quarta-feira, 28 de julho de 2021

Walking dead

 

    Walking dead é uma ficção cinematográfica, genial, onde os efeitos especiais mostram zumbis desfigurados vagando pelas ruas, à procura dos sobreviventes, no planeta, ainda não infectados pelo mesmo vírus apocalíptico que os contaminou.

     Ao encontrá-los, devoram-lhes cérebro, víceras e viandas, mas mesmo um ferimento superficial transforma em zumbi quem ainda não tenha sido contaminado.

    Maquiagem, efeitos especiais digitais, entre os demais recursos, fazem do filme e da série uma opção horripilante e, ao mesmo tempo, palatável para o estilo e gosto atuais.

     Se pudéssemos fazer uma transposição para a realidade, visto que qualquer ficção carece é somente ganha envergadura e fôlego caso tenha, com a realidade, um gancho efetivo, que efeito poderíamos pressupor?

    Quem seriam os mortos-vivos? Que espécie de vírus e qual o seu efeito? Quantos estariam contaminados? Que tipo de cura seria possível? Há uma contrafação para walking dead. E, por mais incrível ainda que pareça, factível, real, triste, fácil e corriqueiramente constatável.

    Os walking dead existem e são o ser humano, de todos os quadrantes (e épocas) do planeta. O vírus já nasce neles e com eles. Já estão contaminados, de berço, e todos, sem exceçao, imitam, mútua e reciprocamente, incontinentes, a sua maldade porém, com uma única vantagem em relação à ficção que, no caso real, é a cura.

    Pode-se duvidar. Ou avaliar pessimista o quadro descrito. Talvez seja definida uma outra forma de se compreender. Mas há um desfile de maldade por toda a história humana. E os patrocinadores são os humanos. Uns contra os outros, com ou sem motivo, é indiferente, contra a natureza, contra o reino animal, contra a vida, contra o que é bom.

    A impressão que se tem é que o vírus venceu. Que as demonstrações de bondade são fraqueza e são inúteis. A maldade venceu. Surtos de bondade, exceções de seres humanos agindo ou clamando por justiça, pelo bem, por amor, o verdadeiro, que dizem ser divino e eterno, parece ser inútil.

     O espetáculo é horrendo ao inverso. Porque o walking dead do mundo real tem maquiagem, mas por trás da máscara, escondem o verdeiro rosto. E esse rosto do terror está estampado na história da tragédia humana. De tudo de ruim já feito, aparentemente esquecido, mas que permanece como marca indelével.

    Quanto mais se estuda, mais se conhece. Sobre o requinte, a frieza, o cinismo, enfim, o império da maldade. Onde a cura? O antídoto teria de ser aplicado no ser humano. Zumbis, porque são mortos-vivos perambulando pela vida, contaminados por maldade.

     Para esses zumbis, que somos todos nós, a cura virá depois da morte. Aliás, a cura veio pela morte. Do único ser humano que nasceu não contaminado. E que não se contaminou. Por isso morreu, não, óbvio, foi morto por essa mesma maldade. Mas foi ressuscitado.

     Tornou a viver. E todo e qualquer zumbi do mundo real, consciente de sua condição, que se voltar para esse humano soerguido numa cruz romana, entregue a eles por patrícios seus, será curado. Não deixará de morrer, porque a cura da maldade está na morte. Somente a morte cura a maldade.

     A morte de Jesus cura da maldade. Este o único nascido não zumbi. O único não walking dead. A cura está no batismo nele, promovido pelo Espírito Santo.  Deus quis salvar. Jesus realizou a salvação. O Espírito Santo aplica em quem busca a cura.
    

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Como chegar ao Acre - 3

  

      Enquanto isso, Porto Velho não nos saiu da visão. Foi quando em agosto de 1993, rumamos num Santana 2000 estrada afora, com pernoites em Mineiros e Pimenta Bueno, alcançamos Rio Branco na terceira noite. Chegamos às doze (em acreanês), 0h, em português, com o corpo de 2h da manhã, por causa do fuso, fomos dormir as 2h, com corpo de 4h e acordamos às 7h, com corpo esbagaçado, em qualquer língua, para uma Escola Dominical numa chácara, na estrada para Porto Acre.

     Estávamos no Acre, ainda sem saber que eu ficaria no campo, mas logo obtendo essa indicação, viemos eu, Regina e Isaac, este aos 8 meses de vida, quando chegamos em janeiro de 1995. Nelson Rosa e Josilene foram para Porto Velho, em 1996, onde hoje está implantada a igreja que foi sonho, desde os avisos nos para-brisas do Andorinha. Porque onde Nelson e Josilene chegam, igrejas nascem.

      E esta começou em 2009, numa conversa com colegas do curso de pós-graduação, sobre a possibilidade de iniciarmos uma congregação. Ela começou em março de 2010, na varanda de nossa casa, no bairro Manoel Julião. Há uma foto histórica da primeira reunião que fizemos.

    A ideia não era, logo de começo, obter um terreno para construir um templo. Achamos que seria oneroso e que também já havia muitas igrejas no bairro. Só ali, na calçada defronte, havia 5 em sequência, num espaço de 100 m. Então resolvemos que compraríamos um espaço para fazer acampamentos com crianças, especialmente de comunidades carentes.

     Nesse meio tempo, antes de adquirirmos a chácara, 2008-2009 foi um biênio que dedicamos a trabalhar com crianças na creche Mi e Bino, no bairro Mocinha Magalhães. Até que, em 2010, numa conversa providencial com o pr Nelson Rosa, no muro externo de casa, passou de carro Daniele Balmant, uma das crianças que conviveram com o casal Rosa, desde 1984 no Acre.

    Ela falou que o esposo queria negociar uma chácara, em Senador Guiomard, pertencente ao sogro, pai dela. Qualquer empolgação nessa hora é natural. Posteriormente esfriei. Eram 200 mil à vista. Tínhamos 1/4 em caixa. Mas não achei que daria para tratativas. Até que o presbítero Dionísio, esposo dela, ligou para mim.

    Era providencial. Conversamos numa ida à chácara, no Quinari, apelido consagrado desse município vizinho, a 30 km de Rio Branco. Falei que quantia tínhamos e quanto arrecadávamos por mês. A quarta parte como entrada, segundo nos foi oferecido, requereria 4,5 mil mensais. Dispúnhamos de 2,5 mil, não menos do que 2 mil, prometi, com atividades extras que pudessem acrescentar mais.

     Combinamos que proporia ao sogro. Mas não haveria polêmica. Assentimento ou recusa seriam indicador, sem insistências e contra-argumentos. Não houve sinal de acordo. Porém uns 15 dias depois, num Encontro de Casais para o qual eu e esposa fomos convidados, Dionísio sinalizou que desejava falar comigo. E disse que confrontara a família, como eu recomendara que não fizesse.

     Ora, argumentou, vamos vender para quem? O pastor quer desenvolver um ministério com crianças. Não vendendo para ele, o espaço, mais ou menos 4,8 mil m² vai ficar para bebidas, brigas e mundanismo. Valeu a argumentação. Demos 50 mil. Pagamos o restante, com juros celestiais de 10 mil, nos meses restantes, sem atrasos.

      Confirmado o ministério com crianças, o que priorizávamos desde o Mocinha. Continuávamos na varanda de nossa casa no Manoel Julião. Houve uma obra que ampliasse nossa área externa nos fundos, o que nos deu um espaço a mais, isso em 2014-2015. E em 2017 Jorge chegou à igreja. Quando soube de seu talento em construção, reconheci que era providência de Deus para nós.

      Assim o foi. E neste ano, com 11 anos e 4 meses de existência, inauguramos o novo templo.
    

Como chegar ao Acre - 2

Foto 01 da igreja, em março de 2010

     A compra proporcionou várias viagens para acertos. Os antigos proprietários desejavam comprar terras para criação de gado. Queriam retornar da cidade para a zona rural. Para eles, não havia rosco. Para nós, ansiávamos por garantias documentais.

     Rosco, aprendi com eles, significava burla, fraude, engano. Eram do tipo raro de gente que basta empenhar a palavra. Nesse vaivém entre Rio e Campo Grande, pela Andorinha, eu e Paulo Leite, aprendemos que havia um Andorinha, em Campo Grande, que alcançava Porto Velho.

    Uma plaquinha de folha de papel, pelo vidro de dentro, no para-brisa, advertia. Então, entendemos que ali, na Rodoviária de Campo Grande, havia essa baldeação (cuidado, baldear, em acreanês, e lavar com balde). Eu disse que precisávamos visitar Porto Velho. Pr Paulo Leite achou melhor não, vai que a gente comprava outra casa desse jeito doido.

     Porque foi como se hoje chegasse a 100 mil. Cascadura tinha uma reserva que economizava para a construção do novo templo. A economia já rendera uns 50 mil, em moeda de agora. Eu recomendei ao Paulo Leite que conseguisse uns 25 mil na igreja "dele". Curicica, que era congregação de Cascadura, na época, pastoreada por mim, ia garantir uns 5 mil. Meus pais lá em casa, uns 2 ou 3 mil, quer dizer, sonhávamos com uns 80 mil e sairíamos atrás dos outros 20.

    O pessoal em Campo Grande apressando a gente: "Não tem rosco, não tem rosco". E a gente dentro do Andorinha, com troca de motorista em São  Paulo, na Rodoviária do Tietê, quando não nos mandavam para uma garagem e aí era esperar mais de hora nessa troca. Em Presidente Prudente, outra troca, nessas mesmas possibilidades. Em Bataguaçu, fronteira com São Paulo e Mato Grosso do Sul, outra parada.

     Isso quando não havia pneus furados: era uma média de 1 por viagem, na ida ou na volta. Voa, Andorinha, voa... Até que, enfim, obtivemos os 100 mil. Nossos amigos, muito gratos, gente simples e leal, rumaram para a vida no campo e nós para aquela capital.

    Gercino e esposa ficaram cerca de 1 ano. Muito frio. A esposa não se adaptava. Providência de Deus, frutos de raiz, foram as três irmãs vizinhas que nos acolhiam sempre na ida até lá. Anjos de Deus. Sandra Roger aceitou o desafio, buscou resposta de Deus, a mais duas igrejas entraram na parceria: as Congregacionais de Cordovil e Piedade. 

domingo, 25 de julho de 2021

Como chegar ao Acre - I

 

  A vinda ao Acre, em agosto de 1993 começou, de modo indireto, mas providencial, numa conversa num ônibus, que circulava entre Cascadura e Anchieta, lá pelos idos de 1985.

    Eu e o pernambucano Gercino íamos prestigiar uma reunião de oração da Federação de Senhoras, na Igreja Congregacional de Anchieta. Gercino me mostrou a capa de um revista de Escola Dominical da UIECB - União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil.

     Estavam em ressalto, graficamente, num mapa do Brasil, estados não alcançados. Gercino chamou a atenção para Mato Grosso do Sul. Disse que, em seu tempo de caminhoneiro, pernoitara por lá. E também disse que, caso houvesse iniciativa e interesse, de antemão já prevenia que ele e a esposa estavam dispostos a iniciar um igreja ali.

     Foi um susto. Logo veio à mente o versículo que menciona a ordem de Jesus, "rogai por obreiros": dedudzi, ora, se há obreiro, não falta mais nada. E combinamos uma viagem a MS, que Gercino não parou de cobrar, até que numa sexta-feira qualquer, na Rodoviária Novo Rio, às 16h30 da tarde, entramos num ônibus da viação Andorinhas para, 22h depois, com 1h a menos de fuso horário, chegar, por volta de 5h da manhã, na, naquela época, acanhada Rodoviária de Campo Grande, MS.

     Gercino, rato de estrada, havia se deslocado até à cabine do motorista, já perto de amanhecer, para um bate-papo. Dizia que o período mais perigoso era aquele, de quase chegada. Depois eu ia ficar sabendo que, nessa conversa, o jovem motorista, talvez com menos de 30, disse que o seu pai poderia ser o nosso "guia" pela cidade.

      Essa sugestão se revelou, primeiro, para mim, irritante e, da parte de Deus (como sempre) providencial. Porque havíamos combinado, eu e Gercino, encerrar essa primeira visita de três dias à cidade assistindo a um culto, domingo à tarde, na igreja metodista da cidade. Pela manhã havíamos conhecido a batista e, à tarde, sugestão do tal "pai do motorista", a gente conheceria um bairro chamado Copavila II onde, segundo o guia, residia uma sua filha que havia ganhado uma filha que, segundo nos dizia o guia, era uma netinha que ele não conhecia ainda.

    Fomos. O ônibus Copavila II, primo-irmão de outro da mesma linha, o Pênfigo, nos deixou lá em cima, no final (ou início) da ampla via de duas pistas, um largo canteiro no meio, para que descêssemos a pé. Uma vez pisando na pista, descido do ônibus, o guia, Gercino e eu, por último, ouvi do avô, que estacou, dizendo: "caramba, agora que eu me lembrei, minha filha não mora mais aqui não".

     Irritação instantânea. "Vamos, Gercino, apressa: o guia não sabe onde a filha mora", falei, como quem não quer ser ouvido, e abandonei os dois às suas conversas. Gercino, na sua calma celestial costumeira. Acho que vinha apreciando o bairro e parolando fiado com o "guia". Eu apressei, "Vamos, vamos", se fosse no Rio, "Anda, anda", no Acre, "Cuida, cuida", que eu queria chegar de volta ainda para alcançar o culto na metodista.

     Bufando de, vamos dizer, uma meia ira, avistei um freezer (uma freezer, em acreanês) num boliche (num lanche, de novo em acreanês). Entrei, pedi um refri qualquer, muito atenciosamente o moço me informou que a freezer estava vazia, estavam de mudança para Brasília. Definitivamente, pensei, não é o meu domingo. Mas me convidou a entrar, virou para dentro da casa a voz e gritou para a mulher que me preparasse um suco.

     Surpreendeu-me. Ali arregalei os olhos pela receptividade. Hesitei. Ele disse não, entra, entra. E repetiu o pedido à mulher. Eu, meio se rumo de tanta acolhida, fui entrando, a mulher, sorridente, trocava a fralda de um menino (que, em acreanês, pode ser menino homem ou menino mulher, eu não lembro). Tarefa terminada, tomou do menino, acho que pousou num berço e foi-me ao suco.

     Enquanto eu degustava, o guia e o Gercino aportaram à porta, devem ter tomado o seu copo, porque eu, mais centrado com a desconcertante acolhida, havia perguntado ao anfitrião por eventuais preços de terrenos, lotes, naquele conjunto habitacional, exatamente o Copavila II. Ele respondeu, depende do tamanho. Há de 10 X 30, 20 X 40, enfim.

      "Mas aquela casa ali está à venda", apontou para a frente. Resumindo, não fomos ao culto da metodista. A conversa com os antigos proprietários desse imóvel não permitiu. Chegados ao hotel, à noite, ali pertinho da rodoviária, liguei para o Rio, para comunicar ao pr Paulo Leite que iríamos, nós em Cascadura e a igreja "dele" em Vicente de Carvalho, comprar o imóvel. Sim, esse mesmo para que o nosso anfitrião havia apontado.

     A Congregacional de Curicica, na época Congregação ainda, entrou na parada e em casa meus pais também. Hoje a Igreja Evangélica Congregacional de Campo Grande, ainda sob os cuidados de Vicente de Carvalho, agora pastoreada pelo pr Manoel Bernardino, funciona nesse imóvel. Era o domingo certo. Foi o guia mais acertado possível. Era a providência de Deus. E meu caminho para o Acre.