terça-feira, 24 de novembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

     Para conhecer a estrutura do livro de Jeremias, ou seja, o modo como chegaram até nós as coleções de textos que o compõem, é necessário debruçar sobre os estudos mais recentes. 

    O que significa recuar até 1901, com Duhm, depois avançar até 1914, com Mowinckel e, finalmente, alcançar Rudolph, em 1947. Em linhas gerais, as pesquisas desses autores nos darão pistas seguras para nos situarmos em meio às classes distintas de textos do livro. 

     Pelo menos três grupos principais, aos quais Mowinckel classificou pelas letras A, B e C, representam as modalidades gerais de textos: A, textos poéticos e narrativas em prosa, autobiográficas, diretamente atribuídos ao profeta.

     Os textos B, quase metade do livro, com narrativas biográficas em 3a pessoa, escritas por Baruque, seu escriba, mas também por outros autores desconhecidos. Podem ser colocados em ordem cronológica: cap. 26, 609 a. C.;19,1-20,6; 36; e 45, estes em 605; 51,59-64, 594; Jeremias X Ananias, cap.28 e Carta aos Exilados, cap. 29, em 593; o assédio à Jerusalém, 34,1-7, em 587; e demais acontecimentos, nos cap. 37-44, em 586.

     Os textos C, que segundo Rudolph são 8 em forma homilética e mais 2 como discursos narrativos, pertenceriam aos revisores da chamada escola deuteronomista, teoria esta que procura definir uma gama de autores presentes nos arranjos finais dos textos bíblicos, desde a última edição do Deuteronômio, passando pelos demais livros históricos e alcançado os textos proféticos. 

     Deve ser compreendido que os autores bíblicos, por exemplo os profetas, quando não escrevem, de lavra própria os seus livros, têm quem o faça, discípulos ou outros redatores que buscam preservar suas palavras. Na antiguidade, juntar esses escritos aos originais dos profetas não era fraude ou plágio, mas cuidado, preservação e detalhamento de um tesouro inestimável.

         Os grandes blocos do livro, portanto, compreendem, inicialmente, os textos de 1-25,13a, sendo que a partir daqui, na LXX, estão intercaladas as chamadas Profecias às Nações, 46-51, nesta numeração atual no texto hebraico. Neste primeiro bloco se encontra a coleção principal dos oráculos do profeta, constantes no chanado 1o rolo, antes que o rei Jeoaquim, filho de Josias, o queimasse, e fosse ordenado a Jeremias a sua segunda escrita, como 2o rolo, levada a cabo por Baruque. 
 
        O segundo bloco é o chamado Livro de Consolação,  cap. 30-33, que procura ser um alento, após as carregadas denúncias dos pecados de Judá e Jerusalém nas seções anteriores. A parte final, já mencionada, são os chamados Oráculos contra as Nações, 46-51, faltando mencionar e discriminar o conteúdo dos capítulos que medeiam esses três blocos. 

      Nicholson classifica o trecho de 26-36, de fora, como já vimos, 30-33, como uma coleção de oráculos e ditos proféticos de Jeremias, em sua maioria em prosa narrativa, contando "a história da palavra de Deus proclamada pelo profeta e rejeitada em bloco pela nação".

     Por exemplo, o trecho de 7,1-8,3 seria o Sermão do Templo, como apresentado por Jeremias, segundo a redação da escola deuteronomista, portanto um texto da família C, de Mowinckel, e o capítulo 26 seria a narrativa biográfica do contexto desse sermão, um texto pertencente à classe B, segundo o mesmo autor. 

      E a parte de 37-45 vai cobrir, também por textos predominantemente em prosa, o período da vida de Jeremias entre a queda de Jerusalém, em 587, e sua atividade em meio aos que não foram para o exílio, a rebelião que assassina Gedalias, governador imposto pelos babilônios, e o rapto do profeta na fuga desses conspiradores para o Egito. 

     O capítulo 52 é um apêndice histórico baseado  em 2 Reis 24,18-25,30. Em linhas gerais, a palavra de Deus tradicionada por Jeremias se encontra nessa forma estrutural. Cabe, agora, trafegar dentro de cada coleção, analisando cada trecho, porque foi desse modo que Deus falou, fala e vai continuar falando.

        "Pois velo sobre a minha palavra, para a cumprir", disse o Altíssimo a Jeremias, no ato da vocação desse profeta. 

    

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