sexta-feira, 5 de março de 2021

O xará chegou

 

      Amado irmão   
 
    A gente não sabe direito como acontece por lá, mas uma ideia mais ou menos, a gente tem. No caso de "seu" Paulo, foi assim: "E aí, chegou o xará?". Para os mais distraídos. Olhos arregalados. "Chegou! O xará chegou!".

     E foi aquela alegria. Seu pai, com o típico sorriso, igualzinho ao de minha avó que, ao sorrir, fechava os olhos, fazendo todo o rosto sorrir junto, costumo dizer que esses são os sorrisos mais parecidos com o sorriso de Jesus. Foi ele que recebeu seu pai na congregação dos céus.

     Na manhã deste dia, decidi escrever-lhe esta carta. Porque creio na relevância das palavras. Na nossa vida, distinguem-se entre tantas, a palavra de Deus que, por Sua graça, rege nossa vida.

       Por isso minhas palavras não serão tantas que o importunem. O que primeiro desejo destacar é nossa amizade. A princípio, ocasional, na SEE, porém logo distinguida pela fé que nos rege a vida, quando percebemos que nos era comum.

     Posteriormente, grata surpresa, a gente se reencontrou, quando nossos, meu filho e sua filha, ensaiaram o compromisso que, a cada dia, aprofunda-se. A amizade se tornou circunstancial. Porém desconfio, mais do que isso, torna-se providencial.

     E nesse momento de dor, tendo eu já mencionado as semelhanças entre a perda de meu pai e essa sua perda, assim como já conhecemos o quanto se parecem nossas famílias, pela quantidade de irmãos e raiz do evangelho, procuro alentá-lo com este diálogo.

     Há momentos, confesso, na fragilidade humana que nos é comum, assim como no atrevimento que, de quando em vez, assalta-nos, como o próprio apóstolo Paulo dizia, "falo como homem", vejo Deus como se estivesse IMPASSÍVEL, INDIFERENTE e ALHEIO à nossa sorte aqui embaixo.

     Impassível, porque parece "asisitir de camarote" toda essa agonia. Indiferente, porque sendo o Todo-Poderoso, parece não estar "dando a mínima". E alheio, porque podendo interferir, principalmente por meio do atender às nossas orações, a impressão que dá é aquela de distância dos fatos.

      Para logo eu entender que o nosso Deus é GRAÇA, SABEDORIA e AMOR. Graça, para nos atender em tudo o que não merecemos receber; sabedoria, porque guia por desígnios perfeitos tudo o que acontece; e amor, porque não deixa de escolher comunhão conosco, por meio do Filho.

     Por mais dolorosa que seja a perda e nosso natural inconformismo com ela, o lugar onde Paulo, agora falo de seu pai, está é na congregação dos céus. Permanece um vazio que o tempo se encarregará de, somente, amenizar, permitindo às recordações e à saudade ocupar o lugar. Mas Paulo está arrolado, como diz o autor anônimo de Hebreus, na igreja dos primogênitos nos céus.

     A gente que é pastor lida com pessoas muito diferentes pelas igrejas. Mas algumas, como que instantaneamente, destacam-se. Essa foi a impressão que sempre tive diante de seu pai. De alguém com uma experiência densa, tanto de vida, quanto de evangelho.

     E acho que não sou o único a pensar assim, a síntese de tudo isso estava no sorriso dele. Interessante que a Bíblia nunca mencionou o sorriso de Jesus. Mas é claro que ele foi um homem inundado de bom humor, e deve ter gargalhado muito, principalmente com as gafes dos discípulos.

     Pois imagino essa "congregação dos primogênitos arrolados nos céus", de que fala nosso anônimo irmão, autor de Hebreus, com Paulo e Jesus, entre outros, rindo juntos. "Conta aí, Paulo", dirá Jesus.  "Ora, mas o Senhor já sabe tudo", vai responder seu pai. "Não! Ouvido de sua boca, para todos nós aqui, tem outro tempero".

     Riem os dois. Riem todos os outros. E os assuntos e conversas de "seu" Paulo continuam, agora na congregação dos céus. Na congregação do céu também se ri muito. E a mesma expectativa do encontro se alimenta a cada dia. Mais do que "encontros", o Encontro do Grande Dia, quando todos vamos rir juntos.

       Neste momento, dependemos da graça de Deus para nos suprir, porque falta prestar os cuidados a Conceição. Deus não está alheio. Costumo pensar que a descrição exata que os pesquisadores fazem do vírus o coloca no contexto da vida humana no planeta. Ele não vem do céu, como juízo.

     Portanto se inclui na escolha de Adão e Eva, que nos colocou todos no contexto dessa possibilidade. E quando menciono sabedoria, é porque, além do sábio curso dado por Deus à humanidade, Paulo diz que, por meio da igreja, a sabedoria de Deus se manifesta ao mundo. Portanto, muito do que a humanidade tem a aprender, nesse tempo, pode provir do nosso testemunho.

     E não posso deixar de pensar que Deus é amor. Não deixa de ser. E tudo o que ocorre, principalmente quando ocorre conosco, que fomos sensibilizados em amor pela ação do Espírito Santo em nós, ocorre regido pelo amor de Deus.

    Não será automático o consolo que virá sobre sua família, mas a "paz que excede todo o entendimento" é ganho e herança garantida de cada um de vocês. Assim como o amor de Deus, de que a Bíblia também diz que "excede todo o entendimento".

     No último encontro com seu pai, pelas narrativas que traçou, vislumbrei a chance de sentar, sem tempo contado, para ouvir suas histórias, rever suas experiências e aprender de sua sabedoria.

     A disciplina da pandemia não permitiu. O "chamado compulsório" de Deus, como dizia meu pai, abreviou todos os demais projetos. Mas a marca de Paulo fica na família, vocês, que trazem o biotipo, mas também a herança espiritual.

      E a certeza de que, como o xará da Bíblia, "combateu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé". Seu pai, amado irmão, é um homem de que vale a pena conhecer a vida, para aprender a imitar.
    

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