domingo, 25 de julho de 2021

Como chegar ao Acre - I

 

  A vinda ao Acre, em agosto de 1993 começou, de modo indireto, mas providencial, numa conversa num ônibus, que circulava entre Cascadura e Anchieta, lá pelos idos de 1985.

    Eu e o pernambucano Gercino íamos prestigiar uma reunião de oração da Federação de Senhoras, na Igreja Congregacional de Anchieta. Gercino me mostrou a capa de um revista de Escola Dominical da UIECB - União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil.

     Estavam em ressalto, graficamente, num mapa do Brasil, estados não alcançados. Gercino chamou a atenção para Mato Grosso do Sul. Disse que, em seu tempo de caminhoneiro, pernoitara por lá. E também disse que, caso houvesse iniciativa e interesse, de antemão já prevenia que ele e a esposa estavam dispostos a iniciar um igreja ali.

     Foi um susto. Logo veio à mente o versículo que menciona a ordem de Jesus, "rogai por obreiros": dedudzi, ora, se há obreiro, não falta mais nada. E combinamos uma viagem a MS, que Gercino não parou de cobrar, até que numa sexta-feira qualquer, na Rodoviária Novo Rio, às 16h30 da tarde, entramos num ônibus da viação Andorinhas para, 22h depois, com 1h a menos de fuso horário, chegar, por volta de 5h da manhã, na, naquela época, acanhada Rodoviária de Campo Grande, MS.

     Gercino, rato de estrada, havia se deslocado até à cabine do motorista, já perto de amanhecer, para um bate-papo. Dizia que o período mais perigoso era aquele, de quase chegada. Depois eu ia ficar sabendo que, nessa conversa, o jovem motorista, talvez com menos de 30, disse que o seu pai poderia ser o nosso "guia" pela cidade.

      Essa sugestão se revelou, primeiro, para mim, irritante e, da parte de Deus (como sempre) providencial. Porque havíamos combinado, eu e Gercino, encerrar essa primeira visita de três dias à cidade assistindo a um culto, domingo à tarde, na igreja metodista da cidade. Pela manhã havíamos conhecido a batista e, à tarde, sugestão do tal "pai do motorista", a gente conheceria um bairro chamado Copavila II onde, segundo o guia, residia uma sua filha que havia ganhado uma filha que, segundo nos dizia o guia, era uma netinha que ele não conhecia ainda.

    Fomos. O ônibus Copavila II, primo-irmão de outro da mesma linha, o Pênfigo, nos deixou lá em cima, no final (ou início) da ampla via de duas pistas, um largo canteiro no meio, para que descêssemos a pé. Uma vez pisando na pista, descido do ônibus, o guia, Gercino e eu, por último, ouvi do avô, que estacou, dizendo: "caramba, agora que eu me lembrei, minha filha não mora mais aqui não".

     Irritação instantânea. "Vamos, Gercino, apressa: o guia não sabe onde a filha mora", falei, como quem não quer ser ouvido, e abandonei os dois às suas conversas. Gercino, na sua calma celestial costumeira. Acho que vinha apreciando o bairro e parolando fiado com o "guia". Eu apressei, "Vamos, vamos", se fosse no Rio, "Anda, anda", no Acre, "Cuida, cuida", que eu queria chegar de volta ainda para alcançar o culto na metodista.

     Bufando de, vamos dizer, uma meia ira, avistei um freezer (uma freezer, em acreanês) num boliche (num lanche, de novo em acreanês). Entrei, pedi um refri qualquer, muito atenciosamente o moço me informou que a freezer estava vazia, estavam de mudança para Brasília. Definitivamente, pensei, não é o meu domingo. Mas me convidou a entrar, virou para dentro da casa a voz e gritou para a mulher que me preparasse um suco.

     Surpreendeu-me. Ali arregalei os olhos pela receptividade. Hesitei. Ele disse não, entra, entra. E repetiu o pedido à mulher. Eu, meio se rumo de tanta acolhida, fui entrando, a mulher, sorridente, trocava a fralda de um menino (que, em acreanês, pode ser menino homem ou menino mulher, eu não lembro). Tarefa terminada, tomou do menino, acho que pousou num berço e foi-me ao suco.

     Enquanto eu degustava, o guia e o Gercino aportaram à porta, devem ter tomado o seu copo, porque eu, mais centrado com a desconcertante acolhida, havia perguntado ao anfitrião por eventuais preços de terrenos, lotes, naquele conjunto habitacional, exatamente o Copavila II. Ele respondeu, depende do tamanho. Há de 10 X 30, 20 X 40, enfim.

      "Mas aquela casa ali está à venda", apontou para a frente. Resumindo, não fomos ao culto da metodista. A conversa com os antigos proprietários desse imóvel não permitiu. Chegados ao hotel, à noite, ali pertinho da rodoviária, liguei para o Rio, para comunicar ao pr Paulo Leite que iríamos, nós em Cascadura e a igreja "dele" em Vicente de Carvalho, comprar o imóvel. Sim, esse mesmo para que o nosso anfitrião havia apontado.

     A Congregacional de Curicica, na época Congregação ainda, entrou na parada e em casa meus pais também. Hoje a Igreja Evangélica Congregacional de Campo Grande, ainda sob os cuidados de Vicente de Carvalho, agora pastoreada pelo pr Manoel Bernardino, funciona nesse imóvel. Era o domingo certo. Foi o guia mais acertado possível. Era a providência de Deus. E meu caminho para o Acre.

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