quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Deus dos detalhes

      Certo. Não está escrito em lugar nenhum na Bíblia que Deus conta ou sabe da quantidade de folhas que caem. Porque não precisa. Ele sabe. 


      Agora, fios de cabelos contados, a Bíblia fala deles, em Lucas 12,7, na versão lucana do Sermão da Montanha. Por que falar disso? Para falar que Deus se atém a pormenores. 

      A todos os pormenores. Há uma crítica burra e rasa, feita por pseudo cientistas amadores, de que, por exemplo, se chove, Deus acionou a chuva. Se venta, Deus acionou o vento. 

      Ora, meu pai dizia que Deus rege o mundo com leis sábias. Pois prefiro a opinião dele, para dizer que não são em todos os processos que Deus interfere. 

       Consequências ou sequências de processos físicos, na natureza, assim como químicos, variações macro, como a gravitação dos planetas, ou micro, como o movimento invisível dos sistemas em nosso organismo, estão entregues a um modo natural de procedimentos.

      Mas, por exemplo, as queimadas, elas têm a nossa assinatura. Animais irracionais, assim chamados, não estão pondo em risco o planeta. Os racionais top de linha da "evolução", não sei que evolução é essa, esses sim vão destruí-lo.

      Portanto, Deus, na Sua soberania, sim, é detalhista e rege tudo, tendo a conta dos cabelos que caem e dos que ficam na cabeça, como a Bíblia diz, ou a conta das folhas que caem e das que ficam nas árvores, como a Bíblia não diz e nem precisa dizer. 

       Basta selecionar, por sua temática,  alguns salmos, como o 139, ou ler alguns trechos das reclamações de Jó, para saber do que Deus se ocupa. Aprecia a beleza de Sua criação e, quanto a nós, nos fez a Sua imagem e semelhança. 

     Perdemos essa faceta, na queda. Mas, qual artista, em estado de arte, como diz Paulo aos Efésios 2,9, poiema, "criados em Cristo Jesus" somos um poema de Deus. Com isso, prioritariamente, Deus se ocupa. 

      Em Filipenses 1,6 está escrito ergon agaton, quer dizer, a "boa obra" de que Deus se ocupa e vai completar em nossa vida. E em 2,13 Paulo afirma que Deus "opera", energon, em nós, "tanto o querer", telein, "como o realizar", energein.

    Ou seja, Deus quer nos iluminar para que o nosso querer seja tal que a obra que resulte seja inspiração dEle e realização conjunta nossa e dele.

      Não sabemos como ou quando Deus interfere nos processos rotineiros da natureza. Milagre é essa alteração. Mas podemos realizar, sempre, nos mínimos detalhes, obras que sejam indicação dEle, assim como parceria com Ele. 

     Que seja essa a obra que sempre desejemos realizar. E que não atrapalhemos o que Deus quer realizar em nossa vida e por meio dela. Porque quer completar, em Cristo, e até (e para) o dia de Cristo a obra que em nós realiza. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Sequidão de estio

 

       O Salmo 32 define a radicalidade do pecado e os estragos em seu portador. O problema é que todos somos portadores desse mal. O Salmo inteiro, expressa, em termos democráticos, sem isentar nenhum vivente, esse tour existencial de experiência. 

    “Bem-aventurado", "confessei-te o meu pecado", "todo homem (ou mulher) piedoso(a) te fará súplicas", "alegrai-vos no Senhor" indicam o alento que, didaticamente, o salmista deseja transmitir, especificando, nessa experiência comum, o jogo aberto com Deus na expressão dessas mazelas. 

     E não poupa pormenores mais sórdidos, fazendo veemente advertência, caso sejamos tentados, a menosprezar a principal lição transmitida. "Calar os pecados", "mão que pesa dia e noite", "não seja como o cavalo ou a mula", "muito sofrimento terá de curtir o ímpio", esta parte, tão real quanto a anterior, deve ser evitada e, para tanto, o salmista compartilha conosco sua lição.  

      Sequidão de estio, tirada da vida prática a metáfora, caracterizada pela estação da seca, exprimindo a condição interior de quem não encara de frente, dia a dia, a triste realidade do pecado em sua própria vida. Mas com Deus, até em sequidão de estio há frutos. Lendo Números aliás, desde o Êxodo, conferimos as "estações da rebeldia" nos conflitos de Israel com Deus, pelo deserto.

        Quase duvidamos de Oseias, quando diz que o deserto foi o namoro de Deus com o povo escolhido. Afirma que ali Deus lhes falou ao coração. Sequidão de estio com Deus é ouvir a voz dEle ao coração. Significa experimentar o Seu amor e esperar os frutos. Significa ser, por Deus, amarrado com cordas de amor.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Deus e o diabo na terra de Jó

 "É sem motivo a fé de Jó?"

    Essa foi a pergunta de Satanás a Deus. Queria provar ser fraude em Jó tudo que se dizia dele. Torturado por perdas, haveria de ficar comprovado. 

    Há muitos, aliás, no Brasil, sem conta, que colocam os bens acima de tudo. Até mesmo e displicentemente acima do caráter que não têm. 

    Que dizer acima de pessoas. Certamente na vida de Jó a perda de toda a família foi a maior. O maior bem de Jó e sua maior riqueza eram filhos, filhas, esposa, servos seus, enfim, pessoas. 

   E o que lhe proporcionava essa opção de valor era sua fé. Esse valor somente se obtém por fé. Uma fé sem fingimento, como destacou Paulo ter Timóteo, a mesma de sua mãe e avó.

   Mas Satanás apostou que diante das perdas, ele perderia também a "fé", que o danado supunha ou queria provar ser frágil ou mesmo falsa. Perdeu. 

    Mas não pensemos que foi uma aposta entre compadres. A humanidade não é fruto do acaso e nem videogame para diversão sideral. 

   Claro que os bandos que atacaram as fazendas de Jó, o cataclisma que derrubou sobre os filhos e filhas a casa e as demais pragas que lhe tiraram a saúde tudo estava sob a permissão de Deus. 

    E também Deus não é tentado pelo mal, portanto não cedeu à sugestão de Satanás, que tem como agônica e permanente missão provar que, por detrás da fé, há interesses inconfessáveis e fraudulentos. Perdeu.

    Com Jó, perdeu. Deus mesmo é o motivo da fé. Compadres são Deus com todo o que crê. Compadres velhos conhecidos eram Deus e Jó. Aliás, são, eternamente.

    Fé resiste toda e qualquer prova. Ela só aumenta. Sofrimentos como esses se cumprem, espalhados por todo o canto. Sofrimento não vem de Deus, mas está associado à condição humana.

   Um dia não mais haverá nenhum tipo de sofrimento. Mas, por enquanto, nesta vida e nesta nossa condição, são-nos comuns. A fé também para eles é socorro, solução e termo. Porque a fé tem um único objeto. 

   Pode-se dizer que o sofrimento é aleatório. E até seu sensível reconhecimento também depende da ação misericordiosa de Deus no homem. Por exemplo, era por amor que Jó considerava sua família bem maior do que suas posses.

    Mencionamos aqui quem inverte esse valor. Isso é maior sofrimento. Porque torna alguém e todos à volta objeto de sua cobiça. Mas somente assim entende-se sensível quem se submete à misericórdia que é o amor de Deus. 

    Mal maior é não compreender o motivo da fé. Não era mercado, matéria de troca ou interesseira a fé de Jó. Era sem fingimento. Autêntica. Não escolhemos sofrimento e perda. Mas fazem parte de nossa existência, intimamente associada a pecado e sofrimento.

   Mal maior é enfrentar sem fé. Mal maior é ser um promotor de perda e sofrimento. Pecado é perda total. É sofrimento maior. É sinistro cujo seguro de vida, literalmente, está com Jesus. Grátis.

    No início da criação, como imediato recurso após a queda do casal primordial, Deus prometeu a Si mesmo que seria ferido pelo único sofrimento que é vicário, qual seja, no lugar de todos os outros e remédio definitivo para todos eles. 

    Podemos até desviar os olhos diante do pavor que nos proporciona ver, na face de Jesus,  todo esse sofrimento estampado, como anota Isaías, Jesus, "homem de dores, que discerne o que é  sofrimento e de quem escondemos nosso rosto".

   Mas Jesus é cara limpa. E na sua face vemos o rosto de Deus. Este é o motivo da fé, único recurso que nos resta entre a queda e a total redenção. Porque sem fé, é impossível agradar a Deus. 

    Veja o reflexo da glória de Deus na face de Jesus. Veja no rosto de Jesus o sorriso de nossa maior saudade,  que é sua companhia. E a certeza de que o sorriso de todos os que creem, um dia, vão se encontrar juntos, morando na cidade cujo nome Ezequiel indica como última legenda de seu livro: "o Senhor está ali".

      Este é o único motivo da fé.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

 Jó

    Introdução 

    Tão pequeno o nome, e tão rico em lições para cada um de nós. O livro começa com a síntese bíblica de sua personalidade. 

     Portanto, a primeira lição do livro com que a Bíblia nos deseja despertar é para a sua personalidade marcante.

     Há muitas outras sínteses se personalidade na Bíblia, como  de Noé, por exemplo, e Daniel, citados junto com Jó pelo profeta Ezequiel. 

     O profeta equipara a justiça desses três à falta dela entre o povo. De Daniel, a síntese é que "resolveu firmemente não se contaminar", Dn 1,8, enquanto que Noé, pelo que está em Gn 6,8-9, "achou graça aos olhos do Senhor" e "Noé andava com Deus".

      Antes de que mergulhemos na jornada que nos leva até o último capítulo do livro, em meio às alterações com os amigos e com o próprio Deus, diante de nós está a síntese de sua personalidade. 

    O hebraico enfatiza da seguinte maneira a pessoa de Jó:

"Homem houve na terra de Uz. Jó o nome dele. E o homem que ele era íntegro e reto e temente a Deus e errava o mal".

     A expressão popular atual "me erra" era a permanente postura de Jó diante do mal. A Bíblia adverte para fugir até do mal aparente, 1 Ts 5,22, mas não recuar diante do próprio tentador, Tg 4,7.

    Quanto ao temor do Senhor, era a atitude permanente dos crentes na igreja de Atos dos Apóstolos que, com todas as outras, compunha o quadro de virtudes que a mantinha viva e ativa: "em cada alma havia termor", At 2,43.

     E quanto a ser íntegro e reto, trata-se se de uma expressão que não se quebra,  de uma vez definindo duas posturas que não são independentes, mas somente ocorrem em conjunto. 

    A primeira lição no livro de Jó e aprender a praticar esse mesmo modelo de personalidade. No Novo Testamento há três textos que podem ser indicados como modelos dos itens que devem compor a personalidade de quem deseja seguir esse modelo. 

    As características das bem-aventuranças, em Mt 5,1-12, o fruto do Espírito, em Gl 5,16-26, e 2 Pe 1,3-11, que indica o conjunto de virtudes que se entrelaçam na constituição da personalidade de quem verdadeiramente  crê em Deus.