sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

       Na vocação de Jeremias, Deus lhe diz "velo sobre minha palavra, para a cumprir". E vota que Jeremias seja um "cara dura", contra tudo e contra todos. 

    Em Judá de seu tempo, o que restava, na virada do séc VII para o VI a. C, do povo judeu, no reino de sul, cuja capital era Jerusalém, a vida política se resumia na conjunção entre trono e sacerdócio.

     Ele começa no tempo de Josias, um rei de autoridade forte, garantido politicamente por um grupo misterioso, denominado "povo da terra", que, após o assassinato de seu pai, Amon, em apenas dois anos de reinado, garante sua subida ao trono, com apenas 8 anos de idade.  

     Rei reformista, que contrariou uma gama de religiosos mistos, simuladores da religião de Israel, mas servidores nos templos idólatras, os chamados "altos", que eram templos de religiões alienígenas, inaugurados ainda por Salomão, e mantidos até essa época. 

      Josias foi o único com coragem para profanar as sepulturas dos antigos sacerdotes desses cultos, desenterrando e queimando seus ossos nos altares desses templos. Poupou uma única sepultura, quando foi informado de que ali repousava um profeta que anunciara esses dias. 

     Jeremias, sacerdote fora de função e, por isso mesmo, odiado entre seus iguais, começa seu ministério nessa fase alvissareira. Sofonias havia profetizado pouco antes e não poderia haver clima melhor para a vida de qualquer profeta. Até Hulda, uma mulher guindada a essa mesma condição de profetiza, apoia as reformas de Josias, com respaldo no livro que foi encontrado nas faxinas do templo em Jerusalém, muito provavelmente um rolo do Deuteronômio.

     Com garantia e força política, a palavra desses profetas tinham eco e efeito garantido para fazer valer o empenho em sanear uma sociedade tão intrincadamente corrupta, hipócrita e de fé esquizofrênica. Pelo que Jeremias e Ezequiel denunciam em sua profecia, a respeito do lado de dentro da estrutura moral daquela sociedade, somente o cataclisma que se avizinhava no horizonte poderia fazer com que toda a chaga desaparecesse. 

     Como bem havia definido Isaías, quase um século e meio antes, Israel, naquela época ainda dois tronos, Norte e Sul, era, "do alto da cabeça à ponta dos pés" uma chaga só, não cuidada e nem tratada com a profilaxia de uma fé genuína e saneadora. A única solução mais amena seria a conversão ao Altíssimo, desde os tempos de Amós, Oseias, Isaías e Miqueias, profetas contemporâneos, reclamada, mas nunca atendida. 

     Ao tempo de Jeremias, o que Judá viu acontecer a Efraim, em 722 a. C., diz o profeta, de nada adiantou e, como bem descreve Joel em sua curta profecia, os mesmos gafanhotos destruidores, babilônios ao sul, tanto quanto foi com os assírios ao norte, vão pôr fim ao que restou do último reino, do miúdo reino da dinastia e casa real de Davi. 

     Ao final da sequência de livros canônicos do Antigo Testamento, o aporte histórico indica perda total: a "terra prometida", a (meia) liberdade política do trono, já tributário de egípcios e babilônios, desde a morte precoce de Josias, em 609 a. C., e a demolição e incêndio do pavilhão do templo e toda a cidade, em 586 a. C., marcando um desfecho que nenhum profeta desejaria confirmar. 

      Jeremias punha-se, como que meio forçado pela não pesada de seu parceiro, como muralha e, semelhante a Ezequiel, com cara de diamante diante de tudo e de todos, em Jerusalém, indicando que há palavras e palavra. E sobre esta última, há zelo, da parte de Deus, o parceiro do profeta, em que seja mantida e cumprida. 

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