quinta-feira, 11 de junho de 2020

Lição 12 - At 13,22-41 - O 1° sermão de Paulo

O 1° sermão de Paulo

At 13,22-41

    "Depois da leitura da lei e dos profetas, os chefes da sinagoga mandaram dizer-lhes: Irmãos, se tendes alguma palavra de exortação para o povo, dizei-a.
Paulo, levantando-se e fazendo com a mão sinal de silêncio, disse: Varões israelitas e vós outros que também temeis a Deus, ouvi.
O Deus deste povo de Israel escolheu nossos pais e exaltou o povo durante sua peregrinação na terra do Egito, donde os tirou com braço poderoso;
e suportou-lhes os maus costumes por cerca de quarenta anos no deserto;
e, havendo destruído sete nações na terra de Canaã, deu-lhes essa terra por herança,
vencidos cerca de quatrocentos e cinquenta anos. Depois disto, lhes deu juízes, até o profeta Samuel.
Então, eles pediram um rei, e Deus lhes deparou Saul, filho de Quis, da tribo de Benjamim, e isto pelo espaço de quarenta anos.
E, tendo tirado a este, levantou-lhes o rei Davi, do qual também, dando testemunho, disse: Achei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará toda a minha vontade.
Da descendência deste, conforme a promessa, trouxe Deus a Israel o Salvador, que é Jesus,
havendo João, primeiro, pregado a todo o povo de Israel, antes da manifestação dele, batismo de arrependimento.
Mas, ao completar João a sua carreira, dizia: Não sou quem supondes; mas após mim vem aquele de cujos pés não sou digno de desatar as sandálias.
Irmãos, descendência de Abraão e vós outros os que temeis a Deus, a nós nos foi enviada a palavra desta salvação.
Pois os que habitavam em Jerusalém e as suas autoridades, não conhecendo Jesus nem os ensinos dos profetas que se leem todos os sábados, quando o condenaram, cumpriram as profecias;
e, embora não achassem nenhuma causa de morte, pediram a Pilatos que ele fosse morto.
Depois de cumprirem tudo o que a respeito dele estava escrito, tirando-o do madeiro, puseram-no em um túmulo.
Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos;
e foi visto muitos dias pelos que, com ele, subiram da Galileia para Jerusalém, os quais são agora as suas testemunhas perante o povo.
Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais,
como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei.
E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi.
Por isso, também diz em outro Salmo: Não permitirás que o teu Santo veja corrupção.
Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção.
Porém aquele a quem Deus ressuscitou não viu corrupção.
Tomai, pois, irmãos, conhecimento de que se vos anuncia remissão de pecados por intermédio deste;
e, por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés.
Notai, pois, que não vos sobrevenha o que está dito nos profetas:
Vede, ó desprezadores, maravilhai-vos e desvanecei, porque eu realizo, em vossos dias, obra tal que não crereis se alguém vo-la contar". 

     Introdução
     Não sabemos se Paulo, no período em que, recém-convertido, ainda em Damasco, lançou-se a evangelizar, "E logo pregava, nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus", At 9,20, se já elaborava sermões como o que Lucas registrou, esse já na primeira viagem missionária,  na sinagoga de Antioquia da Pisídia.
    Em Jerusalém, Barnabé (sempre ele), ciceroneou Paulo entre os apóstolos, para que desse testemunho de sua conversão e já da atividade em Damasco, ocasião em que ele também não perdeu tempo mas, de novo, lançou-se a "pregar ousadamente":
"Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus. Estava com eles em Jerusalém, entrando e saindo, pregando ousadamente em nome do Senhor", At 9,27,28.
      Pois nessa 1a viagem missionária, Paulo já passou por toda a fase em que aprimorou sua visão a respeito da Bíblia de seu tempo, o Antigo Testamento, entendendo-o pela ótica da promessa do Messias, cumprida em Jesus. E será o anúncio desse evangelho que vai publicar por todo o mundo.
      Além de focar, aqui, o sermão de Paulo, vamos compará-lo ao de Pedro, em At 3,11-26, quando naquela circunstância foi anunciado, em outro contexto, o evangelho de Jesus. Paulo tem uma assistência homogênea numa sinagoga, pronta para ouvir, enquanto que Pedro tem um grupo maior de patrícios, sob o impacto da cura do paralítico, nas dependências do complexo do Templo de Jerusalém. Vamos analisar, comparativamente, esses dois sermões.
   
     O 1o sermão de Paulo
     Lucas assinala o 1o sermão pregado por Paulo, na sinagoga de Antioquia da Pisídia, no início das jornadas missionárias desse apóstolo.
    Uma sinagoga era um centro irradiador do judaísmo. Os séculos, e até milênio, de tradição judaica estavam ali concentrados, incluídas a tradição dos costumes e os registros das Escrituras.
    Para se ter ideia da importância da sinagoga,  basta dizer que o modelo de culto que as igrejas hoje praticam é sinagogal. Aqui mesmo, At 13,15, Paulo atende a um convite do chefe da sinagoga, como oportunidade para que falasse:
"Depois da leitura da lei e dos profetas, os chefes da sinagoga mandaram dizer-lhes: Irmãos, se tendes alguma palavra de exortação para o povo, dizei-a".
    Portanto, leitura da Bíblia e sermão, num contexto de uma assistência atenta, é herança do culto sinagogal. Essa tradição sadia tem sido desprezada em muitas igrejas, nos dias atuais, ou por não ter quem seja capacitado, e/ou quantos tenham interesse por pregar sermões, ou ainda pela qualidade e concentração do auditório, em relação a desejar ouvir.
     O sermão de Paulo vai fugir um pouco da organização simplificada que costumamos observar nos sermões de Pedro. Evidentemente, por se tratar de outro contexto de ouvintes, assim como pela diferença de abordagem, feita por Paulo.
     Ele fará um histórico da providência de Deus, na história e vocação do povo de Israel, do êxodo no Egito à entrada na Terra Prometida, concentrando sua atenção na transição dos juízes à monarquia, focando em Samuel, Saul e Davi, para indicar Jesus como descendente direto deste rei-herói dos judeus.
      E com referência a sua assistência, em At 13,16 há um detalhe muito relevante. Havia judeus, é claro, como maioria, na sinagoga, mas também "vós outros que temeis a Deus", ou seja, eram gentios. E a própria receptividade, ao final do sermão, At 13,42-44, indica que essa sinagoga estava aberta a ouvir o evangelho.
     Expondo aqui uma proposta de subdivisões, vamos ter:
1. Introdução histórico-doutrinária: At 13,17-22 - Paulo discorre sobre as ações de Deus em favor do povo, desde o resgate no Egito, até à entrada na terra prometida. E pontua as estações percorridas: libertação do cativeiro no Egito, "maus costumes" no deserto, 7 nações derrotadas na conquista da terra e o período dos juízes, até a liderança de Samuel, Saul e Davi;
2. Corpo do Sermão: Jesus, descendente de Davi e o kerigma cristão: At 13,23-37 - Neste trecho, Paulo introduz a pessoa de Jesus, descendente direto de Davi: "Da descendência deste, conforme a promessa, trouxe Deus a Israel o Salvador, que é Jesus", v.23, assim como define as etapas de sua argumentação:
2.1. At 13,23-25: João Batista dá destaque a Jesus, sendo seu profeta precursor, que veio pregando batismo de arrependimento e anunciando Jesus como superior a si mesmo. Vale lembrar que havia ainda quem desse destaque a esse profeta, At 19,1-4, desconhecendo os fatos específicos do evangelho, como o núcleo central do kerigma, que Paulo vai agora indicar.
2.2. At 13,26-31: kerigma: Paulo indica como a prisão, condenação e morte de Jesus contrariam a promessa das Escrituras, essa mesma lida todos os sábados nas sinagogas. Mas que a morte e ressureição eram também cumprimento dela. Os trechos "pediram que fosse morto", v. 28, "puseram-no num túmulo", v. 29, "mas ressuscitou", v. 30, expressam os três pontos do kerigma.
2.3. At 13,32-37: Testemunho autorizado: aqui, neste trecho do sermão, Paulo reafirma a autoridade da igreja no testemunho dado a respeito da ressurreição de Jesus. De novo evoca seus ouvintes para lhes explicar que anunciam o evangelho. E vai indicar o referencial de sua mensagem nas Escrituras. Vai referenciar nelas a ressurreição.
a) vai citar dois salmos, "Tu és meu filho, eu hoje te gerei", Sl 2,7, e textos aos quais Pedro também recorreu no sermão do dia de Pentecostes, At 13,33, com At 2,26-27, ref. Sl 16,10, assim como a argumentação recorrente de At 13,36 e At 2,29, certamente por estar associada a uma declaração de Davi, esta uma confitmação escriturística da ressureição de Jesus, em salmos de Davi, a quem Pedro chama profeta;
3. Conclusão: At 13,38-41: Paulo fará três afirmações fundamentais à fé que, no futuro, vão se constituir em pontos centrais de sua doutrina nas epístolas que vai escrever: At 13,37 e Rm 1,4, ressurreição como garantia da santidade de Jesus e vínculo da filiação de Jesus ao Pai; At 13,38 e Rm 6,11, remissão dos pecados por meio do batismo na morte e ressurreição em Jesus; At 13,39 e Gl 2,16, a justificação unicamente pela fé em Jesus, independentemente das obras da lei. Também fará, ao final, uma solene advertência que seja valorizada e ouvida a palavra do testemunho da igreja, citando mais um profeta, Habacuque, como referencial das Escrituras, Hc 1,5.

      Sermão de Pedro no Templo
     Pedro se viu num contexto totalmente diferente daquele de Paulo. Não havia uma assistência pronta para ouvir o seu sermão. Ele e João subiram ao Templo para orar, numa hora programada, At 3,1.
     Inesperado o pedido do paralítico, talvez mais ainda a ousadia e autoridade de Pedro ao ordenar que, em nome de Jesus, saltasse, At 3,4-6, imediatamente entrando com Pedro e João no Templo, At 3,7-11.
     Acercaram-se de Pedro e João a multidão, naquela área externa do complexo arquitetônico do Templo, e Pedro mais uma vez tem chance de indicar qual foi a função da cura do paralítico, sinal profético que aponta e cria oportunidade de fé no evangelho.
     Da mesma forma, subdividimos nas três clássicas partes o sermão da Pedro:
1. Introdução: At 3,12, de modo magistral Pedro opera a inversão que, até hoje em dia, prevalece e atrapalha a ênfase principal do ministério da igreja: o "Por quê?" de Pedro opera essa inversão: o milagre em si, a cura do paralítico não é o ponto central, mas sim o poder no nome de Jesus e o específico da fé no evangelho para a salvação.
2. Corpo do sermão: At 13-24, Pedro vai trabalhar num efeito de contrastes, comparando a ação de Deus frente à cumplicidade que houve entre autoridades judaicas e parcela do povo que rejeitou Jesus. O "Deus de Abraão, Isaac e Jacó glorificou Jesus", enquanto que o povo "nega e trai Jesus perante Pilatos", At 3,13; continua Pedro afirmando que "negaram o Santo e o Justo", Jesus, pedindo em troca um homicida, At 3,14; a seguir, sua argumentação avança, definindo com maior clareza a pessoa de Jesus, "dessarte mataste o Autor da vida", em contraste com Deus, que "ressuscitou-o dentre os mortos", At 3,15.
      Chegando a esse ponto, Pedro está pronto a trazer a atenção de todos a Jesus, reafirmando que, em nome dele, o paralítico andou. E não para indicar que todo paralítico vai voltar a andar, pelo poder de Jesus, mas que todo o que crer no poder do ressuscitado, terá perdoado seus pecados, At 3,16-18.
3. Conclusão do sermão: At 3,19-26, nesse contexto já é possível para Pedro apelar ao arrependimento, conversão e cancelamento do pecado, At 3,19. E Pedro, desta vez, alonga-se em sua conclusão, ao demonstrar que Moisés anuncia um profeta semelhante a ele, Jesus, testemunho este também dado por todos os demais profetas, At 3,22-24, esse mesmo  Jesus  ressuscitado e acolhido no céu, até o tempo propício para a Sua volta, At 13,20-21. Com uma advertência final, a que a palavra profética desse evangelho seja acolhida, At 13,25-26, porque são descendentes desses profetas, herdeiros da aliança com Deus, agora manifesta no sangue de Jesus, Jr 31,31 com Mt 26,27-28, escolham o perdão do pecado, pelo Servo a quem Deus ressuscitou, v. 26, e não se permitam excluir, v. 23, não ouvindo a voz desse Profeta e dessa profecia anunciada desde Moisés.

     Conclusão
     A confrontação de dois entre os sermões desses dois gigantes, Pedro e Paulo, transmitem lições muito importantes:
1. O sermão é um gênero textual próprio da pregação do evangelho. Consagrado por uso na Bíblia, como indicado aqui na modalidade de púlpito, por Paulo, na sinagoga, e no confronto positivo com o grupo de Pedro, na porta Formosa do Templo, não deve ser menosprezado pela igreja. Constam como registro escrito por Lucas, com riqueza de detalhes e fidelidade de testemunho;
2. A palavra "sermão" costuma ser vista com rejeição: ou significa uma exortação mal aceita, "Já vai me dar um 'sermão'?", ou, no contexto dos cultos atuais, é a parte do culto menos apreciada. Eu já ouvi: "Irmãos, infelizmente vamos terminar o 'louvor', para ouvir o sermão". Isso representa, caso parta de evangélicos, a desvalorização de um dos principais recursos de proclamação do evangelho, essencial estratégia e trincheira da missão da igreja;
3. Na ordem ou liturgia do culto, o mínimo de tempo é reservado a ele, como indicado acima: hora e meia de "cantoria", para 10 ou, no máximo, 15 min para o sermão, com toda a "equipe de louvor" fora do templo e concentração mínima de uma assistência já cansada de tanto tempo em pé cantando. Nenhuma parte do culto deve ser desvalorizada ou aumentada em detrimento de outras. Todas exercem sua finalidade e equilíbrio, lição que deve ser aprendida e praticada. Porém, se no culto o período do sermão for menosprezado, a qualidade de todo o culto estará comprometida, pela principal parte que lhe confere conteúdo. 
4. Culto, como dizia o Bispo anglicano Robson Cavalcante, é mais aula do que entretenimento. Se no futebol, "paixão nacional", temos 15 min de intervalo, a igreja é 1h30, pelo menos, de instrução para a batalha que travamos, do lado de fora dela, contra as forças do mal. Se instrução e preparo forem ruins, haverá derrotas, com certeza.
4. Sermões precisam ser bem entregues, o que exige ser bem preparados. Debruçado sobre as Escrituras, evidentemente, mas em preparo acadêmico e espiritual. Como Deus falou a Josué, Js 1,7-8, e Paulo a Timóteo, 1 Tm 4,11-15, há um conjunto de fatores que contribuem para a construção de bons sermões: desde a aplicação em conhecer e cumprir as Escrituras, para poder pregar, até a aplicação à leitura e preparo pessoal no estudo, para se pregar com conteúdo, consciência e proveito;
5. Lucas registra em Atos vários sermões: Pelo menos 3 de Pedro, em Pentecostes, na porta Formosa, no Templo, e na casa de Cornélio. Incluídos os libelos de defesa dele, duas vezes, diante das autoridades judaicas. De Paulo, são 3 também, em Antioquia da Pisídia, em Atenas e aos presbíteros de Éfeso, em sua despedida. Incluídos também os 3 libelos de defesa, em Jerusalém, ao povo, e duas vezes em Cesareia: diante de Festo e diante do rei Agripa. E ainda o sermão de Estêvão;
6. Portanto, fácil constatar a importância que Lucas dá a esse gênero de fala e de texto. Se, cuidadosamente, pesquisou, de forma acurada, como diz, e anotou os sermões, é porque reconhece o seu potencial de testemunho. E o seu cuidado, a providência de Deus e diligência do Espírito permitiram que todos esses textos se tornassem Escritura;
7. Os auditórios influenciam na opção consciente do pregador. Para Paulo, como se fosse uma aula, no contexto de uma sinagoga, um grupo homogêneo já à espera de uma fala desse género. Pedro, um grupo heterogêneo, ao ar-livre, como que pego de surpresa. Nem todos terão o dom de preparo e entrega de sermões. O diácono Estêvão apresentou um, também libelo de defesa, mas não há registro de nenhum do outro diácono evangelista Felipe. Mas seja de supetão ou com antecedência, precisamos sempre estar acadêmica, espiritual e escrituristicamente prontos.

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