segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Dr. Robert Reid Kalley e a celebração de um casamento no Recife

O Diario Rio de Janeiro, nº 300, de 1 de Novembro de 1873 traz o relato inicialmente publicado no Jornal do Recife noticiando as agressões sofridas pelo Dr. Robert Reid Kalley e sua esposa, a Sra. Sarah Poulton Kalley, em Recife, quando o Dr. Kalley, na notícia grafado como Kelley, realizava um casamento na casa de culto evangélico: "Do Jornal do Recife extrahimos as seguintes noticias: 'UM FACTO VERGONHOSO. — Ante-hontem (23) á noute deu-se na rua Augusta o seguinte facto: Na casa que serve alli de igreja aos sectarios do rito evangélico, celebrava-se um casamento entre pessoas de côr parda, ao qual assistiam muitas outras, estando a sala replecta. Era celebrante o Sr. Dr. Keley e haviam sido preenchidas todas as formalidades recommendadas pelo decreto n. 369 de 17 de Abril de 1863. Como não se passasse secretamente o facto, julgaram alguns individuos, que tinham o direito de entrar, e como não conseguissem isto, agglomeraram-se á porta e proromperam em grande assuada. Appareceu então o Sr. subdelegado do 1º districto de S. José, acompanhado de algumas praças, e limitou a sua acção em fazer cercar á casa pelos policiaes. Vendo os promotores do barulho, que a autoridade não tratava de dissuadi-los do máo procedimento que tinham, fazendo-lhes vêr que a lei autorisa e garante o acto religioso que se estava celebrando, interpretaram que o seu silencio como uma tacita reprovação da cerimonia e continuaram na vozeria encetada, que era agora acompanhada já com algumas pedradas. Findo o casamento tiveram que sahir noivos e convidados debaixo de um chuveiro de dicterios próprios de quem os lançava; mas ao sahir o Sr. Dr. Keley e sua mulher foi sobre ambos um grupo de inconsiderados, que pretendiam maltratal-o physicamente, e forçoso foi occultal-o em uma casa da rua visinha, Caldeireiro, donde só depois de meia noute pode retirar-se. Foi um máo acto. A lei do paiz permitte os casamentos entre pessoas de culto differentes á religião que professamos, uma vez que sejam presididos por um pastor da respectiva seita. Assim, pois, ninguem póde intervir em taes actos e menos vilipendial-os, sem por sua vez transgredir á lei.'"

 (1)             (2)
                                                                                        
(1) O Diário do Rio foi o primeiro jornal diário a circular no Brasil, tendo sido fundado no longínquo ano de 1821, ou seja, há mais de 200 anos. Ele tinha o apelido de “Diário da Manteiga”, porque era baratinho, e custava o mesmo que uma pequena porção do laticínio. (2) No Arco do Telles, começa a Travessa do Comércio, onde está sediado do Diário do Rio, no primeiro prédio à direita logo após o arco. Ele está lá, igualzinho, como nesta foto do Século XIX. / Foto: blog o rio de antigamente

Casamento: https://femissionaria.blogspot.com/2021/01/dr-robert-reid-kalley-e-celebracao-de.html

Diário do Rio: https://diariodorio.com/historia-e-antecedentes/

Acesso em 30 out 2023.

domingo, 29 de outubro de 2023

Os 5 Solas

 Os 5 Solas da Reforma Protestante são proposições teológicas que sintetizam os principais pensamentos dos reformadores. Os Solas são os principais pontos de oposição da Teologia Reformada contra os ensinos da Igreja Católica. Todos eles são frases no Latim e o termo “Sola” significa “somente”.

A construção teológica iniciada por Martinho Lutero deu origem a um princípio conhecido como Cinco Solas:

Sola fide (somente a fé): Romanos 5,1 (Gn 15,5-6; Hb 2,2-4; Rm 1,16-17).

Sola scriptura (somente a Escritura): 2 Tm 3,16-17 (Js 1,8; 23,6).

• Solus Christus (somente Cristo): At 4,11-12 (Ef 1,13-14).

Sola gratia (somente a graça): Ef 2,8-10 (Tg 2,17-18).

• Soli Deo gloria (glória somente a Deus): Jo 17,1-3 (Jo 17,4-6; 2 Ts 1,12; 2 Co 3,18).

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Dez lições do casal Kalley

                                         

Rev. Maurício Amazonas, OSE, o mais congregacional dos anglicanos

O casal britânico que esteve no Brasil entre 10 de Maio de 1855 e 10 de Julho 1876, Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley, morava em Petrópolis e de lá descia para o Rio de Janeiro, onde instalaram a “primeira Igreja Evangélica de fala portuguesa e em caráter permanente”, como costumam dizer os historiadores kalleyanos. Trata-se da Igreja Fluminense, no Rio, em 11 de Julho de 1858. Os Kalley inauguraram a segunda igreja protestante no Brasil, sendo essa no Recife, chamada de Igreja Pernambucana, em 19 de Outubro de 1873, que funciona atualmente na Rua do Príncipe. O casal pioneiro deixou muitas lições sobre sua missão no Brasil. Vamos enumerar dez dessas lições.

1. Reconhecer o valor das crianças. A primeira coisa a se organizar foi uma classe de Escola Dominical para crianças, em 19 de Agosto de 1855. Nela, estudavam crianças brasileiras e estrangeiras, filhas de trabalhadores, escravos e diplomatas.

2. Interpretar a lei a seu favor. Era proibido pregar aos brasileiros. Os anglicanos poderiam pregar aos ingleses, nas suas capelas; e os luteranos, para os alemães. Com inteligência estratégica, Dr. Kalley trouxe famílias portuguesas protestantes. À medida que Kalley realizava os ofícios, os brasileiros entendiam a pregação e as letras dos cânticos.

3. Instituir liderança leiga. Os portugueses, mais algum inglês ou estadunidense, vieram para trabalhar como colportores vendendo Bíblias e folhetos com porções das Escrituras. Eles eram pregadores para quem dona Sarah muitas vezes escreveu os sermões. Esses homens tinham o grande desafio de vender Bíblia para um povo pobre, com muitos analfabetos. Por isso o Dr. Kalley precisava sustentá-los com seus recursos. Logo alguns bispos e padres romanos começaram a dizer que as Bíblias de Londres eram falsas e seus fiéis estavam proibidos de ter acesso a elas.

4. Usar a imprensa. Kalley resolveu usar o meio de comunicação de sua época para responder aos ataques e defender as Bíblias de Londres. Além disso, ele foi o primeiro tradutor de John Bunyan (1628-1688) para o português, e o fazia em pequenos espaços pagos no Correio Mercantil. “A Viagem do Cristão” se tornou tão popular que ele precisou publicar um trecho a cada dois dias. Além disso, Kalley usava teatros e salões de recital para falar acerca da Cidade Santa, como o fez no Teatro de Santo Antônio, quando esteve no Recife, e na casa real de veraneio em Petrópolis, por solicitação do próprio Dom Pedro II.

5. Receber apoio de aliados. Intelectuais e liberais começaram a ver na pregação evangélica de Kalley um caminho para emancipação do pensamento que até então estava atrelado à Igreja ultramontana e à Coroa. Kalley era moderno e combinava mais com os anseios republicanos de então. Ele aceitou que maçons e jornalistas ajudassem na causa de defesa das Bíblias, como fez Abreu e Lima, por exemplo.

6. Conhecer as leis do País. Kalley entendeu que não bastavam os colportores vendendo Bíblias nas ruas e ele se defendendo dos ataques de Roma através da imprensa, com apoio de amigos. Resolveu se explicar perante as leis do País e do Parlamento, mediante contratação de 3 advogados de notório saber jurídico, entre eles Joaquim Nabuco. Após o questionamento de suas 11 perguntas, ficou estabelecido pelo Parlamento, que não era crime, como antes se julgava, explicitar a fé protestante para qualquer brasileiro que buscasse explicação, uma vez que ele pregava para portugueses que, por acaso, falavam a mesma língua que os brasileiros.

7. Antecipar eventos libertários. Dr. Kalley exigiu que os membros da Igreja Fluminense libertassem seus escravos sob pena de exclusão. Alguns escravos foram libertos, mas alguns senhores deixaram a igreja por causa dessa condição. Vale destacar que isso aconteceu 23 anos antes da assinatura da Lei Áurea. Também convém lembrar que Dr. Kalley, na condição de médico, cobrava muito bem dos ricos e consultava os pobres de graça, além de lhes doar o medicamento, muitas vezes. 

8. Fraternidade confessional. Dr. Kalley sabia diferenciar as coisas. Antes de vir ao Brasil, foi missionário na Ilha da Madeira. Ali, fez amizade com o bispo romano que era seu paciente, que facilitava entrada de Bíblias na alfândega e avisava das intenções dos bispos de Portugal. No Brasil, foi amigo de padres. Seu revisor de texto era romano e o convidou para um casamento: os Kalley atenderam. Muito contribuiu com os presbiterianos recém-chegados dos EUA. Aceitou ajuda pontual de anglicanos no Rio. Seu pastor auxiliar, Rev. Richard Holden, era ex-sacerdote anglicano. Deu carta de transferência para um jovem que veio a ser o primeiro pastor presbiteriano ordenado no Brasil. Não podemos dizer que Dr. Kalley era ecumênico, pois ainda não existia o termo, mas ele tinha esse espírito.

9. Música aliada à missão. Foram os Kalley os pioneiros na confecção de um hinário brasileiro em português, o Salmos & Hinos. Também instituíram o canto coral a quatro vozes ao publicarem o Salmos & Hinos com música.

10. Saber a hora de sair de cena. Talvez esta seja a lição mais difícil, pois não é fácil estabelecer os limites da nossa atuação pública no ministério. Sarah e Kalley prepararam a igreja, a liderança e um sucessor que estudou teologia, para ser pastor da Igreja Fluminense.

Estes pontos nos mostram missionários sensíveis à conjuntura brasileira e uma postura comprometida com a radicalidade do Evangelho, enfrentado os desafios com os recursos disponíveis no seu tempo. Assim, abriram o caminho para formação de uma liderança nacional e deixaram duas igrejas com bases sólidas para um crescimento real e genuíno.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Certo dia

Adriele, Wisley Filho ao colo, com
Patric (+12/10/2017) e Jonatan (+17/10/2023), primos entre si assassinados em assalto.

 Certo dia, saí sem rumo. Porque alguém me dizia que era fácil encontrar Deus. Mas eu sufocava com tudo o que era triste.

   Eu pensava, não posso ser um cínico. Alguém indiferente ao sofrimento alheio. E eu via gente anestesiada para o sofrimento e ainda gente anestesiada com, isto é, acostumada a sofrer.

  E via aqueles que provocavam o sofrimento nos outros seguindo impunes. E quem deveria cobrar deles, na proporção do mal que causavam, esses então indiferentes.

   Isso me causou tanto mal, que eu achei que ia ficar doente, por dentro, revoltado, amargurado, cheio de ódio. Eu então comecei a pensar qual seria ou se havia um remédio.

   Porque o mal, então, que via neles, com o meu desejo de vingança, tudo somado, ia me fazendo igual. Eu, se pudesse, seria ainda mais mau, eu seria pior. Eu saí assim.

   Para mim, ser alegre, sorrir, então, seria como estar dopado, entorpecido, sob efeito de uma droga qualquer, ainda que somente o álcool. Minha alegria não seria, nunca mais, verdadeira.

   Em mim, o mal havia vencido. O sofrimento me dobrou, fiquei prostrado. Se alguém visse meu riso, não estaria vendo meu coração. Seria tudo mentira. Então, pensei: somente a vingança me trará de volta a paz.

   Foi então que alguém me lembrou da cruz. Disse que no caminho até Deus, há uma cruz. Eu não entendi. Explicaram: Deus deu o Filho dele ao mundo. Como assim, perguntei?

   Explicaram: Jesus Cristo é o Filho de Deus. Deus o deu ao mundo, e eles o mataram crucificado. Ora, mas quem o matou? Todos os que o rejeitaram. Como assim rejeitaram? Não era o Filho de Deus?

   Quem passou a odiá-lo. Sem motivo. Aliás, não há motivo para odiar. Assim o Filho ensinava. Mas odiaram-no sem motivo. Rejeitaram-no e o mataram. Havia quem não queria matar? Sim, havia, mas era uma minoria. A maioria quis matar.

   Essa história acabou? Não. O mal nunca vence. Mas não mataram o Filho de Deus? O mal então venceu. Não venceu. Ele ressuscitou. Venceu a morte. Ela é o pior mal. Ela é a maior dor. E o que foi feito dos que mataram o Filho de Deus?

   Ele perdoou. Como assim perdoou? Deu uma nova chance. Caso se arrependessem. Mas arrependimento não paga o preço da vingança. Deus paga todo o prejuízo. O Filho de Deus pagou todo o preço, inclusive o preço da vingança.

   Então quem matou fica impune? Não. Mas a vingança pertence a Deus. Porque somente Deus para tirar de nós a mágoa que nos consome. Essa vitória do mal, que invade nossas vidas, para nos fazer maus, igual a eles, essa mágoa somente Deus retira.

   Ora, mas por que Deus permite a maldade? Por que uma maldade maior do que a minha, de que não sou capaz de fazer, me atinge? Devasta a minha vida. Fica um vazio onde estava quem eu ainda amo.

   Não há razão e reposta para a maldade. Só sabemos que não vem de Deus. E não queremos, por vingança, ser tão maus como são eles. Nem ainda pior do que eles. Então deixa para Deus a vingança.

   Mas sempre, sem nunca esquecer que Deus não é vingança. A nossa sede de vingança. Deus é amor. E este é o remédio. Deixa perdurar o amor. Quem prevalece, na vida de quem não rejeita o Filho de Deus, é o amor.

   Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito. E ainda que o assassinassem na cruz, perdoou. Deu chance de arrependimento. Arrependimento é quando se deseja nunca ter sido mau.

   Mas e as consequências do mal? De novo, Deus paga o prejuízo. Não se deixe vencer pelo mal. Vence o mal com a bondade de Deus. Fique leve. Depõe esse peso. Larga de mão essa carga. Você não vai estar traindo a memória de quem foi bom.

   Mas vai dar a Deus o espaço de ação que é de Deus. Ele vai trazer alívio. Paz. O amor de Deus excede todo o entendimento. Eu quero ser tomado do amor de Deus, que dEle é toda a plenitude.

   Um dia saí por aí, desconsolado. Arrasado. Sem mais ser eu. Então, falaram de Deus para mim. E eu perguntei mas onde? Então disseram que havia uma cruz no meio do caminho. Lugar de violência, sim, da parte dos homens, mas também de amor, agora, da parte de Deus.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Um textão para o crente Abraão

     Novamente o crente Abraão. Talvez fosse possível pensar-se as Escrituras sem o crente Abraão. Uma das flagrantes e mais exposta evidência de autenticidade dela é sua simplicidade.

   Elas partem já da evidência de que Deus existe. Pois, ainda no Gênesis, quem se põe a falar de Deus, inicia descrevendo a criação. Supõe-se estar mentindo?

  Fala de Deus para informar o como. Ao mesmo tempo que fala da Criação, expõe Seu autor. E assim espera que tenha credibilidade. Pode-se afirmar sobre o gênero textual o que se quiser.

   Mito, que seja. Mas essa concepção não era conceitual para a época de sua formulação e quem compôs não expunha um deus de mentira. Acreditava e deseja que acreditassem.

   E com sua continuidade, as Escritiras seguem de modo sempre simples e ao alcance de seu leitor. Evidentemente que o perfil desse leitor não corresponde às exigências do leitor atual. E nem o que se conhecia, no tempo, de seu contexto, equivale ao atual.

   Um dos principais erros de abordagem das Escrituras é exatamente este, de olhar e avaliar pelos olhos de hoje, com as exigências do século atual, o que se expressou numa linguagem, contexto e ótica antigos.

  Personagens como o já mencionado, colocado em destaque, dão personalidade à fé. A partir dele, constrói-se um modelo definido de crer, que percorre Antigo e Novo Testamentos. Personalidade que dá personalidade à fé.

  Abraão em seu locus original, no AT, afirma-se dele que creu em Deus. Essa assertiva segue destacada por Habacuque, na mídia da tabuleta, onde escreve "o justo viverá por sua fé". Argumentação esta posteriormente desenvolvida por Paulo, em sua carta aos Romanos.

   Afirma-se, de Abraão, que Deus lhe disse "sai da tua terra e da tua parentela", para logo acrescentar um rol de promessas, todas elas mais de projeção subjetiva do que estritamente literal.

   Por exemplo, a "grande nação" não seria, literalmente, tornar os judeus a maior nação do planeta, nem em tamanho ou em relevância. Mas tornar amplo e incontável, entre todas as nações, um povo "de propriedade exclusiva de Deus", como interpreta Pedro, em sua segunda epístola.

   Deus falou a Abraão e lhe fez promessa. Então, lemos essa história. E logo a aplicamos a cada um de nós. E saímos por aí dizendo que Deus também falou conosco. E nos fez promessas semelhantes.

   E não as interpretamos, no sentido objetivo, como acréscimos materiais ou físicos, senão, para usar esse termo, por aspectos subjetivos, espirituais, ou seja, a mesma fé que inclui Abraão nos inclui, como ele, sob os cuidados do Deus dele (e então nosso).

   Vivemos hoje. Num totalmente outro contexto de vida. Mas a mesma certeza de fé nós a temos. Deus falar a Abraão, fazendo a ele as promessas que fez, inclui tanto o patriarca, quanto a cada um de nós.

   Simples assim. Alguém pode dizer, Abraão é um personagem ficcional. Mas eu não sou. Pode-se contra-argumentar, mas você está embalando num mito, diga-se. Então, eu replico que Deus não é um mito. E, definitivamente, creio que Ele fala por meio das Escrituras.

   Com personagens tão históricos quanto eu. E caso os milagres sejam, um a um, questionados, falta dizer que um deus desprovido de qualquer capacidade, senão aquela que a mente do século atual concebe, não é mesmo Deus.

   Portanto, voltamos à página 1 da cartilha: se Deus existe, fala. Então, concordo com o autor (anônimo) da Carta aos Hebreus: "Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras".

   Falou aos pais, ou seja, antigamente. E agora fala pelo Filho. Se Ele existe, fala. E Sua fala está nas Escrituras. De uma vez por todas entregue aos homens. Por meio de quem a escreveu, daqueles que as tradicionaram, dos que lhes fizeram as versões, até chegar a quem, com sofreguidão, lê suas linhas.

   Chega simples, chega audível, chega crível esta palavra. E hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais o vosso coração.

domingo, 8 de outubro de 2023

Quando virdes essas coisas

 ³³ "Assim também vós: quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas."

Mateus 24:33

   A uma pergunta dos apóstolos, Jesus discorre sobre uma ênfase acertada em seu eixo. Trata-se de uma questão atual, cuja ênfase perdura.

   A construção do templo era um orgulho nacional para os judeus. Sua origem estava envolvida num pacto entre Deus e seus dois principais reis: Davi e Salomão.

   O primeiro, teve no coração o desejo de erguer, para o Senhor, uma casa. Deus adverte de que não habita templos erguidos por mãos humanas. Embora aceite, como o foi com Moisés, no deserto, que os planos de se erguer o templo sejam definidos.

   Mas revela a Davi que o reino a ele prometido, em profecia, não é humano, porém eterno. Que ele mesmo, como rei, não será o edificador do templo (e nem do reino), mas seu filho Salomão (do templo, e Jesus, Filho de Deus, do Reino eterno). E que essa aliança se estende a todo o povo de Israel (aliás, a todas as nações, como prometido a Abraão).

    Em Êxodo 40,34, tanto quanto em 2 Crônicas 7,1, a glória do Senhor aparece, seja na consagração da Tenda do Tabernáculo, no deserto, quanto na consagração do Templo, em Jerusalém.

   Dessa forma, Deus legítima a intenção das duas casas, seja aquela dos primórdios, ainda da peregrinação pelo deserto, seja esta mais recente e definitiva, sob Salomão.

   Mas ao longo da história do povo, a referência do templo, que indica a presença do Senhor, perde sua força simbólica, em função da infidelidade do povo de Israel.

   A injustiça social denunciada pelos profetas, assim como a corrupção moral do sacerdócio e insistência do povo em seguir a idolatria, afastam do Templo a glória do Senhor.

   Como insiste em denunciar Jeremias, não é o Templo que é santo, não o lugar, em si, mas quem oferece a oferta e quem foi indicado por Deus que o reprensente. E Ezequiel, em sua vocação, como profeta, vê a glória do Senhor fora se sua casa, mas presente entre os exilados.

   Portanto, Jesus retoma a ênfase de Jeremias, quando indica que não é a construção do templo que guarda consigo a presença de Deus, mas a revelação, em si, de onde, verdadeiramente, Deus habita.

   Jesus alinha os sinais: 1. virão muitos, falsamente, em seu nome; 2. rumores de guerras, nação contra nação; 3. perseguição contra a igreja; 4. razão, por que, muitos esfriarão na fé; 5. a pregação do evangelho se espalhará por todo o mundo.

   Logo depois Jesus se concentra nos acontecimentos históricos mais próximos e relacionados especificamente a Israel. Mas todas essas menções de Jesus têm dupla referência, aplicando-se a Isarel, assim como aos acontecimentos escatológicos.

   Jesus enumera: 1. fuga alucinada e atribulada pela surpresa dos acontecimentos; 2. uma tribulação incomparável, como nenhuma outra; 3. falsos Cristos e falsos profetas com surpreendentes sinais e prodígios do engano; 4. sinais nos astros, como foi estabelecido em Gênesis 1,14.

   Então virá no céu o sinal do Filho do homem. Diferente de quando, pela prirmeira vez, anjos somente anunciaram aos pastores o nascimento de Jesus, deste vez ele mesmo aparecerá. E os anjos, com ele, recolherão os salvos por onde se acham dispersos.

   Com esse sermão Jesus ajusta o eixo de suas predições e como devemos esperar: 1. nós somos o templo de Deus, onde habita o seu Espírito e é vista a sua glória; 2. o evangelho é a prioridade de proclamação da igreja, já como um sinal de vinda iminente de Jesus; 3. guardamos conosco a autenticidade da fé na pessoa de Jesus, sem que nos deixemos enganar por falsos profetas, pelo falso Cristo e por sinais e prodígios da mentira.

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Culto com Melquisedeque

 Gn 14,12-24

¹⁸ Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; era sacerdote do Deus Altíssimo;
¹⁹ abençoou ele a Abrão e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra; ²⁰ e bendito seja o Deus Altíssimo,
  que entregou os teus adversários nas tuas mãos. E de tudo lhe deu Abrão o dízimo. 
Gênesis 14:18-20

    1. O poder material de Abraão
Erro frequente e desonesta proposta de "igrejas de arrecadação" é prometer que qualquer crente pode ser rico como Abraão. Nada de errado há com a riqueza, se for obtida por meios honestos. Mas tê-la como principal propósito da vida, certamente, desvia do real propósito de Deus para nós.
    2. O poder espiritual de Abraão
Esta era a riqueza de Abraão. As Escrituras descrevem seu testemunho. Até numa guerra de guerrilha esteve envolvido, mas seu trato com os bens recolhidos e com as pessoas marcaram os efeitos de seu caráter e de sua comunhão com Deus. Celebrou a vitória não com um banquete, mas com um culto, em companhia de Melquisedeque.
    3. O referencial de fé para Abraão
Abraão não foi o primeiro a crer. Herdou a mesma fé de seus antepassados, mas precisou crer, ser convertido, mesmo porque não era de família crente em Deus. Certamente a fé de Melquisedeque chegou ao patriarca. Desde que atendeu ao chamado de Deus, reconhecendo sua vocação e peregrinando por Canaã, transmitiu com fidelidade seu testemunho de fé.
    4. O cerimonial do pão e do vinho
O simbolismo do pão e do vinho eram antigos. A cerimônia da Páscoa o adotou. E dela Jesus apontou para esses dois elementos que o representam, no sacrifício da cruz. Reprentam comunhão, alegria, mas também sofrimento, tanto no contexto da Páscoa, como atualmente no contexto da Ceia do Senhor.
    5. Bendito Abraão, pelo Deus Altíssimo, bendito o Deus que abençoa.
Como Paulo menciona em Efésios 1,1, Bendito o Deus de bênçãos. Como foi com Abraão, mais do que esperar bênçãos, devemos ser bênção. O evangelho não está posto para compor nossa personalidade, como acessório, ou para turbinar nossa vaidade. Mas para nos deixarmos gastar no compromisso que, por meio dele, devemos ter com Deus.

   1. Podemos não ter chance de bens materiais que nos enriqueçam (como o jovem rico que não trocou os bens por Jesus).
   2. Mas temos chance do poder espiritual: que não é para nos enriquecer materialmente, mas para nos ensinar que (1) tudo pertence ao Senhor, (2) devemos, então, viver no mundo nossa vocação, (3) testemunhando com fidelidade nossa fé.
   3. Melquisedeque traz e tem a mesma fé que Abraão tem, conhece e compartilha: o testemunho em Canaã, tanto dele, quanto de Abraão, comprova o valor de uma vida andando por fé. Sem fé, impossível agradar a Deus.
   4. Pão e vinho representam sustento, alegria, provação, comunhão. Rt 2,14. No texto da última Páscoa, Jesus retira a simbologia para lembrar o pão, que desceu do céu, Jesus, para dar vida ao mundo, o sangue pelo perdão dos pecados e a videira do testemunho, que é a igreja.
   5. Como Paulo aos Efésios, Deus é o Deus de bênçãos. Abraão segue com seu testemunho, andando por sua fé e enaltecendo o nome do Senhor. Quando chamado, ouviu de Deus: "Se tu uma benção", e cumpriu sua vocação.

Lições práticas:
1. Riqueza, para Deus, são os dons eternos que dEle recebemos, para testemunhar enquanto, nesta vida, formos peregrinos;
2. Abraão deu sua vida inteira ao Senhor, significando que tudo pertence ao Senhor. Por isso deu o dízimo a Melquisedeque.
3. Há quem se nega a entender que 1/10 é para o privilégio de sustentarmos a obra do Senhor. Deus não precisa de nossa esmola. Ou somos dele e tudo o que temos é dEle, representado na escolha de dar a décima parte (e ficar com 9 (nove) partes), ou nossa vida está avarenta e desorganizada.
4. A escolha de Abraão em fazer um culto e não uma festa ou banquete foi coerente com a vida que vivia em meio àqueles reis e líderes em Canaã. No próprio diálogo com o rei de Sodoma, demonstrou seu desapego com os bens materiais e sua honestidade diante de Deus.