segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Sobre likes e autoestima

    Definitivamente, contra a maré. Certo dia, quando Jesus acordou cedo, saiu caminhando pelas cercanias do "mar da Galileia", pura pretensão, este apelido, começou a agir como um visionário.

   E olha que estamos perto do ano zero. Estamos em pleno mundo romano, perto do fim do mundo, quer dizer, numa fatia longínqua de terra, a parte mais ao norte da Palestina, uma fatia da província romana da Síria, uma unidade encrenqueira do império.

   Se alguém quer o glamour que a vida tem, exposição na mídia, um mínimo de likes que seja, jamais vai dar com seus costados na Palestina. Foi por aí que Jesus decidiu começar.

   Uma tal Jesus. Visionário. Falava de um "reino". Dizia que seu empenho era por um tal reino de Deus. Até  mesmo um intelectual, que o valha, procurou-o para checar a história. À noite.

   Sim, porque associar a imagem a alguém como Jesus, sem nenhuma pincelada de mídia, detona a própria autoimagem. E se há alguma coisa que cuidar, hoje em dia, e naquela época não era diferente, é a autoimagem. Nicodemos teve esse cuidado.

   Encontraram-se à noite. Escondido. E ele veio com uma conversa, exatamente sobre imagem, dizendo a Jesus que bem achava que ele, Jesus, fosse alguma coisa, porque algo nele, Jesus, sinalizava para isso.

   Jesus veio com essa de reino. Talvez o intelectual até soubesse umas referências sobre essa ideia. Não sabemos, mas pelo menos ele deveria conhecer o sonho de Nabucodonosor, destrinchado, em seu sentido, por Daniel.

  Ora, caramba, se há algo etéreo, como autoimagem, é o sonho. O que é o sonho? Esse, descrito em Daniel, diga-se, de passagem, um livro meio estranho, chamado "Apocalipse do Antigo Testamento" (AAT, ora, se ainda fosse um App).

    Nabucodonosor é imperador da Babilônia e sonha que há uma estátua gigante, com cabeça e dorso de ouro que, de cima para baixo, até os pés, vem decrescendo no grau de nobreza dos metais que a compõem: ouro, prata, ferro, bronze, barro e bronze, até chegar a barro puro.

    De barro são os pés, apoios da estátua, de barro misturado ao bronze as pernas, a coluna da estátua, de modo que, ao se soltar, sem mãos, uma pedra, ela dá nos pés e pernas de barro e sua mistura, e a estátua se esmigalha pelo chão.

   Essa tal pedra cresce e cresce, agiganta-se, e ocupa o mundo inteiro. Isso é um sonho. Qualquer um percebe isso. A moral da história é que a sequência de metais, do mais ao menos nobre, reprentam reinos, impérios que se sucederam na história.

   E a pedra que se desprende, arrebenta com a estátua, esmigalhando-a, significa a diluição, dissolvição desses impérios mundiais ao longo da história, o que, de fato, já ocorreu, e a pedra misteriosa, cortada sem mãos, representa, no sonho, esse tal reino, esse outro do visionário Jesus.

   Que cobra de seu interlocutor, Nicodemos, conhecer. Afirma a ele que é possível enxergar e até fazer parte desse reino. E Jesus vai, por sua vida afora, mencionar o reino. Dizer que, ainda que seja por força, as pessoas devem aspirar a entrar nele.

   Dizer que não adianta procurar sinais visíveis externos dele, porque está dentro em nós (quem somos esse "nós"?). Marcos, o evangelista, diz de uma semente que cresce, cresce, cresce, plantada que foi, que dormindo e somente aguando e cuidando, o dono percebe seu aumento assombroso.

   É isso. Jesus*, trade-mark, quer dizer, marca registrada, acessório para autoimagem pessoal, incrementando teu perfil de mídia, todo mundo quer. Mas o visionário, que espalha a ideia de um reino de Deus, que para entrar nele é preciso enxergar primeiro, talvez essa ideia avaliem como meio louca.

   Que para entrar nesse reino, disse ao intelectual, tem de nascer de novo. Essa geração, literalmente, provém de Deus. Com DNA e autoria comprovada. 

   E cuidado com a palavra reino. Porque quem vai ser convidado para essa festa, é a marginália de rua, cujo cheiro, roupas e pedigree, com certeza, não grajeiam likes. Pobre, então, da autoimagem.

   A quem interessar, ler João 3,1-21, e mais as assertivas de Mt 11,12 e Lu 17,20-21 e 14,15-24. E ainda Daniel 2,1-49. Quem sabe firma-se o hábito de continuar lendo...

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