quarta-feira, 4 de dezembro de 2019


O retrato
     Meus pais, mal eu me via como gente, mencionavam "tirar retrato", nos anos 60, com revelação em preto e branco. 
     Não era uma Rolleyflex, como na bossa-nova de João Gilberto, mas era uma daquelas sanfonadas alemãs. 
     Hoje chamam foto, em lugar do termo "retrato". Mas este é mais completo. "Foto", que já está abreviado de "fotografia", mais parece mesmo um instantâneo fugidio.
    Retrato pretende mais revelar. Transmite a ideia de "retratar". Uma ideia de permanência dos contornos. Ou que mais ainda se mostre.
    Eventualmente pergunta-se, curiosidade justificável, se a Bíblia descreve com minúcias o retrato de sua mais importante personagem: Jesus. 
    A resposta é sim e não, ao mesmo tempo. A primeira, sim e de modo radical, esclarece que "quem me vê a mim, vê o Pai", como disse a Felipe o próprio Jesus. 
   Nesse caso, está visto, pronto e retratado. Quando dizemos não, é porque não é com a aparência desejada, uma fotografia ou descrição física, cor dos olhos, tipo de cabelo, barba e as vestes de Jesus. 
    Essa informação a Bíblia não tem. Mas descreve o fundamental. Todos os aspectos relevantes. Sem os quais, a identidade de Jesus estaria falseada nas próprias Escrituras. 
    Isaías, o profeta do séc VIII a. C., vivendo em torno de 700 a. C., descreve o Servo Sofredor. Seu retrato. E mistura o retrato dele ao nosso. Isso mesmo. Nosso retrato é Deus que conhece. 
     E no Cântico do Servo Sofredor, Isaías funde o retrato profético de Jesus Cristo ao nosso. Cada um que crer, terá chapado seu retrato ao retrato de Cristo, expresso em Isaías 53,1-12.
    Que começa com a pergunta: "Quem creu em nossa pregação?". Pois "Quem creu", teve chapado o seu retrato ao de Cristo. Ali, no poema, fala-se de Cristo como um renovo que brota desprezado. 
    Que não se dá conta, como raiz de uma terra seca. Feia, sem beleza, quando se olha. Mas aí, começa o nosso retrato. A enfermidade do pecado, as transgressões e iniquidades. Ele carrega com todas.
    Mais do que enfermidades físicas. Mazelas espirituais. Impregnados delas. E todo o peso e o preço delas recaem sobre o Servo Sofredor, que é Jesus. A partir daí se desenha a nossa nova identidade. 
    E se revela a identidade do Cristo de Deus. No gesto da cruz, revelam-se as identidades do Pai, do Filho e a da humanidade. Aí estão retratadas.
    A Deus agradou moer o Filho, fazê-lo enfermo, que desse sua vida como oferta pelo pecado. A única maneira pela qual o amor de Deus poderia ser revelado e compartilhado. 
    A identidade do Pai se revela no gesto de amor do Filho. E enseja a que se creia nessa pregação. Porque a palavra é fiel. 
     O próprio Filho ao entrar na história, no início de seu ministério, pregou: "Arrependei-vos e crede no evangelho". O próprio Filho é a dádiva do evangelho. 
     A mensagem dessa pregação é que Jesus é a única e suficiente oferta pelo pecado. O nosso retrato é medonho. Há quem queira esconder sua imagem.
    Mas nesse Cântico do Servo Sofredor se revela a imagem de Jesus, a nossa imagem e a imagem do Pai. Anunciando como nos restaurar o lindo retrato como resultado final.

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