sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Um conto chamado domingo

  

  Eu estava numa cidade de interior. Aliás, a característica dela era o tamanho, mas a sua gente estava dispersa, quero dizer, espalhada.

  Era domingo. Minha viagem foi a serviço. Não escolheria essa cidade para lazer ou por curiosidade em conhecer.

  Então, como segunda, haveria de retornar, resolvi sair sem rumo. Me atraiu uma torre. Dessas de estilo norte-americano, uma pirâmide sólida, esguia, que sobe para o céu.

  O sol estava ameno. Ela ficava no cimo de uma pequena elevação. Veio logo à memória minha avó, que insistia em me levar à igreja.

   Há muito tempo que eu não entrava numa delas. Como dizia meu pai, expressão dele, não via sentido prático nisso.

   Então, mas então, naquela manhã, subi a ladeira suave em direção à igreja. Ah, sim, era protestante, esquecia-me de dizer.

   Havia por detrás da mesa à frente, logo abaixo da elevação que chamam púlpito, uma moça, bem, uma mulher, mas de aparência jovem.

   Cantava um hino. Avaliei, pela quantidade de pessoas, que talvez estivessem ali já a metade suposta de assistência. Palpite meu.

   Terminou o hino. Conheço alguns, ainda. Mas aquele me era desconhecido. Depois tomou da Bíblia, leu um trecho. De um salmo. Esse eu lembrava: "Alegrei-me quando me disseram, vamos å casa do Senhor".

   Achei, ao mesmo tempo, muito comum, ela ter lido. Mas como tudo ali me valia tão, como vou dizer, insólito, achei que fazia sentido. Havia ali quem tinha prazer em estar ali.

   Fez os anúncios, mais ou menos como eu já sabia, desde meu tempo de criança. Mas ela fazia com naturalidade. Parecia ter o coração no que fazia.

   Então cantaram de novo, e ela disse que as pessoas poderiam ir para as suas classes. Vi todos se levantarem e se dispersaram, sabendo para onde ir. Até que um senhor de idade me viu, saiu deslocado do rumo para onde ia, e veio falar comigo.

   Perguntou nome, eu, ficando de pé, respondi, me disse o nome dele, que eu fosse bem-vindo à casa do Senhor (com maiúsculas) e disse que ia me levar para a minha classe.

   No caminho, perguntou se eu era da cidade, disse que não, ele sorriu, dizendo que já desconfiara. Chegamos, ele se dirigiu a um rapaz, que era o professor daquela classe e me apresentou.

   Ele sorriu, falou meu nome, perguntou aos alunos, uns 7 ou 8, o que vamos dizer para ele e todos disseram "seja bem-vindo, em nome de Jesus". Isso mesmo, a igreja tem muita coisa repetitiva. Essa eu também conhecia.

   Ele começou a lição. Dirigiu-se a mim, explicando a série de lições, quais eram. Estavam estudando o Evangelho de Marcos. Eu prestava atenção, com esforço porque, ao mesmo tempo, eu queria abarcar a cena, analisando tudo.

   Mas eu forcei, porque achei que tinha de me concentrar, para ser honesto e educado com ele. Lucas, seu nome, um pouco óbvio. Achei que deveria ser de família antiga na igreja, para colocarem nele esse nome.

   Falou então das coisas da Bíblia. Sempre muito rasteiro, desculoem o termo. Simples. Aquelas coisas que estão escritas que diz Jesus ter feito. Ele ter falado. As promessas que ele fez. O que falava de si e dos outros.

   As pessoas participavam. De novo, abstraí: como podiam ter interesse naquilo tudo? Ele se dirigiu a mim. Levei um susto. Acho até que ele notou minha distração.

   Olá, querendo perguntar ou falar alguma coisa, esteja à vontade. Agradeci com um sorriso, estou bem à vontade, menti. Na verdade, estava e não estava. Ao mesmo tempo, era e não era para estar ali.

   Terminou. Fomos de volta para o templo. Ah, sim: ele havia me perguntado, na classe, de onde eu era. Eu disse. Todos se admiraram, porque eu estava a mais de 3000 km de minha cidade.

   Havia, agora, uma senhora ao órgão, tocando um hino. Esse eu lembrei: "Achei um bom amigo". Assustei de ver que fui cantando direto. Olha, que então fazia mais de 30, quer dizer, 35 anos dessa fase de ir a uma igreja com minha avó.

    Novamente uma senhora se dirigiu a mim. Sorriu, cumprimentou e disse bem-vindo e se sinta em casa. Agradeci. A moça da frente, a mesma do início, lia a estatística dos presentes nas classes. Depois, a quantia das ofertas. Ah, sim: eu havia depositado, na revista aberta, improvisada como arrecadador.

   O rapaz disse que eu não me sentisse constrangido em contribuir. Eu disse que não, que estava acostumado. Levei um susto ao dizer isso: acostumado há 35 anos atrás.

   A moça terminou. Cantaram mais um hino. Sim, o "Achei o bom amigo" que a senhorinha tocava no prelúdio, ao retorno das classes. Era um órgão a fole, desses bem antigões mesmo, esqueci de dizer.

   Viajei na letra do hino. Confesso. Depois, ela anunciou o pregador. Um senhor subiu, cumprimentou todos, fez algumas menções, que só entenderam, e riram, quem conhecia as pessoas e os fatos.

   Dei uma olhadela na assistência. Nem muito cheia, nem muito vazia. Ele leu em Marcos. Acho que buscava coerência com as lições das classes. Leu o texto. Começou a pregar. Uma fala mansa. Um terno preto desbotado.

   Parei de fazer digressões. Queria prestar atenção. O texto era aquele que dizia que, logo que o Batista foi preso, Jesus se largou para a Galileia. E pregava: "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho." Marcos 1:15.

   Era idoso. Mas não demorou pregando. Disse que essa mensagem de Jesus era a da igreja. Que seria repetida até ele, Jesus, voltar. Que por si já era um apelo. Que por si já dizia o que cabia a quem ouvisse, que era se arrepender e crer.

   E que havia um tempo decorrido. Diferente da contagem normal do tempo. Por isso era urgente crer. E que o reino de Deus era diferente do reino dos homens. Era de paz, primeiro interior, para depois se espalhar por todo o mundo. Um dia.

   Falava tudo isso com simplicidade e bem ao alcance de suas possibilidades. Ao invés de depreciar, ao contrário, o que ele dizia e como dizia dava total credibilidade a ele, conferindo a mesma aos ouvintes. Não sei como aquela gente e aquele homem acreditavam naquilo tudo.

   Terminou. Eu estava tão mergulhado num turbilhão de memórias, que nem percebi. Havia pessoas à minha volta cumprimentando. Não sei quanto tempo estive absorto.

   Sim, o homem orou. Cantaram outro hino. Mas era como se eu estivesse ausente, dentro de mim, eu acho. Muitos falaram comigo. Despedi-me. Agradeci. Desci a ladeira.

   Tudo muito igual. Pouca coisa mudou. Achei interessante o idoso pregador dizer que era mesmo repetitivo. Achei tudo muito simples e, como já disse, rasteiro. Sem depreciação, gente. Quero dizer "rasteiro" no sentido ao alcance de qualquer um. Quer dizer, qualquer um de boa vontade. Acho.

   Eu pensei no personagem Jesus. Em função dele fazem tudo aquilo. É mesmo alguém simples, rasteiro e repetitivo. Mas impressionou-me o grau de importância que davam a isso tudo.

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