sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Já não são

"Todos os dias de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco anos. Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si." Gênesis 5:23,24.

    Dá para calcular a dimensão da idade do pessoal do tempo de Enoque, comparada à nossa, dividindo por 10.

    Na matemática antiga, como aprendi ainda no primário, retira-se um zero ou se põe uma vírgula entre último e penúltimo número.

    Então, deduz-se que morreu jovem, numa idade metade da média de sua geração, porque 365/10 = 36,5, que dá 36 anos e seis meses.

   Mas importa a qualidade de vida que viveu. Ainda que de modo lacônico, o texto atesta que "andou com Deus": excelente síntese da existência.

   Não se trata de dizer "Enoque já era", gíria depreciativa, mas "já não era". E isso de já não ser, era porque Deus o tomou para si, sem efeito visual extemporâneo, como no caso de Elias.

    Não adiantaria procurar, como Elsieu advertiu, no caso de Elias, a seus discípulos ser inútil: Enoque não mais andava por aqui, no usual deste mundo. E não foi também morte usual, mas abrupta ruptura.

    Deixou de andar neste mundo, no sentido lato, de tanto que andou com Deus, no sentido nato, num sentido de um despojamento de requintes, absolutamente natural, sem prepotência e com reciprocidade, de parte a parte.

   Não de uma intimidade forjada ou espiritualidade afetada. Nem de uma escolha seletiva de Deus, pois não faz acepção de pessoas.

     Mas também não é para gente tão egolátrica, que se acha um "Enoque". É algo espontâneo e autêntico. Mas nada vulgar ou banal, como se Deus fosse "um (ou Um) da quebrada". Não é.

   Para Moisés, Deus disse descalça as sandálias. Isaías falou "aí de mim, vi o Senhor" (e nem viu, no sentido pleno). Daniel sentiu-se faltarem-se-lhe forças. Ezequiel atendeu-lhe os desígnios contrariado.

   Há um desnível óbvio de identidade. Deus criou o homem e mulher a sua, dEle, imagem e semelhança. Deus é santo, mas o homem e a mulher são decaídos.

  Embora no mundo de hoje correção moral esteja em desuso, para Deus, está valendo. Dá parte de Deus, sem impedimentos para andar conosco. De nossa parte, todo o impedimento.

   Pois é exatamente essa distância, entre as duas, Pessoa e pessoa, que Deus estreita. Mais do que aproxima, mantém comunhão.

    Com referência ao povo idólatra de Israel, o profeta Oseias menciona que Deus "atraiu-os com cordas de amor". Deus ensina a amar. Deus, no ser humano, restaura amor, visto que este não ama a si mesmo, não ama o outro e muito menos ama Deus.

   Porém há um traço distintivo no amor de Deus: autenticidade. O profeta Jeremias disse, certa vez, que o coração humano é enganoso. Aliás, radicalizou: disse ser desesperadamente corrupto.

   Não sabemos o que é amor. Deus ensina. Compartilha. Restaura em nós essa identidade perdida. Andar com Deus significa aprender assim. Ser tomado por Ele, definitivamente, para a Sua presença.

   E já não ser, antes mesmo que venha, ocasionalmente, o (ou um) arrebatamento, confere com o que Paulo diz aos Gálatas: "Não sou mais eu quem vive, Cristo vive em mim".

   Cristo é Deus encarnado. O Verbo se fez carne. Para, desse modo, andarmos com Deus. Deus se fez homem para, por meio do Filho, nos ensinar a ser humano. E a carta aos Gálatas termina, dizendo: "Andai no Espírito".

   É possível inscrever o nome na lista dos que andam com Deus. Elias e Enoque são sinais proféticos do arrebatamento. O mesmo Deus que nos "transportou do império das trevas para o reino do Filho do seu amor", vai nos arrebatar.

   Abruptamente vai nos arrebatar. E nem os mortos serão atrasados nesse dia. E os vivos serão, nesse mesmo momento, transformados. Já não são. Porque, desde sempre, Deus os tomou para Si. 

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