sábado, 6 de fevereiro de 2021

A casa da Floresta

    Deixa-me ver. Deixa-me ver se explico. Começar definindo (ou descrevendo) que casa. Ampla. Com hall de entrada, sala de estar, sala de jantar, cozinha grande, despensa, área de serviço: com três tanques cobertos, duas caixas de água de 2.000 l, sobre a laje do banheiro de empregada, e uma cisterna externa, ao lado, de uns 6 mil litros.

     O corredor dava para a sala de jantar, abrigando 3 quartos, um banheiro social e, agregado ao quarto do casal, um banheiro que formava uma suíte. Todo o quintal externo cimentado, com garagem coberta, larga a folgar, com extensão de teto para dois carros.

     Ficava sobre uma colina. Porque Floresta é um bairro, cujo Conjunto Residencial se chama Bela Vista, ora, talvez mesmo por causa da colina, onde ficava essa casa. Concepção norte-americana, construída nos anos 70, época da liderança do missionário Camenish entre os presbiterianos de Rio Branco, AC.

     Era uma casa pastoral, como se costumam chamar aquelas agregadas às igrejas do protestantismo de missão. O pastor servirá à igreja em tempo integral, residindo sem ônus numa casa que pertence à igreja ou denominação hospedeira. A casa da Floresta estava desativada porque, no caso específico da Igreja Presbiteriana da Floresta, o pastor residia numa residência própria dele.

    A casa da Floresta hospedou o missionário congregacional. Da casa da Floresta, entre algumas outras coisas, eu me lembro da primeira noite. Uma única sensação ao apagar todas as luzes, imediatamente antes de me deitar para dormir. Muito provavelmente, naquela noite, a esposa e o garoto de 8 meses já dormiam. Eu apaguei a última luz, atravessei o portal do corredor, para cobrir uns 6 ou 7 m até o último quarto.

     Mas antes avistei a janela desse mesmo quarto de casal. A janela da casa da colina. Eu acho que a extensão do corredor, a penumbra, a janela gradeada aberta, que dava para a noite lá fora, projetando o olhar para a noite de cima da colina, permitiu contemplar uma extensão maior.

     Hoje, 26 anos depois, olhando para trás nessa cena, posso dizer que extensão esse olhar percorreu. O que, naquela época, representou um vislumbre, agora tem traços nítidos, uma história percorrida e retalhos pontuais de memória.

     Ali naquela primeira noite a indagação seria como será? Agora, nesta noite, pode-se fazer uma afirmação, como foi, ou uma indagação, como foi? Ou ainda uma outra, como seria? Esta a mais vaga das três, mas não menos propositiva, porque muito do que ocorreu poderia ser de outra forma. Não creio em determinismos.

     Mas pela ação de Deus, porque, afinal, tratava-se (e ainda se trata) de um pastor, Ele faz que erros e acertos cooperem para o bem. Aquela visão noturna, a janela vista do início da primeira jornada por aquele corredor e a janela que se projetava para fora, como que para que futuro, aumentado de tamanho até se chegar ao quarto, tudo era uma grande pergunta.

     Muito daquela resposta já foi escrita. Passei pelo quarto do bebê, hoje com 26 anos e 10 meses, cheguei ao quarto da mãe, tanto quanto eu com 26 anos a mais, e ainda não havia a menina de quase 22 anos. A visão ainda está em minha retina. Como se a pergunta feita, ao cruzar o caixilho, como se diz aqui, portal, como se diz lá, de onde eu vim, para atravessar o corredor, como que caminhando em direção à janela, que aumentava de tamanho, como que para dizer que lá fora era imenso, era até o infinito, como se eu ainda estivesse no corredor e ainda não chegasse ao termo da proposta sugerida na abertura da janela do último quarto da casa da colina.

    Nomes, cenas, erros, acertos, dúvidas, certezas, enfim, tudo que compõe um percurso de uma vida. A janela ainda está aberta. O corredor parece não acabar. O menino virou homem. Há uma passageira a mais em nossa nau. Um oceano a percorrer.
     

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