sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Fé e palavra

    "Ora, disse o Senhor a Abrão"  Gn 12,1. Sim, mas disse como? Ele intuiu? Foi audível? Literalmente? Enfim. "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor". Js 24,15c. Mas como é isso?

   E quanto a Noé? "Porém Noé achou graça diante do Senhor. Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus." Gênesis 6:8,9.

   Simples assim. Assim as Escrituras apresentam Deus, assim como os homens, tanto os que falaram com Deus, de Deus ou com quem Deus falou.

    Isaías afirma: "No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor", Is 6,1. Mas viu como? Tecnicolor, como se dizia antigamente? Analógico ou digital?

   O autor de Hebreus talvez tenha razão, quando diz: "Sem fé é impossível agradar a Deus", Hb 11,6. Não há como se avistar com Deus, ouvi-lo ou se dizer que é seguido, sem a mediação da fé. Portanto, há que se entender, de modo claro e preciso, fé.

    No caso de Josué, que disse "eu e a minha casa serviremos ao Senhor", bela decisão, palavras de efeito, mas somente proferi-las não garantiu, sem fé, que se concretizassem.

   No caso de se dizer "disse o Senhor a Abrão", ou disse a qualquer um, e vá lá quem mais seja, sem fé que Ele tenha dito ou sem fé, da parte de Abrão, ou da parte de, com quem, Deus fala, é Fake.

   E dizer, como no caso do, assim chamado, profeta Isaías, "eu vi o Senhor", aliás, corriqueiramente, o que mais se afirma, como disse Felipe a Jesus, "mostra-nos o Pai e isso nos basta", dizer-se "nunca vi Deus, então não creio", confirma-se que, sem fé, impossível.

    E para o caso de Noé, dizer que ele "andava com Deus", por isso foi justo e íntegro, tendo "achado graça diante do Senhor", e que isso se aplique a muitos outros, sem fé, impossível.

   Mas fé, no caso, não é, como se pensa, fechar olhos para a lógica e, romântica ou ingenuamente, acreditar nesses relatos ou depoimentos.

   Há quem interprete fé deste modo. Pessoas crédulas em Deus, ou num deus, ora, todas ou quaisquer delas devem ser tratadas com respeito. Todas as religiões merecem respeito.

   Corretíssimo, para essas pessoas e para todas as religiões: merecem respeito. Mas fé é específico para o relacionamento com Deus. E provém de Deus. Nem eu ou ninguém somos, por nós mesmos, capazes ou suficientes para crer.

    Somos naturalmente incrédulos. Portanto, quem não crê, nunca saiu do natural. Nem deve se recriminar, por isso. Aliás, a própria Bíblia chama de "homem (ou mulher) natural".

    Crer é sair do natural. Gosta-se muito, também, de dizer que acreditar em Deus não é científico. Assim como não é lógico. Por extensão, nem ciência e nem filosofia comprovam ou garantem Deus.

   Pois sair do natural, para crer, não é nem anticientífico e nem antifilosófico. Porque filosofia é a ciência do pensamento lúcido, lógico e inquiridor.

    E ciência é a descrição dos fenômenos físicos, químicos, quânticos etc. Ela cuida da explicação pormenorizada do que está ao alcance dos olhos. Vai explicitar o que se percebe.

   Espera-se da ciência precisão e cessação do desconhecimento de fenômenos do mundo físico macro e microscópico. Espera-se da filosofia a capacidade ordenada de gerir o raciocínio, voltado para o conhecimento da realidade.

    Fé está relacionada tanto à ciência, quanto à filosofia. Por necessidade de ser compreendida, deve ser inteligentemente, estar afeita aos princípios da filosofia. E por ser aplicável ao mundo físico, relacionada ao ser humano e a fenômenos decorrentes dessa relação, é também científica.

   Aliás, não haveria nenhum fenômeno do mundo real, como a fé, que não estivesse associado tanto a uma, a filosofia, quanto à outra, a ciência. Mas nenhuma das duas explica, de modo completo, ou esgota a definição de fé.

    Porque o objeto da fé é Deus, que não cabe dentro dos parâmetros da filosofia e nem nos parâmetros da ciência. Porque em seu agir, Deus situa-se acima da filosofia, porque o pensamento humano não o pode conter, e Deus situa-de acima da ciência, porque o poder e os feitos de Deus não se submetem às leis do mundo físico.

   Por isso, para compreender o que de Deus é possível e essencial na revelação dEle, no grau em que Ele se permite revelar, para ouvi-lo, segui-lo ou vê-lo, a fé é específica e é suficiente. Daí dizer que Deus fala, falamos com Deus, Deus chama, enfim, Deus ama.

   E homens falaram da parte de Deus, como a própria Escritura atesta. E o que falaram? Está escrito. Por que meio ouviram e por que meio falaram? Por meio da fé. E ela, de si mesma, é fidedigna.

   E por si mesma, suficiente. "O que de Deus se pode conhecer é manifesto, porque Deus lhes manifestou". Paulo Apóstolo. Aliás, é muito interessante colocar aqui essa perícope da carta aos Romanos: 

 "Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas". Rm 1:19,20.

   Basear-se na criação, para confirmar que ela expõe Deus, é concordar com o texto das Escrituras que diz: "E disse Deus, haja luz". Aqui concordam a Bíblia e a ciência, pois luz é fóton. E tudo passou a existir. O autor de Hebreus afirma que:

    "Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem." Hb 11:3.

   Portando, assim entendeu João: "No princípio era o Verbo/Palavra, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus [...] "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai." Jo 1,1 e 14.

   Essa é a palavra de fé. Como diz Paulo Apóstolo, a fé vem pelo ouvir. E o ouvir a palavra de Deus. Crês tu nisto?

    

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