sábado, 10 de dezembro de 2022

Manoel Marques

  Considerava Gerson, Manoel Marques e Valdemir meus companheiros inseparáveis, nesse tempo em que estive em Curicica, de meados de 1982 até sua emancipação em 1988.

   Aqui vou falar de Manoel Marques, para depois mencionar os outros dois. Ele era presença constante em Curicica, uma vez que, com o "grupo dos 11", egressos da Congregacional de Cascadura, assumiram essa congregação.

    Vinha de mãos em mãos, rejeitada  como um trabalho num lugar remoto, na época um loteamento poeirento e esburacado, na Estrada do Guerenguê, Curicica, recanto da baixada de Jacarepaguá, ao qual se tinha acesso a partir do Largo da Taquara.

   Eu vinha da UERJ, onde iniciei o curso de Letras - Português e Hebraico, em 1982. Eu me matriculava em uma ou duas disciplinas a menos, sobrando assim uma noite na semana, para a reunião de estudo bíblico e oração em Curicica.

   Pelo precário da distância, vinha eu, no Fusca azul-céu, RV 2644, de meu pai, pela Grajaú-Jacarepaguá. Despencaria na Freguesia, acharia o rumo da Taquara e, pelos labirintos aprendidos com o diácono Gerson, que palmilhava cada recanto de Jacarepaguá, eu alcançava a Rua Arália 145.

    Às vezes chovia, como dizia meu pai, torrencialmente. Eu embicava o carro para entrar no terreno, naquela época menor do que o atual, que ocupa toda a esquina, e quem eu via ali, debaixo de um guarda-chuva, primeiro que todos, por ônibus, vindo ali de onde residia, na Vila das Torres, em Magno: Manoel Marques.

   Dali a instantes chegava Emilzair, que trazia pelos braços Rafael, o caçula, ao colo, e Roberto, com uma sombrinha maior do que ele. Ela vinha também com as chaves. A gente entrava, a chuva continuava, torrencial, cantávamos, orávamos, estudávamos a Bíblia.

    Roberto dormia recostado ao colo da mãe, Rafael nesse mesmo colo. Era muito divertido, e aqui o sorriso engraçado de Manoel Marques, quando ouvia Emilzair dizer que, por causa de somente a zeladora, com a chave, o pastor, por obrigação, e o Manoel Marques, por tudo o mais, amor e prontidão, era melhor fechar essa congregação.

   Valia o sorriso de Manoel Marqeus. E o que Emilzair dizia, não quer dizer o que parece. Mulher virtuosa, de senso prático, fé inabalável e operosa. Mas era analítica.

    Porém essas suas palavras foram mais estímulo, tão certo e garantido que, hoje, está lá a igreja que, de um lote espremido, hoje tem toda a esquina ocupada e um templo ampliado construído.

    Manoel Marques contou-me sua conversão, já adulto e depois de casado, assim como o modo como orava, continuamente, pela conversão de todos os filhos e filhas. Descrevia sua vida na juventude, na zona rural onde vivia, suas valentias e a educação recebida dos pais.

    Era valentão de esnobar os rapazes da época, no lugar. Disse que punha na mão deles um porrete, deitava no chão e mandava bater, mas bater mesmo. Antes que conseguissem, já estava de pé, já havia tomado o porrete e já intimidava o agressor.

   Contou também que, nos bailes da roça, ele se alinhava com os paletós de linho da moda, com aquelas golas enormes. Ele disse que, por detrás da gola estilosa, escondia seu punhal. Mas não escondia que seu desejo era, nas brigas ocasionais que sempre havia, poder usar sua arma branca para sangrar alguém.

    Mas Manoel Marques reconheceu sempre, nessas conversas, que a providência de Deus, já nessa época, dele cuidava. E sua obediência foi fundamental. Ele contava que, embora nada soubesse do evangelho, a instrução de seu pai, como a Bíblia sempre recomenda, ele nunca esqueceu.

    O pai, disse ele, um dia o chamou e instruiu sobre três lições que ele nunca esqueceu e nunca deixou de praticar. Segundo ele, o pai o ensinou, dizendo:

    "Meu filho, sempre trabalhe com honestidade, construindo tudo por seu próprio esforço. Mantenha-se afastado da bebida, nunca prove e nunca dependa do seu vício. E quanto a mulheres, tenha sempre somente a sua, sempre respeite a filha dos outros".

   Manoel Marques nunca esqueceu e nunca deixou de praticar essas três lições. Conversando comigo no ônibus Taquara-Cascadura, ele disse:

    "Pastor, hoje reconheço como Deus me guardou na juventude, protegido do meu gênio de valentão. Nunca houve brigas nos bailes que frequentei". E dava seu sorriso celestial, lembrando como se irritava, ainda como não crente, quando sabia que, exatamente no baile que faltou, o pau havia comido.

    E ainda quando jovem, e mesmo depois de casado, sendo assediado por mulheres que gratuitamente o provocaram, sempre fugiu de relações fortuitas. E nunca provou bebida alcoólica, ainda e mesmo antes da conversão, assim como sempre praticou trabalho honesto.

   Sua luta com a quantidade grande de filhos foi dura e difícil, mas sempre leal e honesta. Manoel Marques era assíduo leitor da Bíblia. Um dos fatos mais sofridos que passamos juntos foi a perda de um dos seus filhos.

   Esses dois, Jair e Jadir, e mais a irmã Juremir, eu conheci em Cascadura desde que lá cheguei, em 1966. Certa vez, ele me chamou para conversar com Jair. Estava já adulto, mas seus pais avaliavam que não deveria estar próximo às companhias que escolhia.

   Lembro ter conversado com ele, na Vila das Torres, provavelmente num domingo à tarde, reforçando o que seus pais já o orientavam fazer. Jair me tratou respeitosamente, o seu sorriso em muito lembrava o de seu pai, de poucas palavras, concordou com tudo e foi convidado a retornar à igreja, onde já havia estado, conhecendo todos os benefícios.

    Foi a última em vez que nos vimos. Porque numa noite, eu chegava no Meier, vindo da UERJ. O telefone tocou, era d. Maria, sua mãe, dando notícia que o corpo de Jair jazia na Estda. do Portela, em Madureira.

   Manhã muito cedo cheguei à cada do irmão Manoel Marques, na Vila das Torres. Eu o encontrei de Bíblia aberta, no texto:

     "Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor , teu Deus, te dá." Êxodo 20:12.

   E ele, então, eu ainda de pé, à porta de sua casa, ouvi-o dizer: "Pastor, Jair ouviu pai e mãe? Ele ouviu o irmão? Se ele não honrou pai e mãe, seus dias na terra não se prolongaram".

   Reconheci essa aplicação clara e direta do texto, feita pelo Pai, de coração cortado, na manhã do dia do sepultamento de seu filho. Indo ao velório, usei esse mesmo texto, soando como exortação e advertência, que a palavra de Deus se cumpre, ainda que doa, quando não atendida.

   Exemplos de orações pelos filhos, atendidas, como no caso da cura de José Batista e no trato amoroso, com Joel, a quem o Pai atribuía aquele temperamento que um dia teve, assim procedia com relação a todos, filhos e filhas. Ele sempre testemunhava a reposta favorável de Deus.

   Manoel Marques não era exibido, orgulhoso, esnobe. Homem simples, de palavra sábia, íntimo de Deus, modelo em sua família, em seu bairro, trabalho, nas igrejas por onde passou: Magno, Cascadura e Curicica.

   Como é precioso, como pastor, deparar ovelhas como essas, que tanto nos ensinam. Elas que nos são modelo. Referenciais na igreja. Igreja, como Jesus idealiza e efetiva, é um local rico em se constatar a obra de Deus realizada na vida de cada um de nós.  

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