assim como Deus mesmo se consumia em Seu sentimento. "Certamente, vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento [...] Pois o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo". Ex 3:7e9.

     Moisés não encara o Senhor, ouve que retire suas sandálias, por sua posição em relação à santidade de Deus, e é francamente convocado a tirar o povo de Israel da terra do Egito.

     Vai relutar. Vai tentar fugir. Despertará a ira de Deus, de um modo tão peculiar, que as Escriruras registram o desejo do Altíssimo em matá-lo, tal o grau da covardia, afronta e teimosia de Moisés. Em meio a uma crise conjugal, contexto não menos notável, o homem decide obedecer.

     A sarça representa, até hoje, o povo de Israel, em suas jornadas de sofrimento ao longo de sua história, várias vezes à beira da extinção. Guardado por Deus, ainda é um indicador dos tempos que se cumprem, em relação à agenda de Deus para a salvação dos que creem.

     Também representa o lugar, no Sinai, onde Deus realizou Sua aliança com esse povo, a qual Ele nunca rompeu.  Essa aliança tem culminância na celebração da Páscoa, quando Jesus indica que o pão e o vinho representam, juntos, seu corpo e sangue oferecidos como único sacrifício pelo pecado aceito por Deus.

  A sarça ainda arde. Há tempo para arrependimento, antes que ela se consuma. Como anunciou o próprio Jesus, quando saiu pregando: "Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho". Marcos 1:14,15.

      O tempo está cumprido. A sarça ainda arde. Mas há chance de arrependimento e fé no evangelho.

Visões da Bíblia - os sonhos de José - 10

"Depois, disse Faraó a José: Visto que Deus te fez saber tudo isto, ninguém há tão ajuizado e sábio como tu. Administrarás a minha casa, e à tua palavra obedecerá todo o meu povo; somente no trono eu serei maior do que tu. Disse mais Faraó a José: Vês que te faço autoridade sobre toda a terra do Egito. Então, tirou Faraó o seu anel de sinete da mão e o pôs na mão de José, fê-lo vestir roupas de linho fino e lhe pôs ao pescoço um colar de ouro. E fê-lo subir ao seu segundo carro, e clamavam diante dele: Inclinai-vos! Desse modo, o constituiu sobre toda a terra do Egito. Disse ainda Faraó a José: Eu sou Faraó, contudo sem a tua ordem ninguém levantará mão ou pé em toda a terra do Egito. E a José chamou Faraó de Zafenate-Paneia e lhe deu por mulher a Asenate, filha de Potífera, sacerdote de Om; e percorreu José toda a terra do Egito. Era José da idade de trinta anos quando se apresentou a Faraó, rei do Egito, e andou por toda a terra do Egito". Gn 41:39-46.


     José deixou muito claro para Faraó que, no caso específico do sonho que ela teve, Deus agia. "Então, lhe respondeu José: O sonho de Faraó é apenas um; Deus manifestou a Faraó o que há de fazer" Gn 41:25.

      E chamamos "sonhos de José", porque estão interligados os que ele mesmo teve, como adestramento, no contexto familiar, e os de Faraó, quando foi convidado a discerni-los, uma vez que Deus, do mesmo modo, os concedera tê-los.

     Treinara, quando encarcerado, com o padeiro e o copeiro, e agora, quando aconselhava o Faraó a armazenar e dispor dos celeiros do Egito, permitiria ao rei agregar para si toda a terra do Egito, as nações vizinhas e, na providência de Deus, estaria incluído o clã dos hebreus.

     Aberto o caminho para a preservação do povo de Deus e sua génese, como nação, na terra de Misraim, Egito, de onde, milagrosamente e 400 anos depois da época de José, Deus vai resgatar seu próprio povo que escolheu.

     E também para a solvência do conflito que, uma vez reconhecidos por José, seus 10 irmãos vão enfrentar, nas idas e vindas das suspeitas que, propositalmente, Zafenate-Paneia, nome egípcio de nosso herói, atribuía aos irmãos, sondando-os, a cada etapa, em meio às intrigas em que os via metidos.

      Um dos heróis de fé mais versáteis do Antigo Testamento. Homem moldado por provações de toda a sorte. Que se mantém isento de vaidade, mágoas e espírito de vingança. Modelo de quem alcança em vida plenitude do Espírito.

    Pelo dom que recebeu de Deus, treinado desde o tempo de sua adolescência, passa pela cova, onde os irmãos o atiraram, por 2 anos nas masmorras, injustamente denunciado pela que, por ironia, anos depois, será sua sogra, e ascende à condição de segundo no Egito, apenas inferior a Faraó, no reinado.

     Sagaz esse Faraó quando inquiriu por alguém como José, em quem, de modo tão pleno, atue o Espírito de Deus. "Ninguém há tão ajuizado e sábio como tu. Administrarás a minha casa, e à tua palavra obedecerá todo o meu povo; somente no trono eu serei maior do que tu". Essa a avaliação que o monarca estrangeiro faz de José. 

    Encerra-se o livro de Gênesis com o tocante reencontro com o pai Jacó, após a bênção do perdão a todos os irmãos, sem exceção, outra faceta da personalidade desse jovem de 30 anos, tão propenso e semelhante a Jesus, ainda em época tão remota.
      

Visões da Bíblia - os sonhos de José - 9

"E ambos sonharam, cada um o seu sonho, na mesma noite; cada sonho com a sua própria significação, o copeiro e o padeiro do rei do Egito, que se achavam encarcerados. Vindo José, pela manhã, viu-os, e eis que estavam turbados. Então, perguntou aos oficiais de Faraó, que com ele estavam no cárcere da casa do seu senhor: Por que tendes, hoje, triste o semblante? Eles responderam: Tivemos um sonho, e não há quem o possa interpretar. Disse-lhes José: Porventura, não pertencem a Deus as interpretações? Contai-me o sonho. Então, o copeiro-chefe contou o seu sonho a José e lhe disse: Em meu sonho havia uma videira perante mim. E, na videira, três ramos; ao brotar a vide, havia flores, e seus cachos produziam uvas maduras. O copo de Faraó estava na minha mão; tomei as uvas, e as espremi no copo de Faraó, e o dei na própria mão de Faraó. Então, lhe disse José: Esta é a sua interpretação: os três ramos são três dias; dentro ainda de três dias, Faraó te reabilitará e te reintegrará no teu cargo, e tu lhe darás o copo na própria mão dele, segundo o costume antigo, quando lhe eras copeiro. Porém lembra-te de mim, quando tudo te correr bem; e rogo-te que sejas bondoso para comigo, e faças menção de mim a Faraó, e me faças sair desta casa; porque, de fato, fui roubado da terra dos hebreus; e, aqui, nada fiz, para que me pusessem nesta masmorra. Vendo o padeiro-chefe que a interpretação era boa, disse a José: Eu também sonhei, e eis que três cestos de pão alvo me estavam sobre a cabeça; e no cesto mais alto havia de todos os manjares de Faraó, arte de padeiro; e as aves os comiam do cesto na minha cabeça. Então, lhe disse José: A interpretação é esta: os três cestos são três dias; dentro ainda de três dias, Faraó te tirará fora a cabeça e te pendurará num madeiro, e as aves te comerão as carnes. No terceiro dia, que era aniversário de nascimento de Faraó, deu este um banquete a todos os seus servos; e, no meio destes, reabilitou o copeiro-chefe e condenou o padeiro-chefe. Ao copeiro-chefe reintegrou no seu cargo, no qual dava o copo na mão de Faraó; mas ao padeiro-chefe enforcou, como José havia interpretado. O copeiro-chefe, todavia, não se lembrou de José, porém dele se esqueceu". Gn 40:5-23


     E José se tornou um especialista em discernir sonhos. Cuidado, porque ele não era místico ambulante e discernir sonhos, como ele mesmo vai ensinar: "Respondeu-lhe José: Não está isso em mim; mas Deus dará resposta favorável a Faraó". Gn 41:16.

      E também especialista em mergulhar e emergir de provações. Desde a cova em que foi atirado pelos irmãos, quando intentavam matá-lo, e davam um tempo para distrair Rubem, até quando, no mercado de escravos do Egito, o faro de Potifar, comandante do exército egípcio o descobriu para mordomo de sua casa e de todos os seus pertences.

     Então a esposa desse homem põe seus olhos em José, com outras intenções, oferece-se a ele, é, com justiça, rejeitada, mas segura nas mãos o manto de José para acusá-lo injustamente. Mergulha José numa masmorra do Egito, ao lado de mais dois condenados à morte.

      Emerge no mesmo grau de confiança apreciado pelo carcereiro, na pessoa de José, conquistando sua lealdade e cumprindo, mais uma vez, o dom de administrador, com o qual Deus o coroou e que vai conduzi-lo ao máximo estágio, na providência de Deus, como 1o ministro do império.

      José passa por toda essa gradação. No caso dele, porque era a sua personalidade, o atentado sofrido, da parte dos próprios irmãos, e sua trajetória da cova à cela, tendo sido falsamente acusado de assédio, somente serviu para moldar, ainda mais e melhor, o seu caráter.

      Muito inteligente e sagaz o Faraó que, ouvindo José interpretar seu sonho, deduziu e postulou uma completa e final avaliação: "Disse Faraó aos seus oficiais: Acharíamos, porventura, homem como este, em quem há o Espírito de Deus?" Gn 41:38. Sem segredos, estava expressa a razão dos traços marcantes da personalidade de José. 

Visões da Bíblia - os sonhos de José - 8

"Ora, Israel amava mais a José que a todos os seus filhos, porque era filho da sua velhice; e fez-lhe uma túnica talar de mangas compridas. Vendo, pois, seus irmãos que o pai o amava mais que a todos os outros filhos, odiaram-no e já não lhe podiam falar pacificamente. Teve José um sonho e o relatou a seus irmãos; por isso, o odiaram ainda mais. Pois lhes disse: Rogo-vos, ouvi este sonho que tive: Atávamos feixes no campo, e eis que o meu feixe se levantou e ficou em pé; e os vossos feixes o rodeavam e se inclinavam perante o meu. Então, lhe disseram seus irmãos: Reinarás, com efeito, sobre nós? E sobre nós dominarás realmente? E com isso tanto mais o odiavam, por causa dos seus sonhos e de suas palavras. Teve ainda outro sonho e o referiu a seus irmãos, dizendo: Sonhei também que o sol, a lua e onze estrelas se inclinavam perante mim. Contando-o a seu pai e a seus irmãos, repreendeu-o o pai e lhe disse: Que sonho é esse que tiveste? Acaso, viremos, eu e tua mãe e teus irmãos, a inclinar-nos perante ti em terra? Seus irmãos lhe tinham ciúmes; o pai, no entanto, considerava o caso consigo mesmo". Gn 37:3-11


     José foi um menino, pelo menos aparentemente, mimado. Nascido em meio a uma família enorme, com 11 irmãos e uma irmã, era ainda o filho mais velho da esposa predileta do pai bígamo, tinha tudo para não dar certo.

    Mas José, muito cedo, converteu-se ao Deus de Abraão, seu bisaavô, Isaac, seu avô, e Jacó, seu pai. Os irmãos, filhos de outrras três mulheres, a outra "esposa oficial", e mais duas servas, uma de cada uma das esposas, o xodó do pai pelo menino gerou animosidade franca contra ele.

      Arengavam com ele todo o tempo e por nada. Ainda mais quando começou a contar os seus sonhos. No caso, eram automaticamente proféticos, mas soavam em meio ao clã como pedantismo, o preferido do papai, para quem ele cosera uma manta de peça única, e mais os "recadinhos" das tretas que os irmãos aprontavam no campo, tudo junto acumulou ódio rasgado contra o tal "José dedo-duro", o X-9 da família.

     Outra função dos sonhos de José, além de confirmar para todo o clã, por antecipação, grande providência e livramento de Deus para o grupo, apenas o núcleo inicial do povo da promessa, foi adestrar o menino para o seu desempenho na metrópole imperial da época, o antigo Egito.

    Deus o adestrava para o desempenho futuro. E não apenas concedendo sonhos. Mas também livrando-o das armadilhas urdidas pelos irmãos, que chegaram a ter ímpeto de o matar, no que foram impedidos pela sensatez do primogênito Rubem.

     Mas não deixaram de sequestrá-lo e vendê-lo como escravo, ainda simulando sua morte, com profundo pesar para o pai, lambuzando a túnica de artífice com que o Jacó o presenteara em sangue, como se José tivesse sido esfacelado por uma fera qualquer.

      Começava a saga desse jovem. Engendrava-se a providência de Deus.  Iniciava para aquele grupo de desajustados uma lição de misericórdia.

     

sexta-feira, 5 de março de 2021

O xará chegou

 

      Amado irmão   
 
    A gente não sabe direito como acontece por lá, mas uma ideia mais ou menos, a gente tem. No caso de "seu" Paulo, foi assim: "E aí, chegou o xará?". Para os mais distraídos. Olhos arregalados. "Chegou! O xará chegou!".

     E foi aquela alegria. Seu pai, com o típico sorriso, igualzinho ao de minha avó que, ao sorrir, fechava os olhos, fazendo todo o rosto sorrir junto, costumo dizer que esses são os sorrisos mais parecidos com o sorriso de Jesus. Foi ele que recebeu seu pai na congregação dos céus.

     Na manhã deste dia, decidi escrever-lhe esta carta. Porque creio na relevância das palavras. Na nossa vida, distinguem-se entre tantas, a palavra de Deus que, por Sua graça, rege nossa vida.

       Por isso minhas palavras não serão tantas que o importunem. O que primeiro desejo destacar é nossa amizade. A princípio, ocasional, na SEE, porém logo distinguida pela fé que nos rege a vida, quando percebemos que nos era comum.

     Posteriormente, grata surpresa, a gente se reencontrou, quando nossos, meu filho e sua filha, ensaiaram o compromisso que, a cada dia, aprofunda-se. A amizade se tornou circunstancial. Porém desconfio, mais do que isso, torna-se providencial.

     E nesse momento de dor, tendo eu já mencionado as semelhanças entre a perda de meu pai e essa sua perda, assim como já conhecemos o quanto se parecem nossas famílias, pela quantidade de irmãos e raiz do evangelho, procuro alentá-lo com este diálogo.

     Há momentos, confesso, na fragilidade humana que nos é comum, assim como no atrevimento que, de quando em vez, assalta-nos, como o próprio apóstolo Paulo dizia, "falo como homem", vejo Deus como se estivesse IMPASSÍVEL, INDIFERENTE e ALHEIO à nossa sorte aqui embaixo.

     Impassível, porque parece "asisitir de camarote" toda essa agonia. Indiferente, porque sendo o Todo-Poderoso, parece não estar "dando a mínima". E alheio, porque podendo interferir, principalmente por meio do atender às nossas orações, a impressão que dá é aquela de distância dos fatos.

      Para logo eu entender que o nosso Deus é GRAÇA, SABEDORIA e AMOR. Graça, para nos atender em tudo o que não merecemos receber; sabedoria, porque guia por desígnios perfeitos tudo o que acontece; e amor, porque não deixa de escolher comunhão conosco, por meio do Filho.

     Por mais dolorosa que seja a perda e nosso natural inconformismo com ela, o lugar onde Paulo, agora falo de seu pai, está é na congregação dos céus. Permanece um vazio que o tempo se encarregará de, somente, amenizar, permitindo às recordações e à saudade ocupar o lugar. Mas Paulo está arrolado, como diz o autor anônimo de Hebreus, na igreja dos primogênitos nos céus.

     A gente que é pastor lida com pessoas muito diferentes pelas igrejas. Mas algumas, como que instantaneamente, destacam-se. Essa foi a impressão que sempre tive diante de seu pai. De alguém com uma experiência densa, tanto de vida, quanto de evangelho.

     E acho que não sou o único a pensar assim, a síntese de tudo isso estava no sorriso dele. Interessante que a Bíblia nunca mencionou o sorriso de Jesus. Mas é claro que ele foi um homem inundado de bom humor, e deve ter gargalhado muito, principalmente com as gafes dos discípulos.

     Pois imagino essa "congregação dos primogênitos arrolados nos céus", de que fala nosso anônimo irmão, autor de Hebreus, com Paulo e Jesus, entre outros, rindo juntos. "Conta aí, Paulo", dirá Jesus.  "Ora, mas o Senhor já sabe tudo", vai responder seu pai. "Não! Ouvido de sua boca, para todos nós aqui, tem outro tempero".

     Riem os dois. Riem todos os outros. E os assuntos e conversas de "seu" Paulo continuam, agora na congregação dos céus. Na congregação do céu também se ri muito. E a mesma expectativa do encontro se alimenta a cada dia. Mais do que "encontros", o Encontro do Grande Dia, quando todos vamos rir juntos.

       Neste momento, dependemos da graça de Deus para nos suprir, porque falta prestar os cuidados a Conceição. Deus não está alheio. Costumo pensar que a descrição exata que os pesquisadores fazem do vírus o coloca no contexto da vida humana no planeta. Ele não vem do céu, como juízo.

     Portanto se inclui na escolha de Adão e Eva, que nos colocou todos no contexto dessa possibilidade. E quando menciono sabedoria, é porque, além do sábio curso dado por Deus à humanidade, Paulo diz que, por meio da igreja, a sabedoria de Deus se manifesta ao mundo. Portanto, muito do que a humanidade tem a aprender, nesse tempo, pode provir do nosso testemunho.

     E não posso deixar de pensar que Deus é amor. Não deixa de ser. E tudo o que ocorre, principalmente quando ocorre conosco, que fomos sensibilizados em amor pela ação do Espírito Santo em nós, ocorre regido pelo amor de Deus.

    Não será automático o consolo que virá sobre sua família, mas a "paz que excede todo o entendimento" é ganho e herança garantida de cada um de vocês. Assim como o amor de Deus, de que a Bíblia também diz que "excede todo o entendimento".

     No último encontro com seu pai, pelas narrativas que traçou, vislumbrei a chance de sentar, sem tempo contado, para ouvir suas histórias, rever suas experiências e aprender de sua sabedoria.

     A disciplina da pandemia não permitiu. O "chamado compulsório" de Deus, como dizia meu pai, abreviou todos os demais projetos. Mas a marca de Paulo fica na família, vocês, que trazem o biotipo, mas também a herança espiritual.

      E a certeza de que, como o xará da Bíblia, "combateu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé". Seu pai, amado irmão, é um homem de que vale a pena conhecer a vida, para aprender a imitar.
    

quinta-feira, 4 de março de 2021

Visões da Bíblia - o pesadelo de Abraão - 8

"Na quarta geração, tornarão para aqui; porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus. E sucedeu que, posto o sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo que passou entre aqueles pedaços. Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates: o queneu, o quenezeu, o cadmoneu, o heteu, o ferezeu, os refains, o amorreu, o cananeu, o girgaseu e o jebuseu". Gn15:16-21


      O pesadelo que fixou-se no imaginário de Abrão teve seu defecho em fachos fumegantes, uma tocha de fogo volante, que percorria o contorno das peças expostas ao sacrifício.

    O fogo não cumpriu sua missão, de cauterizar as peças, mas apenas demarcava-lhes o contorno, como a demonstrar a Abrão sua força contida, bem definida, asaim como não consumiu a oferta, como se a não devesse validar.

    Assim fez Deus aliança com Abrão. O destino das peças o texto não esclarece. Teria Abrão enterrado ou deixado às aves de rapina? O efeito do pesadelo foi Deus demonstrar o Seu poder, que validar um sacrifício estava acima do procedimento padrão definido e que Ele não se afastaria um milímetro sequer de Seus propósitos.

     Enumerou, povo a povo, a família dos amorreus, ou cananeus, antigos moradores da terra prometida a Abraão, assinalando também que até mesmo as guerras de conquista, que são um expediente puramente humano, não ocorrem sem que Deus, em sua soberania, permita.

        "Porque não se encheu ainda à medida da iniquidade dos amorreus". Até mesmo a medida de sua iniquidade, o homem (e a mulher) não têm liberdade para dar livre curso. Esse é o quilate da escravidão pelo pecado. Somente a aliança com Deus para livrar dessa escravidão.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Visões da Bíblia - o pesadelo de Abrão - 7

"Ao pôr do sol, caiu profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram; então, lhe foi dito: Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas. E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em ditosa velhice". Gn 15:12-15.

     Às vezes a própria vida parece um pesadelo. Pior, porque é real. Os pesadelos nos assustam, nos conferem insônia, pavor noturno, até medo e superstição de que sejam avisos. Não são.  Não passam de pesadelos.

    Não tenhamos medo de pesadelos e nem de quando a vida parecer pesadelo. Jó, se pudesse escolher, pediria, quem sabe, meses a fio de pesadelos, ao invés dos traumas que a vida lhe reservou.

    O povo de Abrão, Deus confirma em meio ao seu pesadelo, vai enfrentar peregrinação em terra alheia, redução à escravidão e aflição por 400 anos, ou seja, 4 séculos de aflição.

    Por que todo esse sofrimento? Por causa da condição humana. As relações humanas estabelecem situações e condições de sofrimento. Na relação com Dsus, a opção pelo pecado sempre tem, como corolário, aflição, sofrimento e opressão.

     Deus não isenta o povo de Abrão, filhos de Seu amigo e Seu povo escolhido dessa rede de situações que, fatalmente, geram condições de sofrimento. Por exemplo, a diferença entre o Faraó que, providencialmente, acolhe José e sua família, e o outro, 4 X 100 anos depois, que oprime Moisés.

    Por isso muitas vezes a vida parece ser pior do que um pesadelo. Abrão no "grande pavor e cerradas trevas que o acometeram" vislumbrou essa advertência. Mas também foi advertido do futuro, quando todas as promessas teriam seu cumprimento, como diz o autor de Hebreus, sem que Abrão estivesse vivo para enxergar.

      Deus está conosco em cada passo dessa vida. Ainda que seja por um vale de sobra de morte, não temamos, Ele está conosco, consolando com vara e cajado. "O Senhor é o meu pastor", repita crendo: "nada me faltará".

     

Visões da Bíblia - o pesadelo de Abrão - 6

"Disse-lhe mais: Eu sou o Senhor que te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te por herança esta terra. Perguntou-lhe Abrão: Senhor Deus, como saberei que hei de possuí-la? Respondeu-lhe: Toma-me uma novilha, uma cabra e um cordeiro, cada qual de três anos, uma rola e um pombinho. Ele, tomando todos estes animais, partiu-os pelo meio e lhes pôs em ordem as metades, umas defronte das outras; e não partiu as aves. Aves de rapina desciam sobre os cadáveres, porém Abrão as enxotava". Gn 15:7-11.


     A altercação entre Deus e Abrão continuava. Crer em Deus não significa, automática e permanentemente enxergar e agir sempre e todo o tenpo pela fé. O homem quer continuar intuitivo, imediatista e manipulador.

      Como se Deus estivesse ao seu serviço ou fosse um ser abstrato, inventando e moldado a seu favor, como um "gênio da lâmpada", a serviço e expediente do homem, um "ser" que sempre aja por magia.

    Ao contrário, Deus é quem livra o homem dos enroscos em que sempre se envolve. Abrão quer estabelecer uma relação sua e direta de benefícios, que compensem sua saída da terra e da comodidade de sua vida pregressa.

    Mas Deus tem os seus planos. E não deixa de revelar a Abrão. Este aprende a medir-se pela palavra de Deus. Há duas visões a respeito de uma só vida: essa imediatista de Abrão e aquela do propósito de Deus.

     Quem optar viver segundo o propósito de Deus terá que aprender a ter uma outra visão de sua própria vida, sem que pense em dispor dela ao seu bel-prazer. Deus pediu a Abrão que tomasse do rebanho, por hierarquia, novilha, cabra, cordeiro, rola e pombinho.

    Representava tudo o que Abrão era e tudo o que possuía. Mandou dispor para oferta em sacrifício, devidamente cortados, exceto as aves, por miúdas que eram. Abrão o fez, mas até para a ordem de sacrificar, Deus demorou.

     Espera penosa. As partes se putrefaziam, aves rapaces sobrevoaram para se banquetear, então, para que todo aquele aparato, aquela formalidade, aquela demora? Talvez Deus estivesse esperando pelo raciocínio de Abrão.

     Talvez o que mais Deus trabalhe em nossa vida seja esse jogo de espera. Para ver se estamos atentos a Sua palavra. Nunca deixa de a revelar. Sempre espera que andemos, em sabedoria, condizentes com ela. Porque não falha o Seu propósito a nosso respeito.