sábado, 12 de fevereiro de 2022

Fé e qualidade de vida

      Costume já natural naqueles anos, deu Terá o nome de Naor a um de seus filhos, sendo esse o nome de seu pai. Portanto, temos Naor, pai de Terá, avô de Naor, irmão do meio de Abrão e Harã. Interessante essa história de avós na Bíblia.

     E de xarás também. Temos um Lameque crente, pai de Noé, que deposita, profeticamente, no filho, a esperança de alívio, numa terra castigada por suas opções de pecado.

     Outro descrente, este descendente de Caim, que optou por assassinato por motivos fúteis, de propósito, como seu "tera-avô", além de casar com duas mulheres de uma vez, outra invenção contra os desígnios de Deus.

      Seu tataravô, que ironia, foi Enoque, não o crente, mas o filho direto e dileto de Caim, que fundou uma cidade, pondo nela esse nome de seu filho do coração. Isso tudo para dizer que nomes não guardam destinos neles fixados ou superstições.

      Josué, em seu sermão de despedida, menciona Terá, o pai de Abraão, advertindo o povo contra a idolatria. Porque estava sempre muito próxima do povo e arraigada nos vizinhos da terra que iriam ocupar. Que então atentassem em buscar ao Senhor, porque ele, Josué, e sua casa fariam assim.

     Daí ele mencionar a idolatria do pai de Abraão, a idolatria dos algozes egípcios do povo, em seus 400 anos de cativeiro, e agora a idolatria dos amorreus ou canaanitas, todas as famílias de que Deus havia dito, ainda nos dias de Abraão, que a paciência dEle, Altíssimo, ainda não houvera, naquela época, esgotado-se.

     Quem pois, evangelizou Abrão, se o pai era idólatra? A fé chegou ao patriarca, certamente, mas não, provavelmente, por ninguém de sua casa. A não ser que, como no caso da mãe ancestral, Eva, avó de Enos, ou sua anônima mãe ou avó, agora como no caso de Timóteo, que Loide e Eunice eram crentes, talvez uma dessas tenha falado a Abrão sobre o Deus de Melquisedeque.

     Aliás, esse nome pode ser uma pista do endereço dos evangelistas, por assim dizer, pois "evangelho", como boa nova, só vem com Jesus, mas o nome desse "sacerdote do Deus Altíssimo" seja uma pista segura do modo como a fé chegou a Abrão.

     A fé antecede Abrão. Existe antes dele. Não sabemos se criança, adolescente, jovem ou adulto ele creu. Quando Deus define seu chamado, ele já tem 75 anos. Não podemos dizer quando tenha sido convertido.

    Mas seu chamado foi duplo. Porque Gn 12,4 cita essa sua idade e a saída de Harã, mas em At 7,2, Estevão cita que Deus lhe apareceu quando ainda estava na Mesopotâmia. Terá sido aqui sua conversão? Porque Gn 11,31 afirma que a iniciativa de sair de Ur dos caldeus, na Mesopotâmia, foi de Terá.

     Essa saída pode ter sido por iniciativa de Abrão, tendo influenciado todo o clã, e a mudança para um lugar a que chamarão Harã, o nome do irmão cuja morte pode ter reforçado o desejo de migração, denuncia o apego deles entre si. O reforço da chamada de Deus, em Harã, que coincide com a morte do patriarca Terá motiva, enfim, a saída em direção a Canaã.

      O justo viverá por fé. Assim vamos examinar as estações da fé desse que será chamado o "pai da fé". Como primeira observação, a fé é maior e anterior a Abraão. Alguém o evangelizou, que pode ter sido uma das mulheres da família, algum parente ou algum estranho.

     Essa anotação de Estevão em seu sermão indica 1. que Deus lhe apareceu; 2. disse que saísse de sua terra e parentela; 3. fosse para um lugar ainda a ser indicado. Primeira decisão de fé. Não sabemos se aqui esse chamado coincide com a conversão de Abrão.

      Mas já foi o primeiro desafio de fé. Estevão assinala que as promessas feitas a Abrão pareciam o inverso, porque 1. nem 'espaço de um pé' Abraão teve na terra; 2. mas houve promessa de dá-la toda e a sua descendência; 3. ele não tinha filho, então, como descendência?

     Aprendemos algo sobre fé nessa etapa inicial da vida de Abrão. 1. a fé surpreende: imediata e sem grau previsível de maturidade; 2. não tem compromisso com coisas, com concretização de promessas, mas com a relação com Deus; 3. inclui, sim, aspectos terrenos, mas o seu principal aspecto é de natureza celestial, por assim dizer.

     O comentário do autor de Hebreus assim define: "Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria". Hebreus 11:13,14.

     Humanamente falando, a expectativa da fé pode ser frustrante. Pelo texto acima, deduzimos: 1. morre-se na fé, mas sem se obter as promessas de fé; 2. são verdadeiras, mas vistas de longe, saudadas de longe e se confessando resignação; 3. falar e compreender assim testemunha reconhecer a natureza da fé.

     Viver por fé, então, pelo modelo que Abraão nos adverte, significa: 1. conversão para um modelo de vida que tem a fé por aferição; 2. atender ao chamado de Deus independente do grau de maturidade de vida com Deus ou de vida de fé; 3. compreender que viver por fé não está associado a estocar bens ou coisas, mas na qualidade de relação com Deus.

     Vive-se neste mundo, com os pés no chão (com Deus, mais do que no chão, com o pé na estrada). Mas o modelo de vida traz para cá o que a pátria de Deus, a cidade de Deus, tudo o que o céu deseja antecipar. Paulo diz:

      "Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus". Colossenses 3:1-3

    O que ele quer nos dizer: 1. ser "ressuscitado com Cristo" significa ser convertido. Aqui se dá o chamado. Não sejamos como Abrão, a quem Deus teve que repetir o chamado; 2. buscar e pensar nas coisas lá do alto. Deus tem para a terra o padrão do céu. Venha o teu reino e seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.

    3. a nossa morte significa despir-se da mortalha de vida que o mundo oferece, presa e arraigada aos valores daqui de baixo, e buscar, pensar e porfiar pela vida que está oculta com Cristo em Deus. Que não significa uma vida remota, distante e alienada da realidade.

     Mas uma realidade interpenetrada e regida por ações de fé. Porque o justo viverá por sua fé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário