sexta-feira, 18 de julho de 2025

"...e morte de cruz".

 Há trechos das Escrituras, toda ela, que são prova cabal de sua inspiração divina. Pedro, econômico em seus comentários, também certas horas fenomenal, acerta quando afirma:

²¹ "...homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo." 2 Pe 1.

  E essa economia precisa de palavra, essa precisão providencial de termos também aparece no texto que se considera um hino cristológico, provavelmente por sua típica forma, ritmo e progressão de ideias.

   Paulo, aos Filipenses, inicia com o esvaziamento de Deus. Mas essa ideia, fantasticamente improvável é nítida na história da salvação.

  A sobejamente conhecida e comentada kenosis divina. A questão do poder é sensível. Daí mais um contraste de identidade entre Deus e o demônio: este aspira ao poder máximo (que, blefando, oferece a Jesus na tentação).

   Enquanto Deus se esvazia do poder ao máximo, até à morte, e morte de cruz. Paulo palmilha cada etapa neste texto:

⁶ "...pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; ⁷ antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, ⁸ a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz." Fp 2.

   Usurpar para si o lugar que, naturalmente, a si já se pertence, é diabólico. Como define Judas, em sua pequena epístola: é perda de domicílio. Uma definição de demônios.

⁶ "...e a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia." Judas 1.

  Ninguém usurpa para si o que se lhe é concedido ou sua própria identidade, a não ser que perverta sua própria vocação. E isso é uma definição de pecado.

   Nossos pais, no Éden, chamaram para dentro de si o caos ao qual Deus havia posto ordem. Pelo retorno ao caos, herdaram desordem moral.  Na morte de cruz, o próprio Deus,  definitivamente, anula todo o efeito do caos.

   Ele põe ordem, cria novamente em Cristo e diz haja luz, agora resplandecendo Ele próprio dentro do coração e na face de Cristo.

⁶ "Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo." 2 Co 4.

   Cristo não usurpa para Si, ao contrário do anjo decaído, o lugar que, por direito e por identidade já é Seu. Mas cumpre sua trajetória, para fazer, de nossa trajetória, a dEle.

   Devolve-nos identidade, anula o caos de dentro de nós pelo efeito da suma ofensa da cruz, carrega nEle o nosso pecado, para sermos portadores nEle de nossa santificação, como nos ensina esse outro verso de mais um hino primitivo:

²⁵ "...o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação." Rm 4.

   Quando Jesus deu a Maria a resposta do limite, ensinava a ela que não se usurpa o lugar que já é seu. Até mães aprendem isso: não são donas dos filhos, pastores não são donos do rebanho e maridos não são donos da esposa.

⁴ "Mas Jesus lhe disse: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora." João 2.

   Somente Deus se esvazia. Somente Deus consegue abrir mão do poder (que somente Ele tem). Torna-se autenticamente homem. Torna-se servo.  Aprende a obedecer, pelo que sofre. E obedecer até à morte. E morte de cruz. A cruz que, definitivamente, aniquila o caos.

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