quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Lições de Araçatuba

 

Renato Bertolucci, 35 anos.

    Fatores aleatórios. Porque uma das mortes, segundo foi divulgado, ocorreu devido ao retorno, à cena da invasão, de uma das vítimas. Aqui entra um dos argumentos mais utilizados: nunca reaja ou se interponha ao objetivo criminoso.

     Uma das reportagens que vi, pela TV, ainda nos anos 90, recém chegado ao Acre, foi de um assaltante, recomendando, em sua fala, que não se pode reagir. Falou em tom de aconselhamento, quem sabe até advertência.

    Pois no início dos anos 2000, fui professor da filha do frentista assassinado nesse posto de gasolina, esse mesmo que se tornou exemplo vivo, quer dizer, morto dessa didática recomendação. Foi essa a reportagem a que havia assistido anos atrás. 

      De outra sorte uma casa, num bairro vizinho ao em que resido, foi invadida e, nessa madrugada, uma adolescente, que levantou à noite, talvez para tomar água, deparou dentro de casa esse estranho.

    Levou tiros. O irmão a e mãe também. Mas ela não resistiu. Pela TV, o repórter perguntou, mas como, atirar assim na menina. Ele justificou, em sua lógica, ora, ela gritou. Essa menina era aluna de minha esposa. Não era para gritar.

    Como também, fica a recomendação: se, ou quando sua cidade for invadida, fique dentro de casa. Como se as vítimas fossem as culpadas. Impera uma regra tácita: uma vez submetido a assalto, não reaja. Proceda assim e assim, como se fosse muito tranquilo ficar tranquilo nessas horas.

     A maldade humana, ora, a sentença se autoexplica, só existe no ser humano, em todos eles. Algo de dentro para fora. Jesus foi quem disse: "...de dentro, do coração humano, é que procedem os maus desígnios".

     O rapaz de Araçatuba deixou esposa viúva e duas filhas órfãs. A menina aqui do Acre foi homenageada em sua escola, situada bem aqui atrás de nossa casa. Há uma tendência a se perguntar, "por quê, meu Deus?".

    E há também quem até culpe Deus, como se uma de suas funções precípuas fosse, a toda hora, bloquear a maldade no ser humano. Ora, haveria reclamação. Porque perderíamos a liberdade. O homem é prisioneiro da maldade, mas não aceita isso, julgando que submeter-se a Deus, nesse sentido, para cura, seria, aí sim, tornar-se prisioneiro.

    Prisioneiro de Deus. Aprisionado por Sua graça. Capturado por ela. Como seria, ser um prisioneiro de Deus? O ser humano, na sua opção por liberdade, escolhe ser mau. Poderíamos enumerar, então, graus de maldade.

     Inclusive,  para os graus maiores, providenciar vingança à altura. Ora, para isso existe a justiça, refiro-me à humana. Resolve, em parte e, às vezes. Porque quem aplica a justiça, também está exposto à maldade, de dentro para fora e vice-versa.

    Portanto, a maldade se manifesta presente em tudo o que o ser humano preside. E é uma deprimente constatação. Porque se existe um Bem, que rege o universo e pretende, portanto, que o bem prevaleça, vemos a maldade, no dia a dia, de um modo mais contundente.

    Ainda que possamos dizer que a maldade tem, como represa contra si, o bem, parece que este anda como que oculto, enquanto que a outra ganha mídia e seu efeito provoca imensa tristeza, pelo menos nos que se mostram mais sensíveis.

     O grupo espalhou explosivos pela cidade, sensíveis à luz, de modo que se, algum ou alguém, era indiferente para eles, passasse próximo, ativaria o mecanismo, como o ciclista, cujo pecado foi ingressar no perímetro criminoso, ativar a bomba e sobreviver com os dois pés amputados.

    A que bem aspirar? Principalmente, com relação aos que planejaram e executaram todo esse plano? Deve haver cuidado para que essa fria maldade, ao invés de, em nós, despertar a nossa própria, conduza-nos a refletir sobre que bem pode poder contra esse tipo de mal.

     Cuidarmos para que a síndrome de Caim não nos assalte. Cinismo, diante de Deus, porque mesmo demonstrando ódio contra o irmão, sem motivos, ora, mas que motivos há para o ódio? Deus o interpelou. Ele não atendeu à voz do Altíssimo, como se dissesse, com o seu silêncio, mato e mato mesmo. Matou.

     Não. Não é Deus que fala comigo. E ainda que fosse, não vou ouvir. Pelo contrário, vou fazer o contrário. Sou mau. Assumo. Que saiam ou nem entrem em meu perímetro. Senão, explodo. Mato mesmo.

     E seu descendente gabou-se de também matar, sem motivo, ora, mas qual é o motivo por que matar? Muito cuidado, nessa hora, com a resposta. Lameque, esse descendente que herdou de Caim a mesma síndrome, proclamou, e com razão: se a vingança de um atentado contra meu antepassado foi 7 vezes, contra mim será 70 X 7. E nisso estava correto.

     A maldade não nos deve contaminar. Dar lugar à ira de Deus, significa compreender que não podemos tomar o lugar dEle, que não devemos planejar, fantasiar ou desejar vingança pessoal e que somente o bem deve ocupar espaço em nossa mente.

     Bem que somente existe, em seu estado puro e original, em Deus. Porque se Ele não nos fizer bons, nada e ninguém mais o fará. Bom, sem fraude. Autenticamente bom. Nunca pensem que isso é fácil. E tem um alto custo.

     O que não significa deixar de ansiar por fome e sede de justiça.  Há uma bem-aventurança a nosso favor nessa hora. E este é um sintoma do aprendizado da bondade.

     

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