quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Aquela mulher

       Já passara algum tempo desde que aqueles homens voltaram dizendo que, sim, foram dar com o Nazareno onde eles estavam, ele e seus discípulos, sim, por causa dela, do que dissera sobre ele. E que, por si mesmos e não somente pelo que avaliaram como um palpite, haviam constatado ser o galileu tudo o que ela dele dissera.

   A mulher estava reflexiva. Agora quedava avaliando tudo o que sucedera, desde aquela sugestão absurda daquele homem, um judeu estranho que havia pedido água a uma samaritana estranha e com o seu perfil num lugar nem público, mas também nem tão ermo.

       Olhando para si mesma, sim, refletia sobre tudo o que ouvira dele e toda a mudança que se havia operado nela. Desde a súbita chegada do grupo de discípulos, exatamente espelhando toda a estranheza que ela já sentira, sim, era entranho que estivessem ali, indevidamente íntimos, parecia, conversando, tão díspares que eram.

      Saíra, então, de repente, como que culpada, mais que isso, distraída, na verdade, atônita, esquecera mesmo até o cântaro, seu motivo original de se deslocar até o poço, chegara à cidade, quando então perguntaram, com os olhares apenas, que fosse, pela água. Cântaros e água não eram, assim, para se largar afoitamente naquelas paragens.

    E a água? Deu consigo. Só conseguiu dizer o que disse: encontrei um homem que disse tudo de mim. Como ninguém antes. Eu acho que é o Messias. Pôs em xeque o cartaz que tinha. E era grande. Porque aqueles homens de seu grupo foram conferir. Agora ali, esquecida de todo, pensava consigo mesma recapitulando tudo.

    Se havia zoeira de conversa à volta, ela imaginava se chegasse alguém, um entre eles, com as brincadeiras de sempre. Com a mofa com que, eles sim, na intimidade, a tratavam. Iam achar diferente a sua reação. E quantos à volta soubessem suas razões, iam dizer que estava assim desde que encontrara, à beira do poço, com o estranho galileu.

    Disse tudo sobre mim como ninguém antes. Não me recriminou pelo que sou como ninguém antes. Pediu-me um favor com uma dignidade com que poucos me tratam. Prometeu-me uma água absurda, que mitiga, duma vez, toda a sede. Se me contassem, eu acharia loucura. Mas gozado que contei aos meus, e foram conferir.

    Ele disse que é o Messias. Que estamos num tempo em que não importa onde e nem em que templo, podemos adorar ao Senhor, como disse? Em Espírito e em verdade. Disse que é... quem mesmo? O... Pai. Ele chamou... Deus... de Pai. Parou refletindo, mais uma vez, sobre a Pessoa.

    Messias. Não sendo assim, é um louco. Assustou-se de pensar assim. Como se ofendesse o estranho. Para logo avaliar que era natural assim pensar se, na verdade, ele fosse alguém comum. Não. Era incomum. Chegou um deles. Cheirou-a o pescoço, como sempre fazia quando a encontrava. Esperou a reação de sempre. Não veio. Olhou-a de soslaio, estranhando.

    Outro mais adiante comentou, rindo, não adianta. Está assim aérea desde hoje à tarde, quando encontrou o galileu. Galileu?! O homem olhou de lado a outro. Ora, meu amigo, sim, o galileu, aquele mesmo, da moda, passou por Samaria. Ela o encontrou no poço de Jacó. Ficou tão avoada, que largou para lá o cântaro.

    O homem deviou seu olhar do interlocutor ocasional e mirou a mulher, para sondá-la. Ela sorriu ameno, como que a desviar do outro a importância do que ele falava. Mas o que chegara ateve-se ao que ouviu e pelo olhar queria esclarecimento. Ela entreabiu outro sorriso e afirmou decidida: encontrei o Messias. 

    O homem ponderou o que ouvia. Franziu a testa, como a inquirir. Ela mudou todo o seu olhar, como a requerer, por ele, uma reação do homem diante do que ela mesma havia dito. Como assim Messias? Ora, abria-se provocativa toda a expressão do rosto, como que, agora, senhora da conversa, para replicar: então, não sabe do que estou falando? 

     O homem estatelado, mediante tal provocação, reuniu tudo o que sabia sobre Messias. Como poderia vir de uma mulher uma provocação daquelas? O que, de novo, poderia acrescentar ao que sabia sobre Messias? Era vago. Apenas uma promessa. Se bem que ele conhecia tradições que eram preservadas com respeito e grande expectativa.

    Nesse meio tempo, ficara estampada na fisionomia da mulher a pergunta, ao mesmo tempo que, pela expressão radiante e, ao mesmo tempo, desafiadora, uma espera pelo que aquela provocação pudesse propor. Anda, mulher, desembucha, foi a reação dele. O que se deu entre você e esse galileu? Era a pergunta precisa.

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