quarta-feira, 24 de março de 2021

Mulher incomum

      Ester, nome persa, talvez em homenagem à deusa Ishtar, Hadassa, lindo nome hebraico, foi mulher que pensou que passaria, deslumbrada, pela vida, em razão de uma cadeia de coincidências.

    Mas ao final, entendeu (e ensinou) o que, da parte de Deus, significa providência. Era uma obscura porém, certamente, inteligente e bela jovem residente entre os exilados, já para o final do período, quando os persas já haviam derrotado os babilônios, em meados do séc. VI a. C.

     Houve uma festarada na capital do reino, quiçá do mundo, quando Assuero mandou reunir a nobreza da Média e da Pérsia, os sátrapas de suas 127 províncias e mostrou todo o seu luxo em iguarias, prata e ouro, roupas, incensos e perfumes, tudo programado para 180 dias.

    Num ápice de uma dessas reuniões, mandou vir Vasti, sua consorte e rainha, recado dado por seus 7 eunucos, provavelmente mandada buscar em meio ao próprio banquete que ela patrocinava, por sua vez, à mulherada da nobreza.

     Sabe-se lá qual era o assunto, o resumo da história é que ela mandou dizer que não compareceria. Não estava o mínimo disposta a ouvir galanteios e conversa de bêbedos, ainda que fossem desse grau descrito de sangue imperial.

     Claro que numa sociedade machista como aquela, a atitude de Vasti, que poderia estar no direito dela, não estava no direito de todos eles. Aí começou o problema. E o rei tinha um time de 7 sábios conselheiros, todos homens, é claro, com o curioso título de "entendidos dos tempos", que definiram para o rei que aqueles tempos não seriam feministas.

     Assinaram embaixo da avaliação de que não somente a rainha, belíssima por sinal, não apenas havia desmerecido, numa tacada só, toda a rapaziada, mas também "deu asa" (ou azo) a que todas as meninas quisessem imitá-la, tirando o sossego dos maridos.

     Aqui que entra nossa heroica Ester. Memucã (feministas, guardai esse nome), além de ter aconselhado que o mal exemplo de Vasti fosse assinalado com um edito real publicado, como alerta às mulheres, em geral, também sugeriu, bem, agora sim, para as modelos, um concurso geral de beleza para escolha da nova rainha.

     Com direito a tratamento estético, nutrição e hidratação da pele, aulas de etiqueta e todo um preparo de 1 ano, passando pelo crivo de Saasgaz, eunuco chefe das concubinas, e Hegai, guarda da mulherada do rei, o fato é que Ester, ainda e principalmente com a assistência diária, isso mesmo, 365 dias, de Mordecai, tio dela, conquistou o rei Assuero.

    Simplesmente está registrado que o rei a amou mais do que todas as outras, ela lhe alcançou favor e Assuero lhe pôs sobre a fronte uma coroa: Média e Pérsia têm uma nova rainha. Publique-se.

    Mas estejam certos que não foi deslumbramento ou capricho pueril o que marcou a escolha de Ester. E o que vai suceder, que não vou cotar aqui, para que seja lido, com detalhes, nesse livro da Bíblia com nome de rainha, não acontece por acaso.

     Ester foi preparada antes. Não seria de uma hora para outra, por improvisação que, alertada pelo tio, teria a inciativa de engendrar e pôr em operação uma trama que desmascarou um sujeito chamado Hamã, campeão da bajulação, mau-caratismo e vaidade, que pretendia promover uma chacina nacional contra o povo de Hadassa.

     A advertência do tio, para que Ester considerasse estar ali, naquela posição, por providência de Deus, mudou toda a situação, permitindo que ela refletisse e reconsiderasse, assumindo uma iniciativa de liderança no processo que culmina no desmascaramento do inimigo público n° 1 dos judeus.

     Não é de uma hora para outra que se configura a inciativa assumida por Ester. Desde a fala de seu tio à maestria com que contornou os caprichos da cultura persa, ainda posto em xeque seu cartaz pessoal recém-conquistado com o rei, já prevenido pelas teimosias de Vasti, somente ressaltam o talento dessa jovem.

     A jornada de Ester, do anonimato e obscuridade entre os cativos, à posição de rainha da Média e Pérsia e provedora, em sabedoria, do livramento de seu povo, demarcam todas as possibilidades da fé. Ela correspondeu ao apelo do tio e rogou que orassem por ela.

     A sutileza com que cria uma expectativa para o rei e seu 1o ministro inimigo do povo judeu, nos dois banquetes que encadeia, aguçando a curiosidade do soberano no primeiro dia e somente revelando toda a trama no segundo dia, em meio a uma insônia providencial, que promove justiça ao tio Mordecai,  completam o agir de Deus em parceria com essa invejável mulher.

     Como assinalou o sábio Salomão séculos antes, não foi somente a graça e a formosura que concederam a Ester um lugar de destaque na história. Mas a sabedoria que vem por meio da fé no Deus da providência, esses sim adereços e destaque pessoal de Hadassa.

    Não careceu de desafiar frontalmente nenhum dos homens do império. Sua sabedoria a distinguiu como a mulher que promoveu a salvação de todo o seu povo, alcançando lugar de honra não pela simples reivindicação de direitos ou por equiparação ao nível de nobres, príncipes ou reis. Mas reconquistou o lugar de todos os que reconhecem que sua vida não é anônima, mas consta, como dois parceiros, na agenda providencial de Deus. 

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