domingo, 22 de março de 2020

Calamidade individual e coletiva

Tem misericórdia de mim, ó Deus, tem misericórdia, pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades.
Clamarei ao Deus Altíssimo, ao Deus que por mim tudo executa.

Salmos 57:1,2

Firme está o meu coração, ó Deus, o meu coração está firme; cantarei e entoarei louvores.
Desperta, ó minha alma! Despertai, lira e harpa! Quero acordar a alva.
Render-te-ei graças entre os povos; cantar-te-ei louvores entre as nações.
Pois a tua misericórdia se eleva até aos céus, e a tua fidelidade, até às nuvens.
Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus; e em toda a terra esplenda a tua glória.

Salmos 57:7-11

     A situação prática que Davi enfrenta e chama de calamidade, quando compôs este salmo, é a perseguição sem motivo desencadeada contra ele pelo rei Saul.
    Realmente ter um rei e seu exército nos calcanhares, é uma calamidade que, no caso de Davi, ganhou contornos diversos. 
   Político, porque a aclamação que Davi recebeu do povo, como herói da guerra contra os filisteus, "Saul matou seus milhares/Davi seus dez milhares", mexeu com a cabeça já não muito sadia de Saul. 
   Espirituais, porque Saul passou a ser atormentado por um espírito demoníaco, aliás consolado pelo próprio Davi, na tentativa de uma terapia musical, que quase lhe custou a vida: Saul tentou cravá-lo na parede com uma lança. 
     E pessoal, porque havia sincera amizade entre Davi e Jônatas, o filho do rei, que tentou convencer o pai da absoluta inocência do amigo, tendo sido advertido, aos palavrões, pelo rei, e indicando a Davi, por um sinal cifrado, de atirar uma flecha para além do alvo, assinalando a rota de fuga. 
     Daí a oração de Davi, que se encaixou previamente na sua situação:
"Tem misericórdia de mim, ó Deus, tem misericórdia, pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades. Clamarei ao Deus altíssimo, ao Deus que por mim tudo executa" Salmo 57,1-2.
     Também há quatro indicações diretas para nós, nesta calamidade:
1. Pedir a Deus sua típica misericórdia;
2. Reafirmar que nEle, sim, com certeza, refugia-se a nossa alma;
3. Certamente, vamos procurar abrigo sob suas asas, debaixo das quais cabe o mundo inteiro, até passar a calamidade;
4. E vamos clamar por Seu nome, porque já conhecemos a íntima experiência de que Ele tudo executa por todos e, especificamente, a cada um de nós. 

    1. Amor: Deus é misericórdia. Esta palavra pode ser traduzida "amor" no hebraico. No sentido exato, "ato acordado previamente", no caso um compromisso, sentido legal; benevolência, amor, graça, no sentido de "firmar um compromisso de amor", como em Isaías 54,10:
"Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão removidos; mas a minha misericórdia não se apartará de ti, e a aliança da minha paz não será removida, diz o Senhor, que se compadece de ti". Deus tem com cada um e com toda a humanidade um compromisso de amor. 

   2.  Refúgio: O Salmo 121:
Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro?
O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.
Ele não permitirá que os teus pés vacilem; não dormitará aquele que te guarda.
É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel.
O Senhor é quem te guarda; o Senhor é a tua sombra à tua direita.
De dia não te molestará o sol, nem de noite, a lua.
O Senhor te guardará de todo mal; guardará a tua alma.
O Senhor guardará a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre.

       No versículo 7 diz o salmista: "O Senhor te guardará de todo mal; guardará a tua alma". É o lugar da nossa verdade. Ainda que a gente não queira admitir, não dá para esconder de nossa alma o medo e a insegurança. Mas o Senhor guarda a nossa alma. Por isso que, em horas de aperto e até de desespero, a gente se refugia no Senhor Deus, a gente corre para o Seu abrigo. Eu abrigo minha alma no Senhor, o Senhor habita meu íntimo, habita a minha alma: minha fé está no Senhor.

   3. Abrigo: Jesus deve ter chorado mais do que as duas vezes que o Novo Testamento indica: uma delas, foi por causa da tristeza provocada pela morte; a outra, porque reconheceu que Jerusalém não queria abrigar-se sob as asas do Senhor:

"Quando ia chegando, vendo a cidade, chorou e dizia: Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos.
Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o cerco;
e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação. Lucas 19:41-44    

"Jerusalém. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes!  Lucas 13:33,34

"Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!   Mateus 23:37

      Quantas vezes não corremos para nos abrigarmos sob as asas do Senhor. Nossa vida de formalidade simula uma devoção que, na verdade, é vazia. Quando, então, a calamidade bate à porta, então vem o medo ou a revolta contra Deus, achando nós que lhe temos de ensinar como agir conosco. Se a intimidade com Ele for determinante para a nossa fé, vamos estar firmes nesta hora, porque acostumados com o lugar permanente de refúgio, que é no aconchego e segurança da quentura e abrigo de Suas asas.

4. Clamor. As pessoas costumam chamar clamor uma gritaria coletiva. Erro distante. Porque, em primeiro lugar, Deus não é surdo. Segundo, porque Deus é lógico quando fala a nós e cobra, de nós, lógica, quando falarmos com Ele. E também, e, principalmente, coerência. Numa coisa as pessoas estão certas: O clamor precisa ser coletivo. Vejamos:
"Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta.
Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão.
Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo.
Mateus 5:23-26

      Clamor está condicionado ao senso de justiça. Frequentemente, a Bíblia associa calamidade a um alerta de Deus. Com a vida em risco e com o medo frio à porta, do lado de fora, a hipocrisia da inocência forjada, do papel de bobo atribuído a Deus, invade as pessoas. Quem não está acostumado a duas coisas (1) tratar o irmão com o devido respeito ou (2) conduzir-se, na vida, por um absoluto senso de justiça, tem medo da morte que, para Deus, é apenas o intervalo entre a vida e o juízo final. Medo. João tem uma resposta para o medo:
"No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor". 1 João 4:18

    Antes de clamar a Deus lembre-se disto: o clamor é coletivo e, não, individualista; é lógico, coerente e requer justiça; e também comunhão, amor e respeito ao próximo.

   Ó, Pai, ensina-nos tudo o que a calamidade nos dá chance de apreender. Tenha misericórdia porque, se por ela não aprendemos, quão dura deverá estar nossa consciência e quão distante da fé.

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