segunda-feira, 24 de abril de 2023

"Ó, Deus, sê propício"

 ο θεος ιλασθητι μοι τω αμαρτωλω                                Ó, Deus, propicia-me, o pecador.

     Sem enobação, permitam-me, esta é talvez a oração mais curta das Escrituras. Há duas palavras-chave, no grego, hislasmos, "propiciação", e "hamartólos", pecado.

   A tradução é "Ó, Deus, sê propício a mim, pecador". Mais literalmente, "Ó, Deus, propicia-me, pecador" (que sou).

   Oração pressupõe a possibilidade de fala direta com Deus. Evidente que há uma extensa turma que nega, efetivamente, tal possibilidade.

  Certo. Somente quem se permitiu alcançar pela graça de Deus acha possível esse diálogo. E é claro que há critérios. Não dá para se fazer um Deus à imagem e semelhança do orante.

    Isso seria idolatria. Que é adorar uma projeção de deus ao gosto do cliente. Ora, estudar isso, na história da humanidade, dá pano para mangas.

    Cada vez mais problemático dizer que, se há Deus, revelou-se em Jesus, o qual, como afirma Paulo no preâmbulo aos Gálatas:

     "...que se entregou a si mesmo por nossos pecados a fim de nos resgatar desta presente era perversa, segundo a vontade de nosso Deus e Pai", Gl 1,4.

   Esta oração põe exatamente em destaque, para a vida do publicano, esse expediente aqui exposto por Paulo Apóstolo.

   Essa oração é a primeira que cada um deve fazer, sob o mínimo de reconhecimento, uma vez perante Deus. Consta no contraste entre ela a as invectivas do fariseu.

   Trata-se de dois ilustrados, previamente conscientes com elementos mínimos de teologia ou doutrina. Mas um deles mais vaidoso do que o outro, faz uma lista de suas virtudes.

   Espera com isso autorrecomendar-se diante de Deus. Já o publicano, uma espécie de funcionário público mínimo, na escala social, pede que o próprio Deus lhe propicie acesso, visto que ainda classifica a si mesmo um errante.

    Toda oração é essa. A mínima e a primeira. Ela cabe a todo ser humano. É para ser repetida. Como introdução a quantas depois vierem. E, por favor, que seja sem hipocrisia.

    Viemos da vaidade. Salomão já dizia, tudo é vaidade. Deve ser por contaminação direta do demo. Foi vaidoso, em sua pretensão. O inverso do Filho.

    "...que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens",
Fp 2,6-7.

    A vaidade está lá fora, de onde viemos. Não a deixemos, presença sutil e insinuante, assomar. Humildade é dom para ser imitador de Jesus. Tende em vós, diz Paulo, tenhamos em nós esse sentimento.

    Esta palavra é a mesma, no grego, para pericárdio. Esta é a membrana que envolve o coração de qualquer vivente. Era o sentimento dominante no Filho.

   Ó, Deus, forma em nós. Esse sentimento que, de tão refinadamente Teu, somente há cabimento se for autêntico.

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