sexta-feira, 27 de agosto de 2021

O que fazer da glória de Deus

   A visão de Ezequiel é assombrosa, por sua magnitude. O tamanho dela conflita com a dimensão do desastre vivido. O profeta estava assentado no meio dos exilados.

     A condição de ânimo dos exilados é diversa. Porém, pelo menos há um consenso de angústia: distância remota da terra natal. E, no caso dos conterrâneos do profeta, ainda o intrincado da relação com Deus.

    Foi perda total. E não havia como avaliar que um "povo de Deus" estivesse numa condição daquelas. Por outro lado, também não havia como avaliar o grau de idolatria possível que grassou entre esse "povo de Deus".

     Jeremias, o equivalente se Ezequiel, em Jerusalém, já dizia que nunca havia visto infidelidade maior de um povo em relação ao seu Deus, posto que o único vivo, comparado às nações idólatras, 100% fiéis a seus ídolos.

     Arrasado, deprimido, sem ter o que dizer, apenas, de modo humano e solidário, sentado entre os exilados, Deus resolveu conceder ao profeta, como Jeremias um sacerdote fora de ofício, uma visão cinematográfica.

    A principal ideia era soerguer o profeta, primeiro ele, a fim de habilitá-lo para soerguer o povo. Nenhum deus era portador único da glória que somente pertence a Deus, cujo povo escolhido estava ali, prostrado, em terra estranha, para aprender fidelidade.

     Somente uma visão dessa magnitude concederia a Ezequiel suporte para levar adiante sua mensagem de restauração, ao mesmo tempo que detalhava denúncia, ainda, do grau de pecado desse povo. Visão rica em ícones de significado, todos eles apontando para a revelação última e definitiva de Deus em Jesus.

     Viu uma plataforma imensa e volante, por cima da qual um resplendor de fogo e um arco de esmeralda aparecia, ela mesma um mar vítreo infinito, ao redor da qual uma brutal tempestade se desencadeava, com raios, nuvens e trovões. Ezequiel 1,25-28.

     Abaixo dela descreve que viu quatro "seres viventes", porque não tem outra forma objetiva como denominá-los, como que sustentando essa mesma plataforma, com desenvoltura e performance de um movimento fisicamente impossível, com aparência mista, asas que cobriam o rosto, asas que lhes davam mobilidade, assas que lhes cobriam os pés, ao mesmo tempo que rodas também volantes que os acompanhavam para onde iam e vinham, ao mesmo tempo, para todas as direções. Ezequiel 1,5-21.

     E a personagem principal da cena, de onde procedia todo o comando, a mesma voz assombrosa que vai se dirigir ao profeta, era de uma figura, por mais absurdo, irreverente e reducionista que possa parecer, semelhante a homem e sentada num trono de safira, figura essa indicada, desde o início, a partir do ponto mínimo de surgimento da visão, a de maior destaque, embora a mais misteriosa: o texto se reporta a ela, da mesma forma que os "seres viventes", e ela se reporta ao profeta, ao mesmo tempo que a nós. Ezequiel 1,4.25-28.

     Isaías teve uma visão simplificada desse mesmo viés, somente que o "Ser sentado no trono" estava dentro do templo, e agora Ezequiel presencia esse mesmo Ser no exílio, a céu aberto, manifestado a ele, às margens do rio Quebar, em Babilônia. João, no Apocalipse, descreve esse mesmo trono, os mesmos seres viventes, a mesma voz que vem do trono. Somente que a visão de Ezequiel é mais ampla e detalhada.

     1. Põe-te de pé; 2. Falarei contigo; 3. Entrou em mim o Espírito, para que eu ouvisse o que se falava; 4. O Deus que envia; 5  Define como rebeldes quem não quer ouvir; 6. Terão em seu meio um perfeito perfil de profeta; 7. Sem medo, sem temor da oposição sofrida, falando da parte de Deus; 8. O profeta que ouve e fala o que Deus diz; 9. Que não se rebela como eles; 10. Que come o Livro, escrito por dentro e por fora. Ezequiel 2,1-10.

     Podemos ler essa cena como um artista, pela plasticidade de todo o quadro desenhado, como um câmera-man, porque há várias tomadas de cena, como nos closes dos "seres viventes", na tomada à distância do começo da visão, como na tomada do trono e detalhes à sua volta, ou ler como um físico perito em movimentos, que nos faça entender como são possíveis os deslocamentos descritos. Perfeito para uma tela digital e para os efeitos especiais cinematográficos.

    Ou como um vocacionado, que todos somos, despertados pela visão da glória de Deus, entendendo a vocação com que somos chamados, ansiosos por vê-la cumprida.

     

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