Há trechos das Escrituras, toda ela, que são prova cabal de sua inspiração divina. Pedro, econômico em seus comentários, também certas horas fenomenal, acerta quando afirma:
²¹ "...homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo." 2 Pe 1.
E essa economia precisa de palavra, essa precisão providencial de termos também aparece no texto que se considera um hino cristológico, provavelmente por sua típica forma, ritmo e progressão de ideias.
Paulo, aos Filipenses, inicia com o esvaziamento de Deus. Mas essa ideia, fantasticamente improvável é nítida na história da salvação.
A sobejamente conhecida e comentada kenosis divina. A questão do poder é sensível. Daí mais um contraste de identidade entre Deus e o demônio: este aspira ao poder máximo (que, blefando, oferece a Jesus na tentação).
Enquanto Deus se esvazia do poder ao máximo, até à morte, e morte de cruz. Paulo palmilha cada etapa neste texto:
⁶ "...pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; ⁷ antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, ⁸ a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz." Fp 2.
Usurpar para si o lugar que, naturalmente, a si já se pertence, é diabólico. Como define Judas, em sua pequena epístola: é perda de domicílio. Uma definição de demônios.
⁶ "...e a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia." Judas 1.
Ninguém usurpa para si o que se lhe é concedido ou sua própria identidade, a não ser que perverta sua própria vocação. E isso é uma definição de pecado.
Nossos pais, no Éden, chamaram para dentro de si o caos ao qual Deus havia posto ordem. Pelo retorno ao caos, herdaram desordem moral. Na morte de cruz, o próprio Deus, definitivamente, anula todo o efeito do caos.
Ele põe ordem, cria novamente em Cristo e diz haja luz, agora resplandecendo Ele próprio dentro do coração e na face de Cristo.
⁶ "Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo." 2 Co 4.
Cristo não usurpa para Si, ao contrário do anjo decaído, o lugar que, por direito e por identidade já é Seu. Mas cumpre sua trajetória, para fazer, de nossa trajetória, a dEle.
Devolve-nos identidade, anula o caos de dentro de nós pelo efeito da suma ofensa da cruz, carrega nEle o nosso pecado, para sermos portadores nEle de nossa santificação, como nos ensina esse outro verso de mais um hino primitivo:
²⁵ "...o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação." Rm 4.
Quando Jesus deu a Maria a resposta do limite, ensinava a ela que não se usurpa o lugar que já é seu. Até mães aprendem isso: não são donas dos filhos, pastores não são donos do rebanho e maridos não são donos da esposa.
⁴ "Mas Jesus lhe disse: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora." João 2.
Somente Deus se esvazia. Somente Deus consegue abrir mão do poder (que somente Ele tem). Torna-se autenticamente homem. Torna-se servo. Aprende a obedecer, pelo que sofre. E obedecer até à morte. E morte de cruz. A cruz que, definitivamente, aniquila o caos.
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