segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Pai Nosso

     Os discípulos tiveram dúvidas sobre como orar. Pediram ajuda a Jesus. Ele orientou para que sua oração fosse direta, secreta, desprovida de vaidade e repetições desnecessárias.
    O chamado "Pai nosso" não deve ser repetido apenas mecanicamente, no sentido automático, pois contrariaria a própria instrução de seu contexto, dada por Jesus: evitar vã repetição.
    Pode até ser simbolicamente repetido, como se faz costumeiramente, como oração de comunhão entre pessoas de diferentes religiões, emergencialmente, como socorro em situações coletivas de aperto ou no contexto do culto.
    Mas o detalhamento de suas partes cobre um espectro amplo de necessidades imediatas, que todas devem, permanente e diariamente, fazer parte de nossa vida.
    "Santificado seja o teu nome". Já é. Deus é santo, aliás, o único santo, independentemente de atribuirmos santidade ao Seu nome. Esse primeiro rogo significa o compromisso de quem assume, constantemente, santificar o nome de Deus em sua própria vida.
    O "venha a nós o teu reino" significa a ação de Deus na história. Deus existe e age. Senão, se não age presente e constantemente no mundo, nem precisava existir. Ou contrariaria Seu próprio nome se fosse imóvel, muito "na Sua", sem intrometer-se no dia a dia.
     Mas Deus age no homem/mulher e pelo homem/mulher. Quem crê em Deus abre-se à ação de Deus e, por esse meio e dessa forma, Deus age no mundo. Jesus foi matriz e padrão dessa ação. E Paulo Apóstolo diz que sua missão foi formar Cristo em nós.
     Esse é o agir de Deus. Por isso, o "seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu" se torna possível. Vontade é o primeiro exercício da autonomia humana. Agora, compartilhar todas as nossas decisões com Deus significa, de modo concreto, tornar reino e vontade de Deus concretos no mundo.
     "O pão nosso de cada dia nos dai hoje". O povo, na antiga Palestina, na época de Jesus, procurou-o na semana seguinte à da multiplicação dos pães para comer pão, de graça, novamente. Jesus estabeleceu a diferença/semelhança entre fé e trabalho.
    Para comer o "pão nosso de cada dia", precisamos de trabalho. E quanto mais e melhor estudos, mais digno e profícuo o trabalho. Desde a mais tenra infância, em casa e na escola, aprende-se o trabalho.
    Agora, quanto à fé, não existe trabalho para obtê-la: é dádiva de Deus. Há muito trabalho, sim, após obtê-la. Por isso Tiago diz, ironicamente, "mostra-me a tua fé sem obras que eu, com minhas obras, mostro a minha fé".
    Mas cuidado para não usar obras como moeda de troca. Elas são um compromisso social e horizontal com o semelhante. Primeiro a fé, antes a fé, para só então autênticas obras como seu fruto. Quanto ao trabalho, esse é obrigatório e gratificante para pagar o pão.
    "Perdoa as nossas dívidas, como perdoamos a nossos devedores". É muito fácil nos tornarmos hipócritas. Vejamos bem: quem é perdoador por excelência é Deus. Não somos, naturalmente bons, ou magnânimos perdoadores.
    Não somos. Bondade se aprende com Deus. Pedir perdão a Deus, na mesma medida que perdoamos, é praticar, em essência, o que Deus pratica. Temos de aprender com Ele. Senão, seremos hipócritas, apenas "religiosos", sem nunca, efetivamente, praticar o perdão.
     "Não nos deixe cair em tentação, mas livrai-nos do mal". Jesus disse que a maldade não está nas ruas, imaginária e equivocadamente falando: está dentro do coração dos homens/mulheres. Todos e todas.
     Querem salvar a Amazônia ou todos os demais ecossistemas no Planeta? Uma praga que externinasse os animais "racionais" no Planeta, salvaria completamente toda a natureza. Porque os animais "irracionais" não destroem o meio ambiente.
      Essa é somente uma faceta da maldade humana. Ela prevalece, porque o ser humano levanta-se contra o Criador, contra si mesmo e contra o outro, simultânea e sistematicamente.
    Mas rogar ao Pai que nos livre do mal não é magia e nem milagre: livrar-se do mal é cada um trabalhar para bloqueá-lo em si mesmo e, quem sabe e só então servir como exemplo e modelo de conduta. Hipocrisia minha será não bloquear o mal em mim e ainda querer dar uma de "profeta", repreendendo o outro.
     "Porque teu é o reino, o poder e a glória para sempre", nem precisa repetir, porque já é dEle, para quem nisso crê. Mas tornar isso participativo para mim, inclui que eu admita que Deus seja Senhor em minha vida.
     Pronunciar "Deus", defender a própria religião e a dos outros ou simular contrição, até mesmo pela recitação mecânica do "Pai Nosso", não torna ninguém autêntico diante de Deus.
    É necessário fé. Como diz o autor anônimo da epístola aos Hebreus, "sem fé, é impossível agradar a Deus". E Tiago, em sua epístola (carta) logo ao lado diz, novamente de modo irônico, "você tem fé? Pois demônios também têm, e estremecem", diante de Deus.
      Ê  uma questão de autenticidade.

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