sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Desmantelo e inoperância: quando a palavra mente. A profecia de Jeremias e o descrédito do discurso

   O cap.1 do livro de Jeremias pode ser considerado como o rito de consagração do profeta. Geralmente, essas perícopes que descrevem a vocação, também trazem agregadas uma introdução temática a todo o conjunto da profecia.

     No caso de Jeremias, ela aparece no corpo dos cap. 2 e 3. Constituem-se numa reunião de pequenos oráculos, sendo os deste bloco relacionados ao chamado "ciclo de infidelidade", quer dizer, ao mau exemplo da apostasia de Israel, imitado por Judá, sendo que o bloco seguinte, que se inicia em 4,5 a 6,30, está relacionado ao "ciclo do inimigo do norte".
     A pregação de Jeremias paira nesse contexto, de denúncia da infidelidade de Judá, que imita e reproduz a mesma infidelidade de sua irmã Israel, assim como a indicação recorrente que o acontecido, no norte, por meio dos assírios, em 722 a. C., está prestes a ocorrer igual, por meio dos babilônios, com o miúdo reino do sul.
     Já internamente, focando essas unidades, o trecho de 2,2-3 indica que temática será desenvolvida nos oráculos desse bloco: 2,2 anuncia os oráculos do ciclo de infidelidade e 2,3 os oráculos do ciclo do inimigo do norte.
     Essa disposição do material do livro, de modo pormenorizado e organizado, W.L. Holladay denomina "ring composition", ou seja, unidades de textos que possuem palavras-chave ou temas, que as fazem equivaler umas às outras, direcionando o conteúdo da profecia por meio desses referenciais, tornando o conjunto do livro um todo harmônico.
     Por exemplo, para o primeiro grande bloco considerado o rolo primitivo escrito por Jeremias, os referenciais dessa compilação em "great inclusio", ou seja, num grande bloco integrado, seriam a narrativa da chamada, em Jr 1,4-10.11-13, com a Confissão final do profeta, nesse bloco, indicada em Jr 20,14-18, demarcadas pela pergunta "O que vês?", em Jr 1,11.13 e em Jr 24,3.
     Portanto, para os dois ciclos iniciais, nos cap. 2-3 e 4,5 a 6,20, a seguinte subdivisão: 1. 2,2-3, o anúncio dos dois ciclos; 2. 2,5-37, quatro seções: 2.1. 2,5-13, Yhwh fonte de água viva; 2.2. 2,14-19, por que Israel, nascido em casa, comporta-se como escravo; 2.3. 2,20-25, será Israel como um animal sem controle?; 2.4. 2,26-37, tornou-se Yhwh para Israel como deserto ou negra escuridão?
     Ainda nessa seção de 2,5-37, um observador cuidadoso vai concordar com Holladay ao constatar o balanceamento referenciado entre a parte central, 2,29-32, com a imediatamente anterior, 2,26-28, e a imediatamente posterior, 2,33-37 e dessas duas com o início do capítulo, em 2,5-13.
     Quando o leitor avança ao capítulo 3, para a segunda parte do chamado "ciclo de infidelidade", vai encontrar uma estrutura poética subdividida em 4 partes: A (3,1-5) e B (3,12a-14a) com A' (3,19-20) e B' (3,21-25), do mesmo modo que as quatro partes indicadas no capítulo anterior.
    E o mesmo balanceamento, marcado ora por palavras-chave repetidas, ora pela temática, podem ser conferidos em 3,21-25, com eco em 3,19-20 e 3,12a-14a, e com 3,19-20, ecoando em 3,1-5. Exemplo de palavra-chave referencial são os verbos hebraicos shub, converter-se, em 3,21-25, com eco no verbo bush, envergonhar-se, em 2,26-27, além da referência temática do culto a Baal.
     As seções 3,14b-18 e a citação de reforço "debaixo de toda árvore frondosa" Holladay indica como exemplo de acréscimos que os revisores não se continham em fazer, mas que são naturais para o tempo e época contemporâneo ao profeta e não, como hoje, uma marca de inautenticidade.

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